Imposto de Renda: por que isentar 18,7 milhões de pessoas é uma péssima ideia do PT

No contexto de hoje, a tributação dos dividendos faz aflorar aquele Robin Hood que todos os políticos são especialistas em despertar nas pessoas, e que se resume, em termos retóricos, na estratégia de usar o Estado para "roubar dos ricos e dar aos pobres". Mas, no final das contas, essa ideia será uma mistura de Robin Hood na tributação, ao roubar dos ricos, mas acabará na oposta ideia, do xerife de Nottingham, de distribuir a maior parte da nova arrecadação para outros ricos ligados ao Estado (autoridades públicas, funcionalismo e empresários amigos do Governo).

Alexandre Pacheco

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Entrevistado pelo InfoMoney, o Coordenador do plano de governo de Lula, o ex-Prefeito Fernando Haddad, tratou da proposta do PT de dar isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 salários mínimos, compensando essa perda de arrecadação com a tributação de lucros e dividendos – veja aqui.

Haddad ponderou que “é pouco o que se arrecada de imposto de renda” até a faixa de 5 salários mínimos. A série histórica de dados intitulada “Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas” do ano de 2016, que foi a última publicada pela Receita Federal, dá razão ao ex-prefeito, ao menos em termos proporcionais – veja aqui.

Desse relatório, podermos tirar que 18,7 milhões de pessoas com renda até 5 salários mínimos recolhem R$ 5,2 bilhões, enquanto o restante dos pagadores do imposto, com renda superior a essa faixa, representada por 9,3 milhões de pessoas, recolhem R$ 148,7 bilhões. Logo, a proposta do PT aprofundaria a isenção que é dada hoje para a maioria da população que tem alguma renda, considerando que dois terços dessas pessoas recolhem apenas 3% de todo o imposto de renda, enquanto o outro um terço paga 97%.

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No ano de 2016, havia 205 milhões de pessoas no Brasil – veja aqui. Então, se somente 28 milhões de pessoas pagaram imposto de renda naquele ano, o restante de 177 milhões de pessoas não atingiu as faixas de tributação ou simplesmente não tinha qualquer renda, a exemplo dos desempregados e dos menores de 14 anos. A proposta do PT, portanto, excluiria, dos atuais 28 milhões de pagantes, as 18,7 milhões de pessoas com renda até 5 salários mínimos.

Dessa forma, todo o peso do imposto de renda do Brasil passaria a recair sobre somente 9,3 milhões de pessoas, que representam 7,5% da população de 124 milhões de pessoas com renda no Brasil e somente 4,5% da população total de 205 milhões de pessoas. Ou seja, sairíamos de 13,6% de pagantes para apenas 4,5%.

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Por outro lado, a ideia exposta por Haddad, de exonerar 18,7 milhões de pessoas com renda até 5 salários mínimos, geraria, então, a redução da arrecadação de R$ 5,2 bilhões de imposto de renda. Se considerarmos os exercícios numéricos que o IPEA fez em 2016 com dados do ano de 2013, estimando os efeitos da criação da tributação dos lucros e dividendos, essa perda de arrecadação poderia, em tese, ser compensada com folga com a tributação dos lucros e dividendos – esse instituto calculou em R$ 43 bilhões a R$ 72 bilhões a nova arrecadação – veja aqui.

Então, vamos aos problemas dessa proposta, admitindo que essas proporções todas sejam similares até hoje:

– a proposta radicaliza a ideia de tributar mais quem ganha mais e de tributar menos quem ganha menos, que nada mais é do que a velha ideia do “forte imposto progressivo” que Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto do Partido Comunista, defendiam para os países “desenvolvidos”, e que Thomas Piketty, modernamente, vem defendendo, a exemplo do que sustenta no seu “O Capital no Século XXI”, onde usa a simpática ideia de usar “taxas confiscatórias no topo da hierarquia das rendas”, que poderiam alcançar o “nível ótimo” de 80% para os “países desenvolvidos”; hoje, no Brasil, a alíquota máxima de Imposto de Renda da Pessoa Física é de 27,5%, imaginem vocês;

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– a progressividade dos impostos, no entanto, é um poderoso método de distribuição de pobreza para os ricos, mas não dá garantia nenhuma de que os pobres se beneficiam dela, pura e simplesmente porque o Estado é, por natureza, um péssimo gastador – quando muito, devolve migalhas para a sociedade em relação ao que arrecada;

