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“Segundo os modernos planejadores, e os objetivos que eles perseguem, não basta traçar uma estrutura permanente, a mais racional possível, dentro da qual cada pessoa conduza suas várias atividades de acordo com seus planos individuais (…). O que nossos planejadores exigem é um controle centralizado de toda a atividade econômica de acordo com um plano único, que estabeleça a maneira pela qual os recursos da sociedade sejam ‘conscientemente dirigido’ a fim de servir a finalidades determinadas”. Hayek, o Caminho da Servidão
Esse trecho extraído da obra de Hayek, a respeito daqueles que acreditam no planejamento econômico dirigido pelo estado, pode parecer uma crítica sem destinatário em nossa economia digital e globalizada. No entanto, para aqueles que estão acompanhando as discussões a respeito da ampliação da Lei da Informática e da elaboração da “Estratégia Digital Brasileira”, o caminho da servidão apontado por Hayek está mais claro e desimpedido do que nunca.
A Lei da Informática, criada em 1991 no Governo Collor, tinha como objetivo desenvolver a indústria de informática nacional, principalmente na produção de equipamentos eletrônicos. Os benefícios se resumem principalmente à redução (ou até isenção) do IPI sobre determinados produtos de informática produzidos no país e que tenham sido aprovados pelas autoridades responsáveis.
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Dentre os critérios para enquadramento no incentivo podemos citar a produção nacional do produto no seu Processo Produtivo Básico (PPB) e a análise feita por “uma banca de servidores e engenheiros de faculdade” no que diz respeito a inúmeros fatores, como o potencial de inovação do produto[1]”. Este processo de aprovação pode demorar de 6 a 10 anos, período durante o qual o empresário passa por insegurança jurídica e tributária pois não sabe se recebeu ou não os benefícios da lei e, portanto, não sabe se pode ser autuado a qualquer momento pela Receita Federal[2] para o pagamento retroativo dos impostos.
Mas esse não é mais um artigo a respeito da ineficiência estatal ou mais um desabafo do tipo, “não vemos retorno nos serviços prestados pelo governo com nossos impostos”. Não, neste artigo viemos questionar o fato mais importante e que vem sendo muito esquecido ultimamente no debate público. Nossa proposta aqui é questionar se o estado deve mesmo ter o papel de coordenador ao qual ele se propõe.
É importante ressaltar que concordamos com os fins visados pela iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O Brasil precisa de mais competitividade no cenário mundial, caímos nos diversos rankings nos últimos anos, e além disso, como dito pelo secretário de Política de Informática, Maximiliano Martinhão, a digitalização tem grande correlação com o desenvolvimento econômico dos países. Não podíamos concordar mais com esses objetivos. Nossa crítica está nos meios escolhidos para atingir os objetivos almejados, pois acreditamos que eles nos levarão justamente ao destino oposto: perda de competitividade e estagnação no setor.
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“Todos os planos se revelam inúteis quando as expectativas com relação ao futuro não se realizam” Intervencionismo, uma Análise Econômica. Mises.
O principal argumento dos defensores da ampliação da Lei é baseado no fato de que ela foi criada em um contexto quando hardware era mais importante que software e, agora que a balança se inverteu, é preciso ajustar os estímulos para essa “nova economia digital”. Sendo assim, parte da proposta da Estratégia Digital Brasileira é incorporar mecanismos de apoio às startups, que atualmente não se beneficiam da isenção do IPI, pois, em sua maioria, desenvolvem softwares ou prestam serviços baseados em aplicativos, aos quais estão sujeitos aos impostos sobre serviços como o ISS.
Voltemos ao ano em que a lei foi sancionada por Fernando Collor, 1991. Era o aniversário de 10 anos da famosa negociação entre Microsoft e IBM que projetou a empresa de Bill Gates e seu sistema operacional – o DOS – como o padrão dos sistemas operacionais na era do PC. Porém, no ano de aprovação da Lei da Informática, a empresa ainda não era o gigante que conhecemos (embora já fosse bastante relevante e estivesse crescendo vertiginosamente).
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Para efeito de comparação, tomemos a receita consolidada da Microsoft e da Apple no ano de 1991. Nesse ano, o faturamento anual da Microsoft foi de U$S 1,8bi enquanto a Apple faturou U$S 6,3bi. Ou seja, ainda era possível dizer em 1991 que empresas de hardware tinham mais peso no mercado do que empresas de software. Então, para os reguladores que atuaram neste ano fazia bastante sentido isentar empresas de hardware nacionais do pagamento de determinados impostos, levando em conta os tradicionais argumentos dos intervencionistas para “desenvolver a indústria nacional”.
Porém, se tomarmos o mesmo indicador sete anos depois, a empresa fundada por Gates já era quase três vezes maior do que a empresa fundada por Jobs. Será que os técnicos do governo brasileiro, ao conceberem a lei, cometeram um erro de planejamento ou será que esse foi um erro do planejamento em si, isto é, na própria ação de planejar o desenvolvimento do mercado? Como sabemos da ciência econômica, a segunda hipótese que é válida.
