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O PIB privado e o dilema do Brasil em 2048

Os dados do PIB no segundo trimestre apontam uma melhora em um fator chave para destravar o crescimento: os investimentos do setor privado
Por  Felippe Hermes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Simon Kuznets nasceu em Pinsk, em 1901, então parte do Império Russo, tendo emigrado para os Estados Unidos em 1922, quando seu país já havia se transformado na União Soviética.

Nos EUA, Kuznets estudaria economia em Columbia e, aos 26 anos, passaria a integrar o Instituto Nacional de Pesquisa e Estatística (NBER), onde desenvolveu, dentre outras contribuições, a ideia de PIB.

A sigla para “Produto Interno Bruto” tornou-se um dos pontos centrais de qualquer economia, além de um indicador de “saúde econômica”.

Na prática, o PIB busca medir a riqueza gerada em um país ao longo de um ano.

Para se chegar a esse número, há várias maneiras de cálculo possíveis. Você pode calcular o PIB, por exemplo, por meio da soma do consumo das famílias, empresas e governos, somando aí o saldo da balança comercial. Trata-se da maneira mais comum, porém não a única.

Como qualquer medida econômica, o PIB possui variáveis, o que implica que, a depender da vontade dos governantes, é possível alterá-las ou estimular uma determinada variável.

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A lógica é simples. Se o PIB considera o consumo do governo, para ficar no exemplo mais óbvio, expandir esse consumo pode dar uma acelerada no indicador. Da mesma maneira, facilitar o acesso ao crédito também estimula o consumo das famílias, o que, por sua vez, faz o PIB acelerar.

No Brasil, vivemos recentemente experiências do tipo. Programas de investimento público e de crédito farto por meio bancos públicos buscavam acