A Disrupção e os Seus Inimigos: Patentes e Direitos Autorais

As ideias mais defendidas pelos amantes da disrupção são, frequentemente, aclamadas pelos seus inimigos, que, desse modo, penetram no campo da inovação sob o disfarce de aliados.1 Parte desse conjunto de ideias envolve a defesa das leis de patentes e direitos autorais que, apresentadas como estímulos à inovação, geram, na verdade, desincentivos e acomodação. Tais privilégios e direitos de exclusividade surgem mascarados com o termo propriedade intelectual, mas não há qualquer fundamento moral para justificá-los.

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As ideias mais defendidas pelos amantes da disrupção são, frequentemente, aclamadas pelos seus inimigos, que, desse modo, penetram no campo da inovação sob o disfarce de aliados.1 Parte desse conjunto de ideias envolve a defesa das leis de patentes e direitos autorais que, apresentadas como estímulos à inovação, geram, na verdade, desincentivos e acomodação. Tais privilégios e direitos de exclusividade surgem mascarados com o termo propriedade intelectual, mas não há qualquer fundamento moral para justificá-los.

Direitos de propriedade surgem, segundo Hans-Hermann Hoppe, “como forma de prevenir conflitos gerados pela escassez de recursos”2. Não existem disputas sobre bens abundantes tais como o ar ou a água do mar. Assim como esses bens, ideias não são escassas, ou seja, seu uso não exclui o uso de um terceiro. Essa característica extingue a possibilidade de conflito e a necessidade de haver exclusividade. Enquanto a propriedade privada previne conflitos, a propriedade intelectual os gera, pois, nas palavras de Tom Palmer, esses direitos dependem de uma escassez “artificial e autocriada”. O autor ainda observa que:

Se a base do direito natural à propriedade é a propriedade sobre si mesmo, então reivindicações sobre a posse de ideias ou objetos ideais conflitam com esse direito de auto propriedade, pois tais reivindicações são nada menos do que reivindicações sobre o direito de controlar como um terceiro utiliza o próprio corpo.3

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Defensores da propriedade intelectual costumam ser seguidores da teoria Lockeana de que o direito à propriedade privada surge como “fruto do próprio trabalho” e de que apenas o trabalho cria propriedade. No entanto, assim como nota Stephan Kinsella, “o trabalho é um tipo de ação, e ações não são passíveis de serem apropriadas; pelo contrário, são a forma através da qual algumas formas tangíveis (por exemplo, corpos) agem no mundo”4. Palmer vai além, demonstrando ser a “ocupação, e não o trabalho, o ato pelo qual coisas externas se tornam propriedade”.

Sendo inexistente a base moral para se justificar a propriedade intelectual, a partir daqui, adotarei o termo monopólio intelectual para me referir a patentes e direitos autorais. O autor André Ramos expõe, em seu livro Lei de Propriedade Industrial Comentada (2016), que até mesmo defensores dessas leis concordam que essas não estabelecem direitos à propriedade, mas sim direitos ao monopólio. Esses defensores, por sua vez, recorrem ao argumento utilitarista de que tais direitos de exclusividade são fundamentais no incentivo à inovação.

Para analisar tal argumento é preciso responder: o que leva uma empresa a inovar? Empresas enfrentam um dilema no qual há fatores inibidores e motivadores. A inibição existe por conta dos custos irrecuperáveis trazidos pela inovação, ou seja, os recursos e competências que perderão valor após a mudança. Esse fator leva os agentes a aproveitarem ao máximo as tecnologias vigentes. Por outro lado, a motivação está atrelada ao risco de novas firmas ou entrantes aparecerem com melhores propostas. Em outras palavras, é a competição que estimula a inovação.

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Patentes e direitos autorais surgem como barreiras a novos entrantes, reduzindo a probabilidade de um terceiro investir em inovação. A garantia de monopólio coloca as empresas em uma situação confortável, na qual há poucos incentivos para inovar e criar novas fontes de vantagem competitiva. Pelo fato da aventura em novas soluções reduzir, significativamente, a eficiência organizacional, até mesmo empresas líderes tendem ao “satisfatório”. Enquanto processar competidores que oferecem produtos melhores for menos custoso do que investir em pesquisa, o desenvolvimento tecnológico estará ameaçado.

