Por que a iniciativa privada é fundamental na saúde pública

Ao redor do mundo, e mesmo no Brasil, a gestão de bens públicos por empresas é amplamente adotada. De parques nacionais, como Fernando de Noronha, a postos de saúde e hospitais, os modelos existentes são inúmeros e merecem um estudo sobre eles

Felippe Hermes

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Não durou sequer um dia a publicação do decreto que autorizava o estudo sobre parcerias público privadas nas Unidades Básicas de Saúde e o recuo por parte do governo. O recuo, entretanto, se mostrou mais sintomático da nossa situação atual que o decreto em si.

Para piorar a situação, nas poucas horas em que se ensaiou um debate sobre o tema, nossa imprensa, em sua quase totalidade, contribuiu de maneira vexatória ao tratar o estudo como “privatização”.

Parcerias público-privadas para construir ou gerir bens públicos, como saneamento, educação e saúde, não são nem de longe um tema novo no Brasil e no mundo. Trata-se de algo que já é realidade, e com resultados que um estudo poderia, não fosse vetado, avaliar.

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Pegue, por exemplo, o Hospital do Subúrbio, em Salvador, o primeiro hospital do país construído por meio de uma PPP. Inaugurado em 2010 pelo então governador Jaques Wagner (PT), o hospital contou com recursos de R$ 90 milhões e possui hoje 323 leitos (ou 14% do total de leitos hospitalares da Bahia).

Por ano, o governo baiano repassa ao hospital cerca de R$ 173 milhões para manter suas operações e operar exclusivamente pelo SUS. Trata-se de um valor que, apesar de alto à primeira vista, representa meros 3% do orçamento do estado em saúde.

Em 2019, o Banco Mundial premiou o hospital pela qualidade dos serviços e o êxito do projeto. Há um detalhe nessa história, porém. O Hospital do Subúrbio é administrado por uma empresa com fins lucrativos, a Prodal Saúde, que lucra com a gestão do equipamento público, e possui repasses em função de metas qualitativas e quantitativas.

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Esse, entretanto, não é nem de longe o único modelo adotado no Brasil e no mundo. Aprovado em 1998 pelo governo de São Paulo, o sistema de Organizações Sociais da Saúde administra hoje 40 dos 91 hospitais públicos do estado, além de dezenas de outros equipamentos, como 58 ambulatórios, 3 clínicas de diagnóstico por imagem, além da central de distribuição de insumos da saúde pública.

Indo ainda mais ao sul do país, na periferia de Porto Alegre, o Hospital da Restinga, com 111 leitos, faz parte de um terceiro modelo, o dos hospitais de excelência, que recebem incentivos fiscais (PROADI), em troca de utilizarem o imposto em funções como apoio ao SUS (70%) e assistência médica (30%).

Os cinco hospitais, que além do Moinhos de Vento (RS), contam ainda com o Hospital Alemão Osvaldo Cruz (SP), Hospital do Coração (SP), Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e Hospital Sírio Libanês (SP), recebem cerca de R$ 1 bilhão em forma de renúncia fiscal todos os anos.

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A atuação nesse caso pode se dar por meio de educação, como o Sírio Libanês, que garante treinamento a 20 mil alunos por ano em troca de R$144 milhões em renúncia fiscal, compra de softwares de gestão ou gestão de hospitais públicos propriamente.

Na prática, alguns dos hospitais mais bem conceituados da América Latina, como o Albert Einstein, fazem parte do SUS (como você deve se lembrar do início da pandemia, quando o Einstein concentrou os testes de Covid), mesmo sendo privados.

Ao todo, hospitais privados, Santas Casas em sua maioria (filantrópicos, portanto), fazem 54% do total de atendimentos do SUS, além de 70% das cirurgias de alta complexidade.

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Como você já deve ter percebido, os modelos dentro do próprio SUS (com atendimento 100% financiados pelo governo), são inúmeros, e podem se adequar conforme a demanda da sociedade e a situação dos estados. Isso, por si só, já justificaria a ideia de um estudo sobre modelos para UBS.

Mais do que isso, os modelos são amplamente utilizados por governos de esquerda ou direita, sem distinção, exceto pela reação pública.

As experiências internacionais

Ao redor do planeta, as experiências em modelos de gestão são também amplamente abundantes, e não se restringem apenas a área de saúde.

