Receita da tragédia do Paissandu: imóvel público, tombado e invadido

O centro de São Paulo virou um ambiente hostil para os proprietários de imóveis comerciais e residenciais, por ausência de segurança pública e de limpeza pública, mas também por excesso de intervenção do Estado.

Alexandre Pacheco

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Há lições importantes para se tirar do caso do desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, pois a receita da sua tragédia está sendo executada há anos pelo Poder Público, o que indica a existência de riscos de que evento similar volte a ocorrer no futuro se algo não for feito a respeito.

Vamos, em primeiro lugar, ao contexto da região central de São Paulo, com especial destaque para aquele Triângulo da Destruição, formado pela Praça da República, Cracolândia e Mercadão Municipal.

Sempre que se procura uma razão para a deterioração do espaço público no centro de São Paulo acha-se um culpado evidente: o Estado. Não apenas pelas razões mais evidentes, como a ausência segurança pública e de limpeza pública na região, mas também por causas mais difíceis de serem vistas, porque ninguém quer ver e porque as pessoas que deveriam cuidar desses problemas, os políticos com mandato, não têm coragem nem de falar a respeito – muito menos de fazer algo que funcione.

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Quem já foi proprietário ou usou imóvel na região sabe que os calçadões das regiões da Praça da República, da Praça Patriarca e da Praça da Sé deixaram o centro de São Paulo intransitável. Além dos calçadões, as ciclovias também reduziram muito o espaço para a circulação de veículos – em um terço ou até metade das ruas. Calçadões e ciclovias também acabaram com as vagas públicas para se estacionar veículos naquela região.

Resultado: o acesso aos imóveis ficou muito limitado para veículos em uma área imensa, o que afugenta proprietários e locatários. Mas criticar calçadão ou ciclovias pega mal, pois o mais bonito é atacar a circulação de carros. Não nasceu o Prefeito capaz de mexer nesses vespeiros, que foram criados demagogicamente pela própria Prefeitura, aliás.

Há, ainda, imóveis que, pela sua utilização, degradam naturalmente a vizinhança. Estações de trem (Julio Prestes, Luz) e as suas linhas (como as da região da Cracolândia), Mercados públicos (como o Mercadão Municipal), Terminais de Ônibus (como o Princesa Isabel, na Cracolândia, e o da Praça da Bandeira), Pontes e Viadutos (a começar pelo Minhocão) também acabam com a região.

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Ainda temos os imóveis  abandonados pelo Poder Público, que arrasam dezenas de quarteirões. Na Cracolândia, há o antigo Terminal Rodoviário da Luz, abandonado há mais de 10 anos, mas degradado desde a década de 60, quando foi construído. Esse prédio abandonado, somado às linhas de trem da Estação Júlio Prestes e da Estação da Luz, formaram o confortável berço que deu origem à Cracolândia, e dificultam em muito a recuperação do local.

Além disso, um problema grave do centro de São Paulo diz respeito ao tombamento de imóveis. Tombar um imóvel significa limitar o seu uso, o que, portanto, reduz o seu valor comercial, quando não o destrói completamente. Nos tombamentos de imóveis particulares, o Estado obriga o cidadão a custear com o seu próprio bolso a manutenção de um imóvel cujas possibilidades de exploração são limitadas, e que por isso ninguém quer usar, muito menos comprar.

Resumindo: o centro de São Paulo virou um ambiente hostil para os proprietários de imóveis comerciais e residenciais, por ausência de segurança pública e de limpeza pública, mas também por excesso de intervenção do Estado.

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Nesse cenário é que se encontrava o Edifício Wilton Paes de Almeida. Como se não bastasse esse caldeirão de problemas no qual ele foi cozinhado durante décadas, tratava-se de prédio invadido, e, portanto, ocupado em condições suicidas, como habitualmente ocorre em invasões. Riscos de incêndio e de explosões em locais assim, além da criação de espaços livres para a criminalidade (tráfico de drogas, violências contra as pessoas e contra o patrimônio), e até mesmo para o crime organizado, é o ambiente dessas ocupações, como estamos vendo no noticiário.

A União Federal tentou vender esse imóvel no ano de 2015, sem sucesso. E a receita da tragédia já estava escrita no edital de venda do imóvel – veja aqui.

Lá consta a informação de que se tratava de “imóvel ocupado por terceiros”, ou, mais precisamente, “Ocupado irregularmente”. E também a de que era imóvel tombado, ou seja, era um “bem de interesse histórico, arquitetônico e paisagístico, com determinação de preservação de suas características externas”. E sobre o qual ainda havia pendências de “regularização do registro”.

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Sabe-se que os invasores jogavam lixo no poço do elevador há anos. Imaginem, ainda, o estado da fiação elétrica e do encanamento. E o pior: mesmo no estado de degradação em que se encontrava, não era possível nem mesmo demolir o imóvel para se aproveitar o terreno com outra construção viável, porque se tratava de prédio tombado…

Então, o leilão não passou de um jogo de cena. Quem é louco no Brasil de comprar um imóvel público invadido? O mínimo que o Governo Federal, então dono do imóvel, deveria ter feito, se queria de fato vender o imóvel, era desocupar o prédio antes do leilão, garantir a sua segurança e regularizar o registro do imóvel. Mais corajosamente, deveria ter reconhecido a inviabilidade da preservação do imóvel como bem tombado, para revogar o decreto de tombamento e providenciar a demolição daquela bomba de efeito retardado.

Receita da tragédia: imóvel público tombado e invadido, no centro de São Paulo. Há outros imóveis nessa condição no centro de São Paulo. Estão todos expostos aos mesmos riscos.

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Fato: não temos no Brasil homens públicos com caráter, coragem e firmeza de propósitos suficientes para enfrentar problemas desse nível, que envolvem inimigos, interesses e problemas de toda natureza. O que nos coloca em compasso de espera para a próxima tragédia, infelizmente.

 

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

 

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.