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Quem olhasse para o censo brasileiro de 1872, o primeiro da história do país, veria uma São Paulo com cerca de 32 mil habitantes, bastante distante dos grandes centros, como o Rio (275 mil), Salvador (129 mil) ou Recife (116 mil).
São Paulo era um mero entreposto, uma cidade sem grandes atrativos, e cuja própria existência se via ameaçada, afinal, não existia ali uma vocação econômica palpável.
Nos 100 que se seguiram, São Paulo teria mudanças radicais até se tornar a maior cidade do país e a maior metrópole do hemisfério sul.
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No meio do caminho uma planta originária da Etiópia encontrou por ali uma terra fértil, o café.
Ao contrário de outros tantos ciclos econômicos brasileiros, o café foi até então o mais transformacional conhecido na história brasileira, em termos de legado.
Seu crescimento, na segunda metade do século XIX, foi responsável por sedimentar a infraestrutura na região centro-sul do país, com a construção de ao menos 10 mil km de ferrovias.
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No caso paulista, o café serviu de esteio também para a estruturação do porto de Santos, o maior da América Latina e um dos maiores do mundo.
A empreitada, que uniu as famílias Guinle e Gaffrée, ao barão de Mauá, foi um marco para a economia do país.
Ambos, considerados alguns dos maiores industriais do país, devem parte de suas fortunas ao produto agrícola, que os levou a empreender mais fortemente na indústria anos depois.
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Este casamento, ao contrário do que parece, é bastante comum. As ferrovias americanas que sustentaram o crescimento econômico do país desde 1870, nasceram para atender o agro no meiooeste.
É uma questão relativamente simples. A demanda por infraestrutura do setor primário é relativamente constante ao longo dos anos, além de uma demanda em termos de volume que justifique uma empreitada do porte de uma ferrovia.
A própria história paulista demonstra ainda que a acumulação do capital em uma área na qual temos expertise foi crucial para o desenvolvimento da indústria no país.
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Na prática, ao descobrirmos um vocacional com largas vantagens competitivas, pudemos acumular capital para posteriormente financiar a expansão da indústria.
O crédito dos bancos e do setor financeiro que se criou em torno dos barões do café, foi crucial para Matarazzo transformar São Paulo em uma cidade industrial.
Ainda assim, mais de um século depois, seguimos discutindo as razões de nossa indústria ser pouco competitiva, além de mencionar o constante risco de o Brasil virar “uma grande fazenda”.
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Ao longo deste período não foram poucos os projetos destinados a apoiar a indústria. Criamos inúmeros planos de desenvolvimento. De Getúlio a Dilma, passando por Juscelino, pela ditadura militar, FHC ou Lula. Todos criaram projetos voltados para fomentar a indústria.
Mais produtividade
O resultado? Nas últimas décadas o agro é o único setor da economia brasileira cuja produtividade cresce.
Em 1995, por exemplo, um trabalhador do campo produzia em média R$ 4,7 por hora trabalhada. Em 2018, a produção era de R$ 19 – uma alta de 6,5% ao ano.
Já na indústria, a produção, que era de R$ 32,7, caiu para R$ 31,1, representando queda de 0,2% ao ano.
São números gritantes que mostram como a tendência para o setor industrial brasileiro é preocupante. E em boa medida, é culpa da própria indústria, com uma ajuda considerável de políticos.
Sejamos francos. Políticos adoram a indústria. É um símbolo de geração de riqueza muito mais poderoso do que uma fazenda desolada longe da vista de eleitores.
Indústrias têm cadeias longas e complexas, são um setor que gera polpudas arrecadações de impostos, e, além disso, claro, são um símbolo de tecnologia e progresso.
Contudo, seria injusto dizer que o agro não tenha seu apelo político (tem, e ocupa uma bancada considerável no Congresso Nacional, além do eleitorado), mas, historicamente, pensamos pouco neste setor, e, principalmente: quase nunca tentamos entender os motivos de ele conseguir progredir.
Pode-se dizer que o agro tenha subsídios de bancos públicos, como o Banco do Brasil, ou citar o fenomenal trabalho da Embrapa no desenvolvimento de tecnologia no setor, mas, ainda assim, não olhamos a fundo para o cenário.
Pegue o próprio caso da Embrapa. Até 1960, produzir no Centro-Oeste brasileiro era inviável. O solo não era adequado e vastas parcelas de terra ficavam sem uso agrícola por conta disso. Partiu da Embrapa, em parceria com os japoneses, a tecnologia que permitiu produzirmos no cerrado.
Foi um projeto de pesquisa pública voltado essencialmente para o mercado. Aplicações práticas e acompanhamento junto ao produtor.
Tal prática é rara na indústria. Ligação entre pesquisa e produção é, muitas vezes, tratada como um ataque à independência dos centros de ensino e pesquisa.
Commodities
Mas entre todos os fatores, o que mais colabora para explicar o sucesso do agro é justamente a sua essência de produzir “commodities”.
Em suma, commodities são produtos possíveis de se produzir sem grande diferenciação em diversos lugares do mundo. Justamente, por isso, as suas negociações são globais.
O açúcar brasileiro compete com o da índia. A soja brasileira compete com a americana, enquanto o café produzido aqui compete com o colombiano.
De maneira objetiva, o setor agrícola precisa constantemente superar adversários ao redor do mundo e entregar produtos competitivos.
Mercado cativo
Já a indústria possui o seu mercado cativo. Barreiras de importação elevadas que garantem que não seremos vítimas dos preços baixos de países com melhor tecnologia e produtividade.
Quando olhamos para os raros projetos de desenvolvimento que deram certo em outros países a competição é, por larga vantagem, o ponto que distancia o sucesso do fracasso.
Criar uma “indústria nascente”, sem dar a ela acesso a troca de experiências com outras indústrias maduras, é uma certeza absoluta de fracasso. E ainda assim, seguimos insistindo nisso.
E apesar de ser duro dizer que boa parte do fracasso da indústria brasileira seja “mérito próprio”, é uma questão de olharmos em retrospectiva.
Apenas na última década tivemos programas de isenção de impostos na folha de pagamentos, subsídios em conta de energia de setores industriais e crédito subsidiado. Em que exatamente isso ajudou?
Outras medidas que poderiam colaborar, como uma abertura comercial que facilite importar tecnologia, ou uma reforma tributária que permita a produção ser pautada em racionalidade econômica, e não em “qual maneira de produzir gera os melhores subsídios”, não obtiveram apoio relevante.
Portanto, enquanto este apoio, ou foco, não vem, nos resta comemorar outro ciclo de alta de commodities.
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