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Por Fábio Frezzati
As empresas familiares são preponderantes quando analisamos o conjunto de organizações existentes na maior parte do mundo; empregam parcela significativa da população trabalhadora e contribuem com uma parcela muito alta de tudo o que acontece no ambiente empresarial. São muito diferentes entre si e isso pode ser explicado de muitas formas mas a principal é que elas têm a sua própria dinâmica.
O tema sucessão aparece de maneira forte quando se analisa o tripé clássico dos eixos da empresa familiar: a família, a propriedade e a gestão. O tema família fala por si; a propriedade indica como a empresa será controlada e a gestão faz com que a empresa tenha a sua sustentabilidade. Muito pouco tem sido estudado fora do tema sucessão, tema relacionado primordialmente à maneira como se entrelaçam a família e a propriedade.
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Sucessão sem dúvida é um tema crítico para as empresas familiares e é um processo contínuo na sua vida, devidamente planejada e sendo olhada dos dois lados, ou seja, do lado da empresa quando demanda uma dada estrutura e, para essa estrutura, necessita de pessoas que possam desenvolver as atividades e ao mesmo tempo, do lado da família no sentido de não só disponibilizar mas também perceber os membros da família ocupando esses espaços ao longo da vida da entidade para que ela continue sendo uma empresa familiar.
Devemos deixar claro que o termo empresa familiar não é o oposto de empresa profissionalizada. Para evitar esse mal entendido, alguns autores utilizam a expressão família empresária ou empresas controladas por famílias. Entretanto, tendo em vista a forma internacional de identificar, family business, a expressão empresa familiar será preservada neste texto.
Os estudos têm demonstrado que o afastamento, de fato, do fundador é um momento especial da vida da empresa, existindo necessidade ou oportunidade de mudança de modelo de gestão, dado que a saída de alguém com profundo impacto no direcionamento das atividades mexe com a organização de maneira intensa. Alguns elementos devem ser considerados nessa transição. Em termos de intuição a gestão passa pela situação de alguém ter que desenvolver atividades com necessidades diferentes daquela vivida pelo fundador que definiu, formalmente ou não, valores, crenças e modus operandi. Essa situação ocorre em vários momentos de renovação da gestão, nas várias gerações mas, certamente, é mais forte quando o fundador se afasta, com mudanças inevitáveis no modelo de gestão.
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O modelo de gestão é a forma particular de cada organização desenvolver as suas atividades, com combinação de estilos, mecanismos e prioridades. Por exemplo, ímpeto para o crescimento ou visão conservadora, com flexibilidade ou rigidez, top down ou bottom up, nível de participação e mesmo valorização da intuição e ou buscando informações objetivas. A troca de pessoas dentro da estrutura de poder altera esses elementos e traz mudanças na valorização de vários estilos. O que torna mais complexo o tema é que o modelo de gestão, com o desenvolvimento das empresas, embora venha de cima para baixo, não se baseia apenas nos principais dirigentes da organização mas sim nos vários níveis gerenciais, criando o que chamamos de massa crítica organizacional. Ela proporciona estabilidade e viabiliza as atividades no seu dia-a-dia. Com isso a demanda por estruturação nos vários aspectos, inclusive conceitual, pressiona e tensiona os gestores.
Quando se pensa em gestão existem dois eixos extremos que competem e se complementam ao mesmo tempo: foco nas pessoas e o foco nos objetos. A tradução disso para a realidade do cotidiano consiste em dosar a subjetividade e a intuição, de um lado, e a objetividade e o uso de mecanismos, de outro. Qualquer organização precisa dos dois e o desafio é a dosagem a administrar. Se tenho um problema de caixa na perspectiva da subjetividade, a solução passa pelo esforço para lembrar o que eu fiz das outras vezes, enquanto que, na abordagem objetiva antes de pensar numa solução quero saber a dimensão de quanto falta e quanto tenho a receber de acordo com algum relatório.
Herdeiros, preparados ou não, vão provocar mudanças no modelo de gestão da empresa porque a presença do fundador, normalmente personalística, com sua ausência, demanda espaço, prioridades e forma de pensar que normalmente na sua substituição são ajustados, trazendo mudanças.
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Pelo modelo mental comumente encontrado nas empresas familiares, existe uma predominância de baixa ênfase em mecanismos objetivos, já que a família está presente nas atividades da organização e o elemento confiança é estabelecido nos vários níveis e operacionalizado nas atividades de gestão. As crenças e valores, formalizadas ou não, imprimem o direcionamento. A introdução de mecanismos de planejamento e controle estruturados não eliminam a intuição mas sim a aperfeiçoam pois o modelo intuitivo não permite comparação e, como consequência, aprendizado organizacional. Mais do que isso, além do poder estabelecido pela propriedade, a objetivação da gestão por meio de relatórios, metas e outros mecanismos viabiliza uma lógica de legitimação muito prática para o dia a dia das organizações.