Sem monopólio intelectual, qual seria o estímulo para a inovação? Al Ries e Jack Trout dão a resposta no livro As 22 Consagradas Leis do Marketing. Segundo os autores, a lei número 1 de mercado é a liderança, que presume que “é melhor ser o primeiro do que ser o melhor”. Para ambos, “é muito mais fácil penetrar na mente primeiro do que tentar convencer alguém a mudar para um produto melhor do que aquele que penetrou primeiro na mente”. O exemplo mais recente de aplicação dessa lei está na indústria de transporte e mobilidade urbana. Por mais que novas empresas já ofereçam serviços melhores e mais baratos, a Uber continua sendo disparadamente a líder de mercado.

Acontece que, na Era da Disrupção, a verdadeira inovação não está mais nos produtos em si, mas nos modelos de negócios. Uma série de indústrias está inovando para além de seus produtos, precisando mudar a forma com que ocorre o fluxo de receitas, estruturas de custos, canais para acessar seu público-alvo, o relacionamento com o consumidor e até a proposta de valor5. A seguir, abordarei três grandes indústrias nas quais tais disrupções só ocorreram ou estão ocorrendo graças à inexistência, na prática, de patentes e direitos autorais: a indústria de livros, a indústria musical e, por fim, a indústria farmacêutica.

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Poucas indústrias foram mais afetadas pelo desenvolvimento tecnológico do que a indústria de livros. O impacto na cadeia de valor envolveu desde a forma com que os livros são publicados, até as formas de distribuição e leitura6. A velocidade de produção e reprodução de informação passou a ser tão alta que 90% de toda informação no mundo foi produzida nos últimos dois anos7. Sem qualquer defesa de direito autoral, autores continuam produzindo conteúdo, em uma velocidade cada vez maior. Algo que foi previsto por Friedrich Hayek:

Eu duvido que exista alguma grande obra de literatura que não seria produzida caso fosse o autor incapaz de obter um direito de exclusividade. Do mesmo modo, reexames recorrentes do problema [da facilidade de reprodução das ideias] não demonstraram que a obtenção de patentes de fato aumenta o fluxo de novos conhecimentos técnicos.

Na indústria musical, o choque surgiu na facilidade com que qualquer música pode ser baixada pela Internet, o que derrubou, na prática, qualquer direito autoral. Entretanto, a rentabilidade dessa indústria continua bastante sólida. Com a maior distribuição da música, os artistas passaram a lucrar mais com shows em países que até então não tinham acesso ao seu conteúdo. A banda britânica Iron Maiden, por exemplo, graças ao mapeamento dos sites de download de música, descobriu que o Brasil era o país que mais baixava suas músicas, passando a fazer até três shows no país por ano.

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A disrupção foi tão grande nesse setor que modelos de negócios surgiram com redes de streaming, muitas vezes gratuitas para os ouvintes, mas que rendem bilhões com a venda de espaço para advertisement. Graças ao serviço de streaming, a indústria musical norte-americana cresceu dois dígitos em 2016, a primeira vez em 20 anos8. O principal fator dessas mudanças não foi o desenvolvimento tecnológico, mas sim ausência de proteção dos direitos autorais. Ronaldo Lemos, em seu artigo Tecnobrega: O Pará Reinventando o Negócio da Música, mostra como que em um cenário de crise de direitos autorais, a indústria musical continuou sendo rentável. Músicos que tinham seus CDs sempre pirateados passaram a gerar receita fazendo propaganda dos camelôs da região, o que é um exemplo de inovação em modelo de negócios.

