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Gigante entorpecido: por que o “projeto Brasil” precisa voltar para a prancheta

O modelo de um estado paternalista e de uma sociedade estatizante não funcionou. É hora de repensarmos o papel do Estado e o que se espera do setor privado
Por  Paulo Tafner -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O Brasil é um gigante. É o quinto maior país em extensão territorial, com 8,5 milhões de km², ficando atrás somente de Rússia, Canadá, China e Estados Unidos. Considerado apenas o território contíguo, é o quarto, superando os EUA.

Sua população é a sexta maior do mundo, ficando atrás de China, Índia, EUA, Indonésia e Paquistão.

É o terceiro maior produtor de grãos e, também, o terceiro maior exportador dessa commodity. Temos a maior produção de soja do planeta, a terceira maior produção de milho e de feijão e a 21ª maior produção de trigo.

Somos o terceiro maior produtor agropecuário e o primeiro país exportador de frango. Temos o maior rebanho bovino do mundo.

Estatísticas acerca de reservas confirmadas de petróleo colocam o Brasil entre 13º e 15º no ranking mundial*. Temos a quinta maior reserva de urânio, e nossas reservas de tungstênio são a décima maior do planeta. Nossas reservas confirmadas de ouro nos deixam na 39ª posição.

O PIB brasileiro é o nono maior do mundo, segundo o FMI e o Banco Mundial, sendo superado por países desenvolvidos como EUA (que têm o maior PIB do mundo), Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália, e também por dois países em desenvolvimento – os gigantes China e Índia.

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Além de tudo isso, o Brasil é o maior reservatório de água do mundo. Temos a maior reserva de “petróleo azul” do planeta, superando Rússia, Canadá, Estados Unidos e China. Ostentamos ainda a maior floresta do planeta e a maior biodiversidade.

Essas costumam ser as estatísticas usadas por boa parte da mídia e de certas escolas de economia para mostrar a pujança e a riqueza de nosso país.
O PIB, por ser uma estatística sintética da produção, é muito frequentemente utilizado: afinal, estamos “entre os mais ricos do mundo”.

O PIB é uma estatística com diversos problemas de medição. A produção de certos setores é difícil de ser devidamente capturada. O surgimento constante de novas atividades econômicas não têm sua produção precisamente medida.

No caso de muitos dos países em desenvolvimento, como o Brasil, a situação é agravada devido ao agigantado peso do setor informal, cuja medição de seu produto é ainda mais difícil de ser capturada e medida.

Apesar de todas essas limitações, o fato é que o PIB é uma estatística usualmente utilizada para expressar a riqueza das nações. E nela, figuramos entre os dez países que mais produzem.

Se estamos no top 10 quando olhamos para o PIB, o mesmo não acontece com o PIB per capita. Por qualquer das três instituições multilaterais (FMI, Banco Mundial e ONU), figuramos abaixo da posição 70.

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Pelo FMI, temos o 72ª maior PIB per capita; pelo Banco Mundial, o 77º e, pela ONU, ocupamos a 75ª posição.

Além de estarmos abaixo dos países reconhecidamente ricos, como Suíça, Noruega, Dinamarca, Suécia, Austrália e Finlândia, e de países com PIB superior ou ligeiramente inferior ao brasileiro, como EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália, Espanha, Coreia do Sul e Canadá, somos superados por países cujo PIB é apenas uma fração do PIB brasileiro.

É o caso de Porto Rico, Chipre, Estônia, Hungria, Panamá, Croácia, Costa Rica, Bulgária. Há ainda países pobres nessa lista, entre eles, Quênia, Suazilândia, Somália e Guiné Equatorial.

Na nossa vizinhança, nosso PIB per capita é inferior ao de Argentina, Uruguai e Chile, e apenas 22% superior ao do Peru (cujo PIB é de US$ 225 milhões de dólares ou 12% do PIB brasileiro) e 25% superior ao da Colômbia (com PIB equivalente a 17% do brasileiro). Nosso PIB per capita é o dobro da renda per capita do Paraguai, cujo PIB é apenas e tão somente 2,24% do PIB brasileiro.

Em suma, se no PIB fazemos bonito – mas muito aquém do que poderíamos –, no PIB per capita, vamos mal. Mas vamos mal não apenas no PIB per capita.

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Quando olhamos para o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ocupamos a vergonhosa 75ª posição, atrás de Chipre, Polônia, Lituânia, Croácia, Cazaquistão, Panamá, Costa Rica, Turquia e de nossos vizinhos Argentina, Chile, Uruguai e México.