Empresas com portes diferentes acabam utilizando mecanismos diferentes e existe uma certa sequência de complexidade e evolução. A primeira grande demanda e que normalmente surge a partir de uma crise é o fluxo de caixa. Passa a existir planejamento por um período curto até que a organização entenda que o fluxo de caixa planejado é um mecanismo de extrema necessidade para que, ao equacioná-lo, os executivos possam dedicar seu tempo a outras oportunidades, o que é pouco provável de acontecer quando a pressão do curto prazo estiver latente. Em algum momento o conselho de gestão é instalado e passa a discutir resultados reais e planejados. Metas são estabelecidas e acompanhadas.
Uma segunda demanda decorre da necessidade de entender o custo e a margem reais. Sem um sistema contábil confiável a intuição jamais será desafiada e muitas decisões serão tomadas sem amparo objetivo. Para ter sucesso é importante que a contabilidade gerencial seja uma palavra levada a sério e isso demanda um razoável aprendizado. A informação real, histórica é relevante mas pobre pois nada garante que o passado se repita no futuro. Nesse momento a organização percebe que ter uma contabilidade voltada para a demanda gerencial agrega valor e investe em sistemas e gente. Uma vez implementada a base para montagem do orçamento está disponibilizada e a organização passa a viver um momento importante em que a melhor forma de controlar é… planejando.
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A nova demanda diz respeito a indicadores, financeiros e não financeiros que permitam analisar, projetar e controlar o desempenho da organização. O uso dos indicadores gera reflexões e pressões pela busca por melhor desempenho e isso motiva os executivos a utilizá-los de forma contínua. Dependendo do porte e complexidade da organização, a utilização dos indicadores pode levar a empresa a implementar algum tipo de painel de indicadores, o que amplia o potencial de entendimento da realidade empresarial. É como fazer um check up e perceber onde a empresa está bem e onde precisa de melhorias.
Com esse conjunto a organização pode pensar na formalização do processo de planejamento estratégico que terá estrutura para ser desenvolvido e utilizado.
Uma coisa importante nessa viagem para a objetivação é que não existe um modelo único e certo. A organização vai se adaptando e demandado mecanismos, ao mesmo tempo que vai ocorrendo amadurecimento das pessoas na utilização dos mecanismos.
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A ordem de implantação dos mecanismos pode ser diferente mas, para os dirigentes, o conjunto se constitui em ingredientes fundamentais para que eles tenham a oportunidade de desenvolver a empresa, certamente com mais segurança do que o fundador o fez. Esse conjunto de elementos subjetivos e objetivos só existem para colaborar com a gestão das organizações. Contribuem para o sucesso dos herdeiros ao longo das gerações. Afinal a sucessão na empresa familiar sempre será um tema importante e pode ser apoiado por mecanismos que permitam que o instinto não deixe de existir mas seja um item a ser também gerenciado.
A sucessão poderá ser um dos vários recomeços na longa trajetória da empresa se os mecanismos que combinam a intuição e a objetividade estiverem presentes. Com isso a sucessão não será o fim. Será mais um recomeço.
Fábio Frezatti
É Mestre em Administração de Empresas e Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP. Livre Docente pelo Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP é Pós-Doutorado na University of Illinois, UIUC, Estado Unidos, além de ter Curso em “Colloquium on Participant-Centered Learning”,na Harvard Business School, HBS, Estados Unidos. Foi executivo financeiro em diversas empresas por mais de 14 anos, incluindo atuação como diretor financeiro de empresa multinacional, por cerca de 5 anos. Foi Diretor Administrativo da FIPECAFI – Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras por três mandatos, atual Diretor de Pesquisa da instituição e eleito Vice Presidente do IPECAFI – Instituto Brasileiro de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras para o período 2006-2007. Recebeu o Prêmio Levi Strauss Internacional em 1987, por trabalho referente a Fluxo de Caixa. Foi Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Controladoria e Contabilidade da FEA/USP. É Chefe do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP, Presidente da ANPCONT (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis) para o período 2006-2007 e Vice-Presidente at large – Brazil na International Accounting Association for Education and Research (IAAER). Faz parte do conselho editorial de vários periódicos acadêmicos nacionais e internacionais. É consultor e instrutor de empresas nas áreas de projeção de fluxo de caixa, cash management, project management e planejamento empresarial. Possui livros publicados pela Editora Atlas, destacando-se: Gestão de Valor na Empresa, em 2003; Orçamento Empresarial: Planejamento e Controle Gerencial, em 1999, e Gestão do Fluxo de Caixa Diário, em 1997. É Co-Autor do livro Manual de Elaboração de Orçamento Empresarial, Ed.Atlas, 4ª edição, coordenado por José Carlos Moreira, além de ter vários artigos publicados em revistas e em anais de congressos nacionais e internacionais. É Professor da FIPECAFI e Professor do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP. É representante da América do Sul e Caribe no board do European Accounting Association. Atual Editor-Chefe da Revista Contabilidade & Finanças do EAC/FEA/USP.