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Recebemos mais uma surpreendente notícia vinda de Brasília, de onde raramente vêm notícias boas: os ministros do STF aumentaram os seus próprios salários em 16,38%, o que deverá provocar um aumento em cascata dos salários do funcionalismo público, com gastos adicionais da ordem de R$ 4 bilhões para o Governo Federal e para os Estados – veja aqui.
A medida ainda depende de aprovação do Congresso Nacional, mas o resultado é certo: alegria dos juízes, desespero do restante da sociedade. Afinal de contas, os congressistas teriam coragem o suficiente para contrariar o STF, ainda mais quando o que está em jogo é o dinheiro dos outros (o nosso dinheiro, no caso)?
O cenário econômico no Brasil é desesperador: 13 milhões de desempregados e 66 milhões de pessoas “fora da força de trabalho”, pessoas em idade de trabalhar que, segundo o IBGE, não estão ocupadas, nem desocupadas – supostamente porque não estariam procurando emprego, mas que certamente trabalhariam se os salários disponíveis no mercado fossem melhores. Ou seja, há 79 milhões de pessoas no Brasil sem trabalhar, 40% da população brasileira, equivalente à população da Alemanha…
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As contas públicas, por outro lado, vão de mal a pior. O endividamento do país é de 77% do PIB, e crescendo. Até junho, o setor público acumula R$ 14 milhões de déficit primário e R$ 217 bilhões de déficit nominal. Se o déficit nominal do setor público no ano todo for de 10% do PIB, teremos o cenário em que mais 32% do PIB são arrecadados pelo Governo com tributos, de forma que o setor público vai acabar tirando da sociedade 42% do PIB – o que é objetivamente um abuso.
Nesse cenário desastroso, como explicar a decisão do STF, de tirar mais sangue de uma sociedade que já está a caminho da UTI, sob o risco de colapso financeiro? Milton Friedman explicou, no seu excelente livro “Livre para Escolher”, como isso funciona. Diz ele que há quatro formas de gastar dinheiro:
1. Você gasta o seu dinheiro com você mesmo: nesse caso, você busca o melhor preço e a melhor qualidade;
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2. Você gasta o seu dinheiro com os outros: é o caso da filantropia e das doações de qualquer natureza, onde você também busca economizar o que gasta, mas sem a mesma preocupação com a qualidade do gasto;
3. Alguém gasta o dinheiro dos outros com ele mesmo: é o caso do STF, que decidiu ontem gastar o nosso dinheiro com seus próprios salários; neste caso, o STF não economiza, e ainda tenta alocar a maior parte do resultado das suas ações para ele mesmo, eventualmente buscando afastar a cobrança do imposto de renda, por exemplo, ao chamar o salário aumentado de “auxílio-moradia”;
4. Alguém gasta o dinheiro dos outros com outras pessoas: é o caso do Congresso Nacional, que vai decidir se permitirá que o STF gaste o nosso dinheiro com ele mesmo – e, com isso, “almoçará junto” com o STF, ganhando poder e influência com os ministros que, não podemos esquecer, julgam processos judiciais de interesse dos congressistas; nesse caso, o Congresso não está nem aí para o gasto, aprovando o valor que estiver em discussão e não dando a mínima importância para o quê os juízes farão com o dinheiro alheio, nem mesmo se esse valor será tributado, como acontece com toda a ralé (nós, no caso).
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Como o Estado não tem dinheiro próprio, pois todo o dinheiro que ele usa pertence à Sociedade, as formas dele gastar dinheiro serão sempre a 3 ou a 4. Por isso, o Estado é um desperdiçador por natureza, uma máquina de incinerar dinheiro, devendo sempre ser o menor possível – e, ainda assim, controlado rigidamente pela sociedade.
Ao lado dessas obviedades, os brasileiros levam a Constituição Federal muito a sério. Nela está escrito que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Esse dispositivo da Constituição vem sendo entendido literalmente, como se ele autorizasse cada um dos Poderes a aumentar os seus próprios salários e benefícios, o que é absurdo que somente nós, brasileiros, somos capazes de tolerar.
Se você entendeu o que Milton Friedman quis dizer, percebeu que interpretar a Constituição desse modo é uma imprudência, pois em nenhuma hipótese convém dar a chave do galinheiro para as raposas, uma vez que os “vulpídeos” vão acabar se alimentando até do último “galináceo”. Deixa eu explicar a piada: nesse exemplo, uma das galinhas é você.
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Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.
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