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No campo da educação, por exemplo, há experiências nas chamadas “charter schools”, escolas com fins lucrativos mas que possuem financiamento do Estado, e são administradas por associações, ou pelos próprios professores. De fato, a ideia de uma escola privada e gerida por professores foi proposta justamente por Albert Shanker, diretor de um sindicato de professores.

Um dos mais ardorosos defensores deste modelo é justamente Barack Obama, como ressalta o jornal Washington Post, ao avaliar sua atuação na área de educação.

Na Suécia, em 1992, um sistema similar foi aprovado pelo governo Conservador, garantindo financiamento público a escolas privadas (muitas delas sem fins lucrativos).

Em outras áreas, como a ambiental, também há bons modelos a serem adotados. Desde o Central Park, talvez o parque mais famoso do planeta, até parques nacionais na Europa, Ásia e Brasil, são geridos por associações privadas.

Por aqui, temos exemplos em Fernando de Noronha e Foz do Iguaçu, cuja concessão foi feita em 1999. O Parque Nacional Iguaçu, por exemplo, gerido pela empresa Cataratas do Iguaçu SA, possui um faturamento de R$ 100 milhões, e tem entre seus controladores a Advent, uma gestora internacional com US$ 54 bilhões.

Em comum, seja nos parques municipais e parques nacionais, a obrigação contratual prevê a preservação ambiental entre as metas. Justamente por isso você paga para entrar em Noronha, e há limite de pessoas na ilha.

Na parte cultural também há bons exemplos. Algumas das maiores instituições do mundo, como o MoMa e o Louvre, possuem parcerias público privadas para financiar exposições, digitalizar acervos, ou mesmo adquirir obras.

Na Espanha, a Fundação Juan Miró é administrada por uma empresa privada, e conta com 25% do orçamento vindo de fundos públicos. Já no Brasil, o MASP, maior da América Latina, é privado, mas contando com apoio da prefeitura que complementa parte de seu orçamento.

A discussão sobre o lucro

A própria ideia de lucro é uma questão ideológica a ser discutida caso a caso. Para inúmeras pessoas, a noção de que alguma empresa possa lucrar com um serviço público é imoral por si só. Trata-se corriqueiro na discussão, uma vez que os serviços públicos são encarados como “direitos”.

Na prática, porém, o que estamos dizendo é que não há problema em uma empresa construir uma estrada ou um hospital, e lucrar com isso, mas há um problema em lucrar com a gestão do bem público.

A ideia de gestão privada parte de um ponto bastante simples: o Estado possui requisitos obrigatórios em função da sua natureza pública que não existem no setor privado. Qualquer serviço público demanda burocracias e está sujeito a órgãos de controle que são, e devem ser, mais rigorosos, uma vez que trata-se do dinheiro de toda população.

No setor privado a fiscalização ocorre de outra maneira. Há contratos a serem seguidos que determinam metas a serem atingidas (algo que inexiste em órgãos públicos). Quando uma empresa privada descumpre esses contratos, está sujeita a multas e é impedida de reajustar tarifas (como nos casos de concessões de saneamento, por exemplo).

Não há na história brasileira o caso de algum diretor de empresa estatal de saneamento que tenha sido demitido por não cumprir metas, pois elas sequer existem (devem ser formuladas agora em função do marco regulatório do setor).

Isso tudo pode ser resumido em uma questão bastante simples, que os economistas resumem como “incentivos”. Os resultados de quando intervimos nos incentivos são notórios.

Escolas que recebem mais recursos em função de atingirem metas e resultados, costumam ter desempenho melhor (vide casos de Pernambuco e Ceará, que possuem menor verba por alunos e resultados melhores).

Toda iniciativa privada funciona pautada nesta ideia. Caso os contratos não sejam cumpridos, o prejuízo é não apenas público, mas essencialmente privado.

Faltam médicos nos hospitais? A empresa não recebe os repasses. É algo simples, e cuja compreensão ajuda o país a buscar melhores soluções para aquilo que importa: ofertar serviços públicos como saúde e educação.

Tratar do acesso à saúde deveria ser prioridade. No Brasil, entretanto, seguimos mais preocupados com os meios, do que com o acesso da população em si. Fazemos isso tão bem, que enterramos uma discussão sobre um estudo.

Não há como propor e debater políticas públicas recriminando estudos.

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Felippe Hermes

Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com