– no curto prazo, tributar pesadamente os mais ricos empobrece os mais ricos; mas, no médio e longo prazo, empobrece também os mais pobres, porque tira dinheiro de quem sabe fazer melhor uso dele (os mais ricos), que devolvem utilidades para a sociedade na forma de investimentos, de empregos e de bens, mercadorias e serviços pelos quais as pessoas, ricas e pobres, estão dispostas a pagar, porque são úteis; logo, a tributação dos mais ricos também reduz o bem estar geral da sociedade, coisa que os políticos em geral no Brasil publicamente ignoram ou negam;

– faz parte do ideário do PT trabalhar com a ideia marxista de conflito entre pobres e ricos, empresários e trabalhadores, proprietários rurais e sem terra, pressupondo que vivemos numa sociedade “baseada na exploração e na desigualdade entre as classes”, onde “os explorados e oprimidos têm permanente necessidade de se manter organizados à parte, para que lhes seja possível oferecer resistência séria à desenfreada sede de opressão e de privilégios das classes dominantes” – essas são palavras que consta da Carta de Princípios do partido – veja aqui; não é preciso dizer muito que medidas que colocam claramente pobres contra ricos envenenam as ideias da sociedade, não é mesmo?;

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– o Imposto de Renda, assim como o IPTU, é importante justamente para que as pessoas tomem consciência de que pagam tributos, o que não acontece com os tributos sobre o consumo, que estão escondidos no preço de venda dos produtos; são impostos, portanto, que naturalmente induzem os contribuintes a acompanharem o modo como o Governo gasta o dinheiro arrecadado; ora, a quantidade de contribuintes do imposto de renda no Brasil, como visto, já é muito pequena (28 milhões de pessoas, 13,6% da população total, 22,6% da população com renda), não sendo prudente alienar da democracia mais 18,7 milhões de pessoas;

– exonerar os mais pobres é amplamente criticável, porque são justamente eles que, no Estado Social, dão causa aos mais pesados gastos públicos, com saúde e educação gratuitas, previdência social subsidiada e outros benefícios sociais; além disso, os mais ricos recebem pouquíssimos “benefícios” do Estado pelo prazer de morarem num país problemático como o Brasil;

– a ideia de concentrar o peso dos impostos em tão poucas pessoas (9,3 milhões de pessoas, 4,5% da população total, 7,7% da população com renda), deixando a sensação de “passe livre” para mais de 95% da população, é explosiva, e só vai aumentar a percepção já existente de que o peso financeiro do país está hoje colocado nas costas de muito pouca gente;

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– a recriação da tributação dos lucros e dividendos despreza o fato de que tributação dos lucros empresariais no Brasil já é muito alta, e, de forma imprudente, também faz pouco caso do fato de que os contribuintes vão reagir, como sempre reagem, à nova tributação; vai causar fuga de capitais, redução de investimentos, barreiras de entrada de capital estrangeiro, redução da poupança nacional, caos no mercado de capitais e, portanto, desemprego e até mesmo redução da arrecadação de tributos no médio e longo prazo, como já dissemos aqui, aqui e aqui;

No contexto de hoje, a tributação dos dividendos faz aflorar aquele Robin Hood que todos os políticos são especialistas em despertar nas pessoas, e que se resume, em termos retóricos, na estratégia de usar o Estado para “roubar dos ricos e dar aos pobres”. Mas, no final das contas, essa ideia será uma mistura de Robin Hood na tributação, ao roubar dos ricos, mas acabará na oposta ideia, do xerife de Nottingham, de distribuir a maior parte da nova arrecadação para outros ricos ligados ao Estado (autoridades públicas, funcionalismo e empresários amigos do Governo).

No médio e longo prazo, os “especialistas em distribuição de pobreza” vencerão, se conseguirem transformar em lei ideias furadas como essa. A Sociedade como um todo vai perder, com a destruição da poupança nacional e mais desemprego. E os que hoje são ricos, se ficarem no Brasil para pagar esse novo preço, ficarão mais pobres – o que inegavelmente reduzirá a desigualdade social, pois colocará todo mundo em um buraco mais profundo.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.