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Foi em 1979 que a Odebrecht venceria a licitação de sua primeira obra fora do Brasil. Situação a 3600 metros de altitude, a hidrelétrica de Charcani V viria a se tornar a maior já construída no Peru.
A obra era um desafio e tanto, considerando que a hidrelétrica se situava na encosta do vulcão Misti, em uma área de tremores constantes. O feito, porém, credenciaria a empreiteira brasileira a iniciar sua fase internacional. Apenas 5 anos depois, a Odebrecht entraria em Angola, seu mais conhecido mercado no exterior.
A relação da empreiteira com o Peru, entretanto, não se limitou a essa obra. A empresa acompanhou por décadas as mudanças políticas e os sobressaltos do país, sempre mantendo um dos pilares da TEO, sua filosofia própria, que tratava de agradar o cliente, no caso, o político da vez.
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A despeito de os valores envolvidos e o próprio esquema ter um aspecto amador quando comparado ao sistema de propinas da empreiteira no Brasil, o caso peruano foi o primeiro a ter seus detalhes expostos.
Em novembro de 2016, enquanto os diretores brasileiros da empresa ainda organizavam os detalhes da sua delação, o diretor da subsidiaria no Peru já havia começado a delatar.
Na delação de Jorge Barata, estão expostos três ex-presidentes. Alejandro Toledo (2002-2006), Alan García (2006-2011) e Ollanta Humala (2011-2016). O presidente peruano na ocasião, Pedro Pablo Kuczynsky (PPK), havia sido eleito em 2016 e também estaria envolvido com a empreiteira, segundo denúncias.
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Em suma, todos os presidentes eleitos pelo Peru neste século, além de opositores, como Keiko Fujimori, estiveram envolvidos com a empreiteira brasileira.
Keiko, que disputou as últimas três eleições, tendo perdido ambas por margem inferior a 1% dos votos, chegou a ser presa em meio aos desdobramentos da operação. Alan García, outro presidente indiciado, cometeu suicídio antes de ser preso. PPK sofreu impeachment, sendo condenado em 2019, mesmo ano em que Alejandro Toledo seria preso nos EUA.
Toledo, o presidente que assumiu o país após a ditadura de Fujimori, entre 90 e 2000, iniciou sua gestão prometendo uma gestão moralizadora, criando um grupo anti-corrupção e aumentando a rigidez sobre as licitações.
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A impopularidade às vésperas da reeleição, entretanto, levou o presidente a realizar a toque de caixa uma obra faraônica, a rodovia Interoceânica, que ligaria o Brasil ao pacífico. A obra, de US$ 1,2 bilhão, seria tocada pela Odebrecht sem licitação, mediante US$ 35 milhões em propina, segundo as delações.
O presidente seguinte, Alan García, seria o mais próximo da empreiteira brasileira.
García já havia governado o país de 1985 a 1990, tendo assumido o país prometendo combater o grupo chamado Sendero Luminoso, um grupo comunista de inspiração Maoísta.
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Por décadas o grupo terrorista promoveu atentados contra o governo e civis, que resultaram em 48 mil mortes. De ataques de guerrilha a linchamento contra homossexuais, grupo considerado como “de hábitos burgueses”, pela guerrilha comunista.
García governou o país tentando impor ordem nas regiões de conflito. Sua falha, bem como a crise econômica que assolou toda América Latina na década de 80, fizeram o país mergulhar em uma hiperinflação.
Na sequência de seu primeiro mandato, em 1990, García foi substituído por Fujimori, que promoveu uma série de medidas econômicas para debelar o caos econômico. A marca de seu governo, entretanto, está no fechamento do parlamento e na consequência assunção ao poder enquanto ditador.
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Fujimori, pai da atual candidata Keiko, promoveu uma forte repressão ao grupo comunista que assolava o país, fazendo com que os peruanos ficassem no meio de uma guerra entre o estado e forças paramilitares que levaria a ao menos 70 mil mortes.