Hoje, os especialistas do governo olham para o mercado de tecnologia (que já não é mais nem chamado de “informática”, mas sim de “digital”) e veem o crescimento da chamada “internet das coisas”, após anos de desenvolvimento do mercado mobile e do comércio eletrônico no Brasil. “Vamos incentivar o desenvolvimento de softwares, pois essa é a etapa de maior valor agregado na cadeia produtiva!”, afirmam esses técnicos. Porém, infelizmente se esquecem de aprender com a história brasileira e perdem a parte mais importante dessa mudança.
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É impossível saber de antemão qual será a etapa de maior valor agregado na cadeia da internet das coisas assim como é impossível para o regulador planejar o desenvolvimento de qualquer outro mercado. Além de se tratar de uma cadeia extremamente complexa, é um mercado ainda em formação no qual a falácia do planejamento poderá ser sentida em um espaço de tempo ainda menor do que foi o da Lei da Informática.
Para defender a posição da atualização e continuidade da lei, o MCTIC alega que as desonerações, que já acumulam R$28,7Bi desde 2011 (e quase R$100Bi desde sua criação), tem tido um impacto direto no desenvolvimento tecnológico brasileiro e na geração de empregos. Esse valor foi distribuído, segundo matéria publicada em 14/03 no jornal Valor Econômico, entre 668 empresas que estão habilitadas na lei da informática.
No entanto, faltam informações públicas consistentes e de fácil acesso como, por exemplo, quais são essas empresas, qual seu volume de faturamento, quais os produtos fabricados e se eles tiveram algum impacto na redução da dependência tecnológica brasileira, quais são os empregos gerados, qual o nível médio de qualificação dessa força de trabalho, e assim por diante, que permitam uma análise aprofundada do verdadeiro impacto dessas renúncias fiscais. Arrisco dizer que a tese de retorno positivo da Lei da Informática não sobreviveria a esse escrutínio.
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Na verdade, o grande “retorno” que estamos tendo é o envolvimento do país em umas das mais sérias disputas comerciais dos últimos anos. A Lei da Informática, em conjunto com outros programas de desonerações dos últimos anos como Inovar-Auto, foi condenada na OMC e, portanto, podem haver retaliações às exportações brasileiras em um futuro próximo. Não obstante o alto risco frente ao duvidoso retorno, o (ir)racional intervencionista do governo brasileiro tem sido o de continuar na defesa da lei nas câmaras internacionais e de estendê-la também aos produtos importados. Como sempre, a hipótese de menos influência estatal na economia é tido como último recurso mesmo por um governo cujo objetivo declarado é a “democracia da eficiência”.
Enquanto isso, sem a mão pesada do governo (ou apesar dela) vimos nos últimos 15 anos no Brasil o florescimento de um ecossistema bastante rico de startups, aceleradoras, investidores, etc..
É claro que estamos nos estágios iniciais do nosso desenvolvimento como ecossistema, principalmente se nos compararmos com grandes centros de inovação como Israel e Vale do Silício, mas já estamos conseguindo relevância no mundo. Por exemplo, São Paulo já é o maior ecossistema de startups da América Latina e um dos 15 maiores do mundo. Estamos testemunhando o primeiro IPO de uma “startup” brasileira na bolsa de Nova York, a Netshoes, dentre outros casos de sucesso que esperamos continuar a presenciar.
Negócios de tecnologia são negócios baseados em pessoas. Essa frase verdadeira é tão repetida no nosso meio que chega a ser um senso comum para quem trabalha no nosso segmento. Sendo assim, porque o setor não está liderando as discussões da reforma das leis trabalhistas que terão muito mais efeito no longo prazo e impacto direto no “bottom line” das companhias de tecnologia do que quaisquer isenções propostas por mais um pacote de benesses do governo?
Esse é só um exemplo, talvez o mais importante, mas somente um ponto que temos de abordar para, de fato, traçar uma “estratégia digital brasileira”. O desenvolvimento desse mercado no Brasil não passa por isenções fiscais ou investimentos a créditos subsidiados pelo Tesouro. O verdadeiro crescimento – e a maior ajuda que o governo pode prestar ao mercado digital – é “tirar o seu time de campo” e garantir as condições básicas (condições competitivas iguais a todos, mercado de capitais eficiente, baixas cargas tributárias, etc.) para que os empreendedores do setor possam fazer o seu trabalho de criar empresas duradouras que gerem empregos e melhorem as condições de vida de todos nós consumidores.
[1] O que alias, suscita outra crítica: não seriam os consumidores – e não técnicos do governo – que deveriam escolher se um produto é ou não inovador ao decidir comprar um determinado produto em detrimento de outro?
[2] Existe uma ressalva a ser feita pois desde 2014 (23 anos após o surgimento da lei), após aprovação de uma emenda, o empresário já está protegido com uma habilitação provisória liberada 30 dias depois do protocolo do pedido.