Mas não para por aí. No índice de percepção de corrupção, que procura medir “o grau em que a corrupção é percebida a existir entre os funcionários públicos e políticos”, ocupamos a 79ª posição, atrás de países como Gana, Jordânia, Malásia, Namíbia, Cabo Verde, Bahrein, Chile, Itália e Grécia. E mesmo Burkina Faso, Kuwait e Ilhas Salomão!

Quando olhamos para a produtividade, aí é de entristecer. Analisando mais de uma centena de países, para o período 2000-14, é possível verificar que o ritmo de avanço de nossa produtividade é inferior à média da Ásia, da América Latina e mesmo da África.

Nos anos 1960, nossa produtividade era equivalente à japonesa. Hoje, os japoneses produzem, em média, quase três vezes mais do que nossos patrícios.

Na década de 1980, nossa produtividade era equivalente à da Coreia do Sul. Atualmente, cada sul coreano produz 2,7 vezes mais do que um brasileiro.

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O indicador Doing Business, elaborado anualmente pelo Banco Mundial, é uma medida do desempenho das economias quanto à regulação do ambiente de negócios em um dado período. A pontuação varia entre 0 e 100, sendo que zero representa o desempenho mais baixo em termos da facilidade de fazer negócios e 100, o melhor desempenho.

Pois bem, dentre 213 países analisados em 2020, o Brasil ocupa a posição 142, atrás de nações como Cazaquistão, Armênia, Moldova, Chipre, Brunei Darussalam, Colômbia, Porto Rico, Omã Uzbequistão, Catar, Peru, Tunísia. E até da Albânia, Mongólia, Botsuana e El Salvador!

Apesar de nosso enorme PIB, quase metade de nossos domicílios não dispõem de rede de esgoto. Nossa educação é sofrível, estando entre as últimas classificadas no PISA, apesar de sermos o terceiro país que mais gasta com educação como proporção do PIB (dados da OCDE, de 2018).

Nossas metrópoles estão repletas de favelas e de áreas especialmente pobres. Segundo dados do IBGE (2019), existem 13.151 favelas no Brasil, com mais de 5 milhões de domicílios e mais de 20 milhões de brasileiros.

Se adicionarmos as áreas especialmente pobres, atingiremos a marca de quase 50 milhões de pessoas vivendo nessas condições.

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São brasileiros com baixíssima chance de progredir na vida. Estudos feitos para verificar a associação entre escolaridade do pai e dos filhos revelam que 1 em cada 4 filhos de pais sem instrução são também jovens sem instrução e apenas 4 em cada cem desse grupo chegam ao nível superior.

No extremo oposto, 81% dos filhos de pais com instrução superior têm superior incompleto ou completo. A história de cada brasileiro é feita no útero e não na corrida da vida.

Estudo recentemente divulgado pela OCDE revela que o tempo necessário para que um brasileiro saia estruturalmente do décimo de menor renda para a renda média do país demandaria (pasmem) nove gerações!

Que horizonte pode ter um jovem dos estratos mais baixos de nossa sociedade?

Em suma, o país não está dando certo. Entre projetistas, quando algo não está adequado, costuma-se dizer: “Hora de voltar para a prancheta”.
Como fazer isso com um país? Como voltar para a prancheta e corrigir os defeitos do projeto?

Uma coisa é certa. O modelo de um estado paternalista e de uma sociedade estatizante não funcionou. É hora de repensarmos seriamente o papel do Estado e o que se espera do setor privado.

Do primeiro, devemos refletir e definir o que ele deve fazer e como fazer, de modo a ser minimamente eficiente e barato. Do segundo, temos que criar as condições para que floresça em toda sua potencialidade.

É hora de acreditarmos nos indivíduos e nas empresas, além de prover reais chances para cada um atingir seu máximo potencial.

Isso envolve termos boa educação – e não apenas educação –, boa saúde – e não apenas saúde –, boa regulação econômica e técnica – e não apenas regulação – e um bom e justo sistema tributário.

Enfim, isso envolve interferir e controlar menos e prover bem o básico para todos.

* Dados das Nações Unidas indicam que o PIB do Brasil supera o da Itália e o da Índia e, nesse caso, seria o sétimo maior PIB do mundo. Sétimo ou nono, o fato é que o PIB brasileiro está entre os dez maiores do planeta.

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Paulo Tafner É economista, doutor em ciência política e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Especialista em previdência, publicou diversos livros, entre eles, "Reforma da previdência: por que o Brasil não pode esperar?", escrito em conjunto com Pedro Nery

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