A indústria farmacêutica, por fim, é um caso interessante a se analisar. A análise do histórico de medicamentos cujas patentes expiraram ou foram abolidas mostra que os preços dos pioneiros continuaram mais elevados que o de seus concorrentes após a abertura da receita. Esse ponto evidencia uma possível preferência do consumidor sobre o pioneiro. Por esse motivo, consumidores continuam pagando mais caro pela aspirina da Bayer, mesmo sem haver diferenças claras frente a outros genéricos. A queda de patentes de medicamentos obrigou laboratórios farmacêuticos a investirem ainda mais em sua marca.

Por ser uma das indústrias ainda mais protegidas por patentes, as inovações acabam sendo lentas. Isso ajuda a explicar o porquê da evolução no mundo dos átomos ser mais demorada que no mundo dos bits. A lentidão nessa indústria também existe na engenharia reversa dos produtos, sendo esse mais um argumento contra o monopólio intelectual. O tempo gasto por concorrentes em desvendar a fórmula de um medicamento é mais do que suficiente para o pioneiro lucrar com sua invenção.

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A disrupção da indústria farmacêutica caminha em passos cada vez mais largos. Conforme a defesa regulatória de patentes se torna insustentável, os grandes laboratórios passam a ser obrigados a se reinventar. A inovação tende a ser não apenas sobre os produtos, mas sobre o modelo de negócios. Sendo assim, esses laboratórios devem, no futuro breve, não vender apenas o medicamento, mas a cura. O futuro está nas drogas feitas “sob medida” para o paciente, customizadas de acordo com a biologia própria. Tudo isso será possível apenas sob um cenário de alta competição.

Atualmente, em um segundo de internet, 7.779 tweets são enviados, 806 fotos são postadas no Instagram, 49.111 GB de tráfego de internet é consumido, 62.874 buscas são feitas no Google, 71.028 vídeos são vistos no Youtube e 2.629.324 e-mails são enviados9. Não é por acaso que a Era da Disrupção é a Era Digital, também chamada de Era da Informação. O que está ocorrendo é a migração do máximo possível do mundo físico para o mundo digital. Quando algo é digitalizado, torna-se infinitamente reproduzível, driblando o problema da escassez.

Tentar gerar escassez no mundo das ideias é tentar frear o progresso. Na Era da Disrupção, vantagens corporativas estão se tornando cada vez mais temporárias e novos mercados estão surgindo sob um cenário cada vez mais competitivo. O ganhador é sempre o consumidor e, por esse motivo, estamos nos desenvolvendo tão rapidamente. Essa é a essência do desenvolvimento econômico por todo o mundo, a migração do limitado mundo físico para o ilimitado mundo digital.

 

Lucca Tanzillo é economista pelo Insper, fundador do grupo acadêmico Insper Liber e associado do IFL-SP.

 

Notas

[1] Parafraseando Karl Popper em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”.

[2] Parte de um discurso feito por Hans-Hermann Hoppe em 2009 na Mises University.

[3] PALMER, Tom. “Are Patents and Copyrights Morally Justified?”.

[4] KINSELLA, Stephan. “Against Intellectual Property” .

[5] Para mais detalhes sobre a estrutura de um modelo de negócios, “Business Model Generation”, de Alexander Osterwalder.

[6] Atualmente, através de um serviço de assinatura de livros fornecido pela Amazon -o kindle unlimited –  é possível acessar mais de um milhão de eBooks, que podem ser lidos em qualquer smartphone.

[7] Petter Bae Brandtzæg da SINTEF ICT, de acordo com o artigo do Science Daily:  Big Data, for better or worse: 90% of world’s data generated over last two years.

[8] Crescimento de 11% de acordo com a Billboard:

< http://www.billboard.com/articles/business/7744268/riaa-us-music-industry-2016-revenue-double-digit-growth>

[9] Fonte: Internet Live Stats: <http://www.internetlivestats.com/one-second/>

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IFL - Instituto de Formação de Líderes

O Instituto de Formação de Líderes de São Paulo é uma entidade sem fins lucrativos que tem como objetivo formar futuros líderes com base em valores de Vida, Liberdade, Propriedade e Império da Lei.