O governo quer decidir o que você vê pela internet

A ideia da "neutralidade da rede" é falsa e perversa, porque transfere para o Estado o poder de disciplinar algo que deve ser regulado pelas preferências do consumidor. Se uma operadora de telecomunicações não me dá acesso ao Youtube ou me vende caro esse acesso, eu procuro outra, e fim. Substituir a "neutralidade do mercado" pela "neutralidade do governo" é uma péssima decisão, porque coloca nas mãos dos governantes e das empresas amigas deles a definição sobre quanto pagamos e sobre qual informação acessamos. Com livre concorrência entre as empresas, quem decide o preço e o conteúdo é o cliente.

Alexandre Pacheco

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Ontem, nos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comunicações, que é um órgão regulador, cancelou as regras por ela criadas em 2015, no Governo Obama, que impediam que as operadoras de telecomunicações cobrassem preços diferenciados em função do conteúdo das informações que seus clientes acessavam pela internet. Essa é a chamada “política de neutralidade da rede”.

Com essa nova decisão, as operadoras de telecomunicações poderão cobrar pacotes similares aos praticados pelas TV´s a cabo. Poderão, por exemplo, cobrar preços diferenciados para incluir acesso a determinados distribuidores de conteúdo (Google, Facebook, Netflix, Twitter, Instagram, Youtube), e, ainda, poderão vender pacotes de dados que priorizem jogos ou determinados conteúdos.

A regulamentação americana de 2015 partia do pressuposto de que as operadoras poderiam controlar as informações que os clientes acessassem, decidindo qual tipo de conteúdo seria visto, usando, inclusive, preços diferenciados para incentivar ou desincentivar o acesso a determinadas informações.

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Trata-se de um falso problema, porque os distribuidores de conteúdo podem regular esse fluxo de informações, como de fato já o fazem intensamente. No mundo todo essas empresas definem que tipo de informações acessamos, e com qual frequência. Logo, a política de “neutralidade da rede” é falsa no discurso, além de perversa na prática – ela transferiu com exclusividade o poder de decisão sobre o fluxo de informações para as distribuidoras de conteúdo, tirando esse poder das operadoras de telecomunicações.

Nos Estados Unidos isso é crítico, porque os distribuidores de conteúdo são fortemente ligados ao Partido Democrata (Obama, Hillary Clinton e companhia), o que explica, por exemplo, o imenso tráfego negativo de notícias contra o Partido Republicano pela internet, em especial contra o Presidente Trump. Em outros países, as vítimas, igualmente, são os políticos liberais e conservadores, e os beneficiados são os políticos “sociais democratas” – por uma razão muito simples: os sociais democratas acreditam em regulação do mercado e das preferência do consumidor; os grandes distribuidores de conteúdo precisam da regulação para tirar das operadoras de telecomunicações o poder de negociar o fluxo das informações, mantendo, assim, reserva de mercado.

A ideia da “neutralidade da rede” é falsa e perversa, porque transfere para o Estado o poder de disciplinar algo que deve ser regulado pelas preferências do consumidor. Se uma operadora de telecomunicações não me dá acesso ao Youtube ou me vende caro esse acesso, eu procuro outra, e fim. Substituir a “neutralidade do mercado” pela “neutralidade do governo” é uma péssima decisão, porque coloca nas mãos dos governantes e das empresas amigas deles a definição sobre quanto pagamos e sobre qual informação acessamos. Com livre concorrência entre as empresas, quem decide o preço e o conteúdo é o cliente.

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No Brasil, o cenário da neutralidade da rede é bem pior do que nos Estados Unidos. Aqui há uma lei tratando do tema, e não meramente uma agência reguladora. Trata-se do habitual impulso que nós temos de pegar uma ideia ruim (de controlar o mercado usando o governo), mas que tem um nome bonito, e piorá-la ainda mais, limitando as liberdades empresariais e a liberdade de escolha do consumidor.

Na Lei nº 12.965/2014, que é a chamada Lei do Marco Civil da Internet, está disposto que o Presidente da República pode, por decreto (sem passar pelo Congresso Nacional), regulamentar a “discriminação” ou a “degradação do tráfego” da internet, ouvidos o “Comitê Gestor da Internet” e a “Agência Nacional de Telecomunicações”, para tratar de “requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações” e “priorização de serviços de emergência”.

Resumindo: o Presidente se junta com outros burocratas de Brasília, todos eles amigos dos distribuidores de conteúdo, e essa patota do bem decide por meio de decreto qual o conteúdo, além da prioridade, da velocidade e da frequência das informações que nós podemos ver na internet.

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Entenderam qual é o jogo da “neutralidade da rede”?

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.