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Como amplamente noticiado, na semana passada, a BM&FBovespa perdeu mais uma batalha contra o auto de infração de R$ 410 milhões que questiona o aproveitamento do “ágio fiscal” formado na união da BM&F com a Bovespa. O caso preocupa investidores. Pode significar que a empresa perderá tanto este como outro valor equivalente (se não maior) relativo aos anos que ainda não foram examinados pelo Fisco. A conta pode ser alta.
A briga faz parte de uma guerra iniciada há anos pela Receita Federal contra aproveitamento fiscal do ágio, benefício criado pelo próprio governo na década de 90 e agora tão combatido pelas autoridades fiscais.
Vamos entender o imbróglio
Em 2008, BM&F e Bovespa integraram suas atividades em uma operação de reorganização societária chamada “incorporação de ações”, na qual uma sociedade recebe todas as ações de outra e se torna sua única acionista.
É como se uma sociedade “X” recebesse todas as ações emitidas por outra sociedade (“Y”), tornando-se sua única acionista controladora, mediante a distribuição de participação (da própria “X”) aos antigos acionistas da “Y”.
Nesta troca, se estas ações da sociedade “X” distribuídas aos antigos acionistas de “Y” valerem mais do que a participação original na sociedade “Y”, pode-se gerar um “ágio” na “X”. Vamos desenhar.
De acordo com as normas em vigor, o “ágio”, se fundamentado em expectativa de rentabilidade futura, pode ser amortizado para fins fiscais, gerando economia de IRPJ e CSLL em um prazo mínimo de cinco anos após a extinção do investimento em incorporação, fusão ou cisão.
No caso da BM&FBovespa, foi o que aconteceu. O ágio fiscal de R$ 13,3 bilhões começou a ser amortizado em 2008.
Em 2010, a empresa foi autuada pela Receita, que questionou o aproveitamento fiscal do ágio nos anos de 2008 e 2009 [1], cobrando R$ 410 milhões de IRPJ e CSLL, multa e juros. O questionamento teria se baseado no entendimento de que o valor do ágio estava superavaliado. Parece que, no entender do Fisco, uma parcela do preço deveria ter sido primeiramente atribuída à diferença entre o valor de mercado e contábil dos ativos e passivos da investida. Apenas a parcela residual corresponderia ao ágio, que seria consequentemente menor. A BM&FBovespa recorreu administrativamente.
Em 2011, a decisão administrativa, emitida por uma delegacia da Receita Federal foi negativa. A empresa recorreu para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em Brasília.
Na semana passada, a BM&FBovespa perdeu seu recurso. A decisão foi apertada: três votos favoráveis e três contrários, com desempate do presidente da Turma, que é representante da Fazenda.
A companhia aguarda o acordão para avaliar sua estratégia: se apresenta novo recurso administrativo à Câmara Superior de Recursos Fiscais, ou se parte para o judiciário. A discussão deve durar muitos anos.
Quando for publicado o acórdão do Carf, será possível saber mais precisamente quais as chances de sucesso da empresa. Se a glosa (desconsideração) de parte do ágio tiver sido realmente fundada na suposta necessidade de se avaliar os ativos e passivos da investidas a valor de mercado, como parece pelas poucas informações já divulgadas, as chances são muito boas. No meu entender, não havia esta obrigação.
Este entendimento é reforçado pela recém-editada MP nº 627/13, que passará a exigir tal alocação residual do ágio (“goodwill”) para fins fiscais (como já ocorre com a contabilidade IFRS em vigor desde 2008). Se a MP teve que ser editada para fazer esta exigência, é porque ela não existia antes.
A companhia nega os boatos, iniciados em 2010 em matéria da Folha de S. Paulo, de que o questionamento teria se baseado na caracterização do ágio como “interno” (aquele gerado entre partes relacionadas e que deveria ser desconsiderado, ao menos para fins contábeis, por ser irreal [2]). A versão da empresa faz algum sentido. De qualquer modo, se fosse este o fundamento do auto de infração, seriam boas as chances da BM&FBovespa. A despeito da coincidência de muitos acionistas de BM&F e Bovespa, o capital poderia ser defendido como suficientemente pulverizado, descaracterizando o “ágio interno”.
Por melhor que seja o Direito, contudo, a vitória é incerta. É isto que mostram as derrotas sofridas até o momento. Nossos julgadores são frequentemente forçados a decidir não com base na lei, mas sob a pressão das receitas tributárias a serem perdidas (argumento absurdo, a partir do qual o governo pretende sustentar suas ilegalidades). Ao mercado resta apenas aguardar e sofrer com a insegurança do nosso Direito e morosidade de nossa Justiça.
1. Os anos de 2010, 2011 e 2012 ainda não teriam sido objeto de autuação.
2. A MP 627/13 pretende eliminar a possibilidade de aproveitamento fiscal do “ágio interno”.