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COP 26: quais os temas centrais para o mercado ficar de olho

Mais do que metas, espera-se das nações planos concretos de como e em que prazo as reduções de emissões necessárias para limitar o aumento da temperatura média do planeta serão alcançadas, além de transparência no seu reporte
Por  Marina Cançado -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26) começou no último domingo (31) em Glasgow na Escócia. Até dia 12, líderes das 196 nações signatárias do Acordo de Paris e cerca de 30 mil delegados, membros de governos, empresas e organizações da sociedade civil, cientistas, ativistas, jornalistas e observadores estarão reunidos no maior evento internacional desde o início da pandemia, com a difícil missão de alcançar as convergências necessárias em torno de compromissos, metas, ações e prazos claros capazes de limitar o aumento de temperatura média do planeta até 2050 a 1,5ºC, em relação aos níveis pré-industriais.

Por que o foco no teto de 1,5ºC?

Embora o primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – órgão das Nações Unidas que reúne milhares de cientistas do mundo todo com o objetivo de apoiar os tomadores de decisão com dados científicos, estudos, avaliações de riscos e cenários baseados em evidências – já em 1990 evidenciasse o aquecimento global em curso, foram anos de debate público em torno da causa da elevação da temperatura: ela seria resultado da ação humana ou apenas parte do ciclo natural do planeta Terra?

Foi na COP 21, em 2015, que se chegou ao consenso global – com base na ciência – de que as mudanças do clima são causadas por ações antrópicas. Entre inúmeras outras medidas, os 195 países signatários do Acordo de Paris se comprometeram a tomar as ações necessárias para manter o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC, limitando o aquecimento global a bem abaixo de 2ºC, em relação aos níveis pré-industriais. Como uma das primeiras medidas de seu mandato, o presidente americano Joe Biden assinou o tratado inserindo os Estados Unidos no acordo.

O Sexto Relatório do IPCC, lançado em agosto deste ano, mostra que em 2020 a temperatura média no planeta já foi 1,2ºC mais alta em relação à era pré-industrial (1850-1900), sendo 1,1ºC resultante de atividades humanas. Isto é, já estamos beirando o teto de 1,5ºC. Na ocasião do lançamento desse estudo de cerca de 3.500 páginas, que envolveu mais de 200 cientistas de 60 países, o secretário geral da ONU afirmou que ele é “um alerta vermelho para a humanidade”.

Segundo o Climate Action Tracker, caso nada seja feito até 2100, estima-se que a Terra possa aquecer mais de 4ºC, inviabilizando a vida como conhecemos. Se continuarmos com as políticas existentes, estima-se um aumento de 2,8 a 3,2 ºC até o final do século. Considerando as metas e compromissos atuais definidos pelos países, experenciaríamos uma elevação de 2,5 a 2,8 ºC. O Acordo de Paris quer segurar o aumento a menos que 2 ºC, preferencialmente a 1,5 ºC.

Essas variações em números absolutos podem parecer pequenas, mas não são. Vale lembrar que estamos falando de temperatura média. Portanto, algumas áreas seriam muito mais afetadas com extremos que outras. E, sobretudo, os efeitos do aquecimento são exponenciais pois geram desequilíbrios sistêmicos – por exemplo, o derretimento de geleiras decorrente do clima mais quente eleva o nível do mar, o que pode colocar em riscos cidades litorâneas. Como tudo está conectado, a mudança da dinâmica de um elemento afeta o outro, o que pode nos levar a pontos irreversíveis que colocam em risco o espaço seguro para a existência da vida humana na Terra.

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Também vale destacar que esses efeitos não estão distantes no tempo. Pelo contrário, já estamos começando a vivenciar as consequências das mudanças climáticas ao redor do mundo. Basta observar as secas, incêndios, inundações, crises hídricas e tantas outras catástrofes e transformações nos ecossistemas.

Por todos esses motivos, o objetivo das reuniões de Glasgow é viabilizar a entrega do limite estabelecido em Paris. Como disse Alok Sharm, o novo presidente da COP 26, na fala de abertura: “A mudança climática rápida e intensa está deixando claro que a COP 26 é nossa última e melhor esperança de deixar o limite de 1,5ºC possível de ser alcançado”. Não temos tempo a perder.