Dentre as atrocidades cometidas por Fujimori, destaca-se a esterilização forçada de ao menos 300 mil indígenas, além de chacinas tais quais o grupo que dizia combater.
Foram milhares de jovens, crianças e adultos mortos em uma violência generalizada que tomou conta do país.
Fujimori, que hoje encontra-se exilado no Japão, foi deposto em 2000.
De lá pra cá o grupo Sendero Luminoso buscou criar uma representação legal na política peruana, o Movadef. Atentados e ameaças, em especial as minorias, continuam sendo registrados.
Do Movadef, partem uma série de integrantes influentes na estrutura partidária de Pedro Castillo. Ele venceu a apuração e está prestes a ser eleito para o cargo de presidente do Peru, mas a eleição por lá ainda é repleta de incertezas e pode demorar duas semanas até sair um resultado oficial, uma vez que depende de resposta da justiça a alegações de Keiko Fujimori, em segundo lugar por uma estreita margem na apuração das urnas. Ela pediu a revisão de 800 atas de votação.
Castillo, autoproclamado socialista, negou durante toda sua campanha que seja “comunista”. Da mesma maneira que Hugo Chávez em 1998, alegou que não irá expropriar empresas ou atos do tipo.
Seu plano de governo inclui medidas distintas das apregoadas durante discursos.
Seu projeto diz, por exemplo, querer promover uma regulação da mídia com inspiração em Lênin e Fidel Castro, pois a mídia seria o grande alicerce dos poderosos e do Neoliberalismo do país.
Contrário ao casamento de homossexuais, contra a ideologia de gênero em favor da família, Castillo encarna uma esquerda tradicional, a chamada “Old Left”, contra os valores progressistas que tomaram conta do esquerda em países como Estados Unidos, ou mesmo Brasil.
Seu plano econômico não faz por menos. A promessa é de que até 80% dos lucros de empresas estrangeiras sejam taxados. Contratos de concessão serão revistas ou mesmo extintos.
Segundo maior produtor de cobre do mundo, o Peru tem na mineração, feita por empresas como a brasileira Vale (VALE3), uma fonte importante de receita.
Para ele, aumentar a fatia do governo no lucro de setores como este é parte importante do pagamento da “dívida social”.
O conceito de “dívida social” para seu plano de governo equivale a uma dívida para com os trabalhadores, que deve ser paga com o cancelamento de dívidas junto a investidores estrangeiros.
Ainda que negue veemente, seu plano de governo o aproxima de figuras como Hugo Chávez, com uma retórica nacionalista.
Castillo, que se tornou conhecido após liderar uma greve de professores, há quatro anos, provoca uma grande mudança na estrutura política do país.
Para além da escolha majoritária nas urnas, porém, é preciso observar a figura como um todo.
O pleito, com um diferença de menos de 1% entre os candidatos, dá um indicativo do quão rachado está o país.
Entre extremistas de esquerda e direita, o Peru ainda sofre com décadas de instituições frágeis e corruptas.
Para completar, trata-se do país com maior incidência de mortes por Covid-19 no mundo. Ao menos 0,5% da população peruana, ou 180.784 pessoas, perderam a vida em decorrência da pandemia.
Caso confirmada a eleição, o novo presidente assumirá um país rachado, mas com uma economia relativamente estável, graças em boa medida aos tratados comerciais realizados ao longo dos últimos anos, e que Castillo já avisou que deve também revisar.
O Peru registrou aumento do PIB contínuo entre 1999 e 2019, possui uma dívida pública relativamente estável, em 28% do PIB, e reduziu a pobreza de 44% para 22% entre 2007 e 2017, mas que vê uma ameaça também em função da Pandemia, que fez o número retornar aos 30%.
Até onde o novo presidente conseguirá impor as mudanças que deseja é difícil determinar, mas o certo é que sua eleição deve ecoar no continente.