Guararapes: a sociedade contra as viúvas de Getúlio Vargas

No século XXI, o Ministério Público do Trabalho acredita que sua interferência nas relações de trabalho possa ser saudável, como se leis feitas em Brasília e burocratas trabalhando de paletó e gravata debaixo do ar condicionado fossem capazes de ajudar os trabalhadores e de bem organizar o mercado de trabalho. A burocracia é ônus para a Sociedade (em sua maior parte, desperdício), e não "fator de produção" ou administradora eficaz. Somente o livre mercado é capaz de produzir e distribuir riquezas de modo eficiente.

Alexandre Pacheco

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Estamos acompanhando pelo noticiário que o Ministério Público do Trabalho autuou o Grupo Guararapes em montante absurdo, de R$ 37 milhões, além de ter estipulado a obrigação dessa empresa registrar os empregados das empresas que lhe prestam serviços (facções) – veja aqui.

E isso tudo mesmo após a Reforma Trabalhista, que já virou lei, vir a admitir expressamente a terceirização – veja aqui.

A originalidade desse acontecimento vem do fato de que os trabalhadores do Rio Grande do Norte mobilizaram-se contra a atuação do Ministério Público do Trabalho, que, em tese, estaria agindo para proteger os interesses deles, na defesa de direitos trabalhistas – veja aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

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A revolta da Guararapes tem contexto econômico e jurídico. E aqui cabe uma pequena digressão.

Diariamente vemos no noticiário intelectuais discursando contra a pobreza, o desemprego e a desigualdade no Brasil, mas quase nunca vemos alguém falando sobre uma das suas principais causas: a legislação trabalhista e seus acessórios.

Para cada R$ 1,00 de salário pago mensalmente ao empregado, o empregador tem de arcar com aproximadamente mais R$ 0,70. Desses encargos, aproximadamente metade representa tributos e a outra metade retorna mais tarde para o empregado na forma de direitos trabalhistas (FGTS, Férias, 1/3 de Férias, 13º Salário, etc).

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Se nessa conta forem colocados outros direitos trabalhistas que são obrigatoriamente pagos por força de acordos e convenções coletivas e os benefícios trabalhistas que são pagos por liberalidade do empregador, alcançaremos tranquilamente o número sempre ouvido, de R$ 1,00 para R$ 1,00, de forma que, para cada R$ 1,00 de salário mensal, o custo do empregado para o empregador será de mais R$ 1,00.

Portanto, se o empregado custasse apenas o salário nominal, o empregador teria disponibilidade para contratar outros trabalhadores, investir mais em seu negócio ou até mesmo entregar mais dinheiro para os seus empregados mensalmente.

O fato é que os encargos trabalhistas criam “excedentes” de mão-de-obra, uma vez que expulsam do mercado os trabalhadores dispostos a abrir mão dos direitos trabalhistas, assim como inibem contratações da parte de empregadores que somente podem pagar menos. Logo, os encargos trabalhistas causam desemprego – e dessa lógica não fogem, também, os direitos trabalhistas, que são bons apenas para os trabalhadores que têm carteira assinada, uma vez que barram a contratação dos trabalhadores mais pobres e de menor qualificação profissional, que são justamente os mais vulneráveis. 

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O racional da terceirização é justamente o de reduzir esses encargos trabalhistas, pois as empresas menores recolhem tributos previdenciários em menor montante (em regra, aderem ao Simples Nacional), além de estarem sujeitas a convenções e acordos coletivos que lhes impõem direitos trabalhistas menos onerosos. No final das contas, a terceirização atende melhor aos trabalhadores que estão dispostos a ganhar menos, reduzindo o desemprego onde ele é mais cruel – dentre os mais pobres e vulneráveis. É esse o porquê da existência das facções da Guararapes, e o que explica a justa revolta dos trabalhadores e empresários ameaçados pelos atos do Ministério Público do Trabalho.

A Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, em regra, não aceitam esse racional. Acreditam que a terceirização seja fruto meramente da ganância dos grandes empresários – e daí ser acertado dizer que nossas autoridades trabalhistas estão presas a um modelo mental marxista (que a bem verdade é tirado em parte da Constituição Federal e da legislação do trabalho brasileiras), pressupondo conflito entre capital e trabalho onde há apenas Economia.

É praticamente um milagre existir indústria têxtil no Brasil, em vista da pesada competição com a China e com outros países asiáticos, que não se impressionam mais tanto com o marxismo, quanto no Brasil. Agora, estamos competindo também com o Paraguai, que oferece energia e encargos trabalhistas e tributários mais baixos, para a nossa suprema vergonha. Se nem ao menos for possível utilizarmos a terceirização como mecanismo para que o empresário possa alocar melhor seus custos, veremos a contínua destruição do empreendedorismo no Brasil.

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No século XXI, o Ministério Público do Trabalho acredita que sua interferência nas relações de trabalho possa ser saudável, como se leis feitas em Brasília e burocratas trabalhando de paletó e gravata debaixo do ar condicionado fossem capazes de ajudar os trabalhadores e de bem organizar o mercado de trabalho. A burocracia é ônus para a Sociedade (em sua maior parte, desperdício), e não “fator de produção” ou administradora eficaz. Somente o livre mercado é capaz de produzir e distribuir riquezas de modo eficiente.

A batalha da Guararapes é um dos eventos mais importantes da nossa história contemporânea. Representa a luta não apenas entre Flávio Rocha e o Ministério Público do Trabalho – é a luta de um país, que quer produzir, contra as viúvas do varguismo, que insistem nas suas ideias atrasadas. O Brasil está cansado da herança velha, desgastada e ineficiente do modelo trabalhista implantado por Getúlio Vargas, que, ao contrário de proteger os trabalhadores, cria desemprego e freia o empreendedorismo.

Aqueles que acreditam no livre mercado têm alguma esperança de que esse movimento da Guararapes cresça – é a nossa Revolta de Atlas tupiniquim, que veio tarde, e que eventualmente não tenha fôlego para exorcizar o varguismo do Brasil. Mas, inegavelmente, é um movimento importante, simbólico e inspirador.

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Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.