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Em junho de 1981, o Federal Reserve, o banco central americano, fez aquilo que hoje parece impossível. A instituição elevou a taxa de juros americana para 21,5% ao ano, em um dos momentos mais dramáticos da economia mundial.
Até pouco tempo antes, economistas acreditavam que inflação e desemprego possuíam uma correlação negativa. Ou seja, quando o desemprego cresce, a inflação cai.
A lógica é que com mais pessoas desempregadas haverá menos consumo. O problema, como sempre, foi a realidade, que insiste em ser diferente dos modelos.
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O surgimento da chamada “estagflação”, que combina estagnação econômica com inflação elevada, assombrou os EUA, que decidiram então promover um ajuste severo.
A alta de juros por lá começou em 1979, em meio ao segundo choque do petróleo, quando a Revolução Iraniana fez o preço do barril sair de US$ 15 para US$ 60 em questão de meses (considerando valores atuais).
Paul Volcker, o presidente do Fed, foi o responsável pelo ajuste, e ele se tornaria um dos mais celebrados nomes da política monetária. Volcker foi “duro” no combate à inflação.
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Mais duro ainda seria o impacto no Brasil e no restante da América Latina.
Por aqui, a farra de crédito dos anos 1970 fez o governo brasileiro se endividar para realizar investimentos em indústrias como química e siderúrgica.
O país virou um canteiro de obras. De norte a sul, hidrelétricas, indústrias, rodovias e pontes, como a Rio-Niterói, foram erguidas com dinheiro estrangeiro. Em uma dessas obras, a de Itaipu, a previsão é de que devemos terminar de pagar em 2023.
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Com o ajuste por lá, e os juros em alta, a dívida brasileira foi se tornando salgada.
Entramos por aqui em um pesado ajuste, ainda no fim da ditadura militar, que impôs uma desvalorização da moeda. O intuito era garantir que as exportações crescessem as custas do consumo interno, além de diminuir as importações.
O plano “deu certo”, em partes, pelo menos até o México declarar sua moratória em 1983 e o restante do mundo olhar para o Brasil com desconfiança.
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O termo “década perdida” surgiu justamente no México, e teve remakes por toda região.
Por aqui, ele virou sinônimo de baixo crescimento e do início da hiperinflação.
Foi, ao menos até a década de 2010, o período de menor crescimento na história brasileira.
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Nossa dívida externa, que era de US$ 3 bilhões em 1964, chegaria aos US$ 100 bilhões em 1987. Um legado que atormentou o país nos anos seguintes.
Como em todos os casos, é possível dizer que a política brasileira pautada em endividamento tenha sido a causa. A decisão de Volcker foi apenas a fagulha que gerou a crise.
Dizer o contrário seria como culpar o garçom pelos excessos de um cliente alcoólatra. Não fomos obrigados a nos endividar e construir grandes obras.
Para além da mera moral histórica, é importante notar o papel que os juros americanos exercem no mundo.
De maneira simplificada, quando a taxa de juros americana sobe, fica mais atrativo levar o dinheiro para lá. Por sua vez, isso drena recursos de países emergentes, ou ainda, obriga os emergentes a elevarem seus juros para “competir” pelos dólares.
É uma situação bastante “injusta”, se é que essa palavra se aplica na economia entre países.
Os EUA imprimem dinheiro, desvalorizando os dólares ao redor do mundo e atraindo bens e produtos que demandam trabalho. Quando a inflação cresce, o mesmo Fed aumenta os juros, levando os dólares de volta para o país.
Deixando a discussão moralista de fato, é inegável que a política de juros do governo americano voltará a ter impacto no Brasil.
O Fed sinalizou que deve subir os juros ao menos três vezes em 2022. Além disso, a previsão é de que entre em ação o Quantitative Tightening, uma expressão que pode ser traduzida como “sugar recursos de volta”.
Se, ao longo dos últimos 13 anos, o Fed expandiu seu balanço criando dinheiro novo, a ordem agora deve se inverter. O BC americano prevê diminuir o seu total de ativos e passivos, drenando recursos do mercado.
O impacto disso nas Bolsas é imediato. Os juros, porém, têm impacto a longo prazo.
Com a economia atordoada por duas recessões próximas uma da outra, a “grande depressão” de 2015/2016 e a pandemia em 2020, o Brasil se encontra hoje em um cenário que faz forte alusão aos anos 1980.
Como cereja do bolo, temos ainda as tensões eleitorais.
São inúmeros fatores que, em teoria, deixariam qualquer Investidor assustado. Afinal, a possibilidade de uma nova recessão em 2022 não é pequena (uma hipótese ainda mais provável com a alta de juros iniciada em 2021 pelo BC do Brasil).
Na outra ponta, porém, há a boa e velha ideia da “profecia auto-realizável”: a ideia de que algo possa acontecer leva isso a de fato acontecer.
A Bolsa brasileira muito provavelmente já precificou estes problemas, da mesma maneira que o mercado americano há anos aposta em uma contração por parte do Fed.
Isso explicaria os motivos de a Bolsa por aqui estar barata, em torno de sete vezes o lucro das empresas contra cerca de 20 vezes no final do ano.
Convém estudar a história para entender as possibilidades, mas não abstrair da realidade por completo.
Para os “gringos”, esse cenário, e mesmo a instabilidade política, tem representado uma oportunidade. Enquanto o investidor brasileiro foge para a Renda Fixa, os investidores estrangeiros bateram recorde de investimentos por aqui em 2021.
Nesse caso, a lição histórica é de que muito provavelmente o caminho será turbulento. Mas, sabendo as causas, não será tão difícil se prevenir.