Quais os pontos centrais que estão sendo endereçados na COP 26 para viabilizar o alcance do teto estabelecido?

1. Metas mais ambiciosas por parte dos países

Na COP 21, em 2015, cada país que aderiu ao Acordo de Paris definiu de forma voluntária suas NDCs (contribuição nacionalmente determinada), isto é, seus compromissos de descarbonização, com base na elaboração de medidas e planos baseados nos setores ou soluções prioritárias para a realidade de cada nação e do que seria factível de se alcançar, considerando revisões das metas a cada cinco anos.

O problema é que as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa colocadas de forma deliberada por cada país não viabilizam o limite de 1,5 ºC – mais que isso, extrapolam o cenário de 2 ºC. Portanto, ou os países definem metas mais ambiciosas, com transparência no reporte e nos prazos, ou perderemos a chance de nos manter abaixo do teto de temperatura desejável. São as condições de vida na Terra que estão em jogo.

Dependendo das decisões ou indefinições, é um caminho sem volta.

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2. Comprometimento com o Financiamento Climático

Serão necessários trilhões de dólares ao longo da década para a implementação dos planos de mitigação e adaptação, tendo em vista as mudanças climáticas. Nesta edição da COP, espera-se que se avance na constituição de um fundo de pelo menos US$ 100 bilhões dos países desenvolvidos, a ser destinado entre 2022-2023 para apoiar a transição e os investimentos necessários nos países em desenvolvimento. Esse seria um ponto de partida, com a expectativa que se torne uma cifra anual direcionada para esse propósito.

Além dos US$ 100 bilhões anuais para os países em desenvolvimento, inúmeros compromissos financeiros multilaterais ou focados em desafios específicos também estão em andamento. Por exemplo, no segundo dia da conferência, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson anunciou o compromisso assinado por 110 nações para acabar com o desmatamento e restaurar as florestas do planeta até 2030, que contará com US$ 19 bilhões de financiamento público e privado para implementação de “ações transformativas”, incluindo US$ 2 bilhões anunciados pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos.

Nesta quarta (3), o dia será focado no financiamento climático. Instituições, que juntas somam mais de US$ 120 trilhões de ativos sob gestão, devem fazer compromissos importantes de descarbonização de seus portfólios, evidenciando o papel cada vez mais protagonista do mercado financeiro.

3. Criação de um mercado regulado internacional de carbono

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Uma das maiores expectativas gira em torno da regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que possibilitaria a negociação de compra e venda de créditos de carbono entre países.

O mercado regulado de carbono é um dos instrumentos mais promissores e escaláveis para a redução das emissões por meio do uso de mecanismos financeiros. Basicamente, países que geram créditos de carbono excedentes ao cumprimento das suas NDCs poderiam vendê-los para aqueles que não conseguiram reduzir a totalidade da sua meta de redução de emissões e precisam fazer as compensações para atingir as NDCs estabelecidas.

O Brasil foi um dos países que bloquearam a aprovação do artigo 6 na COP anterior por não concordar com um dos elementos do sistema de contabilidade proposto, que define que um país ao vender um crédito de carbono para outro que vai utilizá-lo para sua meta de redução de emissão, teria que aumentar sua própria NDC, a fim de que ficasse um jogo de soma zero.

Especialistas brasileiros esperam que o governo brasileiro vá para as negociações com mais flexibilidade, uma vez que, segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o Brasil pode gerar até US$ 72 bilhões de receita com o mercado de carbono até 2030 e ter cerca de 50% desse mercado até 2030, sendo o maior player global pela sua capacidade de geração de créditos de carbono por meio de soluções baseadas na natureza.

4. Metano: uma vitória possível no curto prazo?

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O único caminho para conter o aquecimento global é reduzir as emissões de gases de efeito estufa a zero até 2050. Muito se fala na descarbonização da economia e nas metas de governos e empresas relacionadas às emissões de CO2. Contudo, o último relatório do IPCC colocou em evidência o papel do metano.

