Dívida pública: como curar o vício no dinheiro dos outros

Criar um novo tributo ou aumentar o seu encargo para pagar déficits fiscais passados significa onerar as gerações presentes e futuras com gastos que não são delas. E sem a garantia de que os déficits serão reduzidos, porque um governo mal acostumado continuará empurrando para as gerações futuras os gastos de hoje, até que um dia, finalmente, a Sociedade dê um "basta".

Alexandre Pacheco

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O Banco Central divulgou os resultados fiscais do primeiro semestre de 2018 – veja aqui

Em termos de “resultados primários”, o Governo Temer apresentou R$ 14 bilhões de déficit neste semestre. No mesmo período de 2017, o déficit foi de R$ 35 bilhões, e, no primeiro semestre de 2016, houve déficit de R$ 23 bilhões. A redução do déficit primário é uma boa notícia para a sociedade, sem dúvida.

Os déficits do INSS, no entanto, continuam em trajetória de ascensão: R$ 90 bilhões neste primeiro semestre de 2018, R$ 82 bilhões no primeiro semestre de 2017 e R$ 60 bilhões no primeiro semestre de 2016. Somente será possível controlar esse resultado com uma reforma da Previdência Social, a ser feita pelo Congresso Nacional nas próximas legislaturas.

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No que diz respeito ao resultado nominal de todo o setor público (Governo Federal, Estados e Municípios), número que também leva em conta os gastos com os juros da Dívida Pública, os déficits foram de 217 bilhões em 2018, 241 bilhões em 2017 e 197 bilhões em 2016. Uma redução de 10% em relação ao ano passado, o que também é bom para a sociedade.

O estoque da Dívida Pública, por outro lado, aumentou para 77,2% do PIB – era 74% do PIB em 2017 e 70% do PIB em 2016. Isso preocupa, porque aumenta as incertezas dos credores quanto à capacidade de pagamento da dívida pública, o que pode, inclusive, resultar no aumento dos juros prometidos aos investidores – e, portanto, agravar os déficits fiscais.

É assustador olhar esses números e perceber que, mesmo em um cenário ideal (irreal, no Brasil) em que o saldo das contas públicas fosse zero, em termos de resultado primário, ainda assim enfrentaríamos entre R$ 30 a 35 bilhões de despesas com juros da Dívida Pública por mês, aproximadamente R$ 400 bilhões por ano. Para que esse sonho virasse realidade, todo o setor público haveria de ser custeado integralmente com os tributos correntes (aqueles que são arrecadados hoje). Um cenário difícil de ser alcançado, muito distante da nossa atual realidade.

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Não é por outra razão que economistas sérios defendem que o equilíbrio das contas públicas, hoje deficitárias, e o equacionamento da Dívida Pública, que monta R$ 5 bilhões, somente poderiam ser alcançados com aumento de tributos. Mas há problemas nisso.

A dívida de hoje foi um gasto do passado. E esse dinheiro já está no bolso de alguém, havendo pouquíssimos indícios de que tenha virado investimento capaz de gerar proveito para a Sociedade no futuro. A maioria dos brasileiros concorda com isso, pode apostar nisso.

Agora vamos imaginar que você, leitor, tenha ingressado no mercado de trabalho hoje, e que o Governo queira aumentar tributos para reduzir a Dívida Pública. Nesse caso, você acabaria pagando uma dívida que foi contraída pelos governos passados em benefício de outras pessoas que não você. Além disso, você, nesse caso, provavelmente nem mesmo teria votado nos governantes que contraíram essas dívidas todas. Ou seja, você não seria beneficiário, nem responsável pela Dívida Pública que existe hoje, mas, mesmo assim, teria de pagá-la.

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Criar um novo tributo ou aumentar o seu encargo para pagar déficits fiscais passados significa onerar pessoas das gerações presentes e futuras com gastos que não são delas. E sem a garantia de que os déficits serão reduzidos, porque um governo mal acostumado continuará empurrando para as gerações futuras os gastos de hoje, até que um dia, finalmente, a Sociedade dê um “basta”.

É mais prudente pressionar o poder público a viver com menos dinheiro público. Pressioná-lo a pagar seus gastos com os tributos que arrecada hoje, até alcançar superávit suficiente para começar a amortizar a dívida já existente. Ao mesmo tempo, é necessário pressioná-lo para não aumentar o endividamento, cortando esse ciclo de deslealdade, de penalizar as gerações futuras.

Também é necessário reduzir os benefícios previdenciários que estão sendo pagos acima das contribuições feitas. Daí a necessidade de reforma previdenciária para redução de benefícios futuros e para aumento de tributos para quem já está aposentado, para que seja recuperado parte do que é pago irresponsavelmente acima das contribuições feitas. Quem deve pagar sua aposentadoria é quem tem o direito de recebê-la, e não os filhos, netos e bisnetos dos beneficiários. Empurrar a conta para os outros é desleal, desonesto e irresponsável.

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O Estado e a Sociedade têm que aprender a viver com o que produzem, sem roubar o futuro dos outros. Por isso, não faz sentido criar ou aumentar tributos indiscriminadamente, ainda mais em um cenário que a Sociedade já transfere para o Estado um terço de toda a riqueza produzida anualmente (32% do PIB). Faz muito mais sentido pressionarmos o próprio Estado e as gerações presentes a fazerem os seus sacrifícios agora. Acabarmos com esse ciclo de distribuir benefícios no presente na forma de dívidas que serão pagas por nossos filhos e netos no futuro. 

Não faz sentido acreditar que o melhor modo de lidar com o vício sobre o dinheiro dos outros seja continuar sustentando esse vício com mais dinheiro dos outros, aumentando tributos e a Dívida Pública. O Brasil precisa de cura, e não e de política de redução de danos, e quanto mais cedo isso for feito menos injusto será.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA e do Mackenzie e  Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.