O estudo mostra que a quantidade de metano na atmosfera disparou nos últimos anos por conta de vazamentos de gás natural, práticas agropecuárias e pela geração em aterros sanitários. O problema é que o metano tem um poder de aquecimento 80 vezes maior que o CO2 no curto prazo. Por outro lado, ele permanece na atmosfera por cerca de uma década – um período infinitamente menor que o CO2.

Por isso, cortar as emissões do gás metano pode ajudar a garantir a viabilidade do teto de 1,5°C. Esse é o plano de uma aliança formada entre Estados Unidos e União Europeia, por considerá-la a “estratégia mais rápida que temos”, nas palavras de John Kerry, enviado especial do clima do governo americano.

No segundo dia da cúpula de líderes mundiais da COP 26, Joe Biden anunciou o compromisso de mais de 100 países, incluindo o Brasil, de reduzir as emissões de metano em 30% até 2030, em relação aos níveis de 2020.

China, Índia e Rússia – os outros grandes emissores além de Brasil e Estados Unidos – não assinaram o compromisso. Além do desafio de trazê-los para o jogo, Biden já enfrenta inúmeras resistências em casa, que precisarão ser dribladas para viabilizar a implementação do acordo. Sem contar que há um desafio tecnológico a ser superado, uma vez que o cumprimento das metas passa pelo desenvolvimento e implementação de tecnologias acessíveis para controle e monitoramento de vazamentos e de captação dos gases soltos pelos animais durante a digestão e pela decomposição da matéria orgânica dos aterros.

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E o Brasil?

A despeito da adesão aos compromissos políticos de redução de 30% das emissões de metano e de desmatamento zero até 2030, o Brasil chega numa posição de pouca credibilidade, marcada pela ausência do presidente Jair Bolsonaro e pela falta de ambição nas contribuições nacionais ao dar uma “pedalada” no cálculo das metas de redução de emissões, de modo a manter o mesmo valor absoluto estabelecido há seis anos atrás no Acordo de Paris.

O que esperar em termos de resultados? E quais as possíveis implicações para o mercado financeiro?

Mais do que metas, como não há tempo a se perder, espera-se das nações planos concretos de como e em que prazo serão alcançadas, além de transparência no reporte das emissões – o que ainda não se observou nos primeiros dois dias, que foram marcados por compromissos que carecem de planos de ação.

Um sopro de esperança é a mobilização inédita do setor privado com compromissos pautados por planos concretos. Além dos compromissos “net-zero”, há uma série de outras iniciativas, como o anúncio feito por gestoras de ativos que somam cerca de US$ 9 trilhões sob gestão – entre elas a brasileira JGP – de eliminar o desmatamento derivado das cadeias de commodities de ser portfólios até 2025.

Antecipando as implicações para o mercado financeiro, além dos compromissos cada vez mais ambiciosos das empresas que devem alterar premissas em seus modelos de análise, certamente virão pressões por descarbonização dos portfólios de investimento e de empréstimos cada vez mais fortes, bem como exigências de disclosure sobre risco climático das carteiras. Nesta quarta-feira, dia 03 de novembro, espera-se compromissos de descarbonização de investidores que somam mais de US$ 120 trilhões sob gestão.

Em termos de oportunidades, fica cada vez mais evidente o papel da inovação e das soluções tecnológicas para viabilizar a entrega das reduções de emissões. Não é à toa que, meses atrás, Elon Musk lançou um desafio por meio do qual doará US$ 100 milhões para a equipe que desenvolver a mais promissora solução de captura de carbono no ar e que Larry Fink, da BlackRock, na última semana disse que os próximos mil unicórnios serão empresas que estão resolvendo os desafios do clima com base em tecnologia.

Ao final da COP 26, volto para fazer um balanço final.

Marina Cançado Sócia da XP Inc. e head de Sustainable Wealth da XP Private. É uma das principais vozes no Brasil na agenda ESG. Foi membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República entre 2016 e 2018. Também foi reconhecida em diversas listas, como Forbes Under 30 e 100 Inovadores pelo Clima. É formada em administração de empresas pela FGV-Eaesp e possui uma série de especializações, inclusive em estudos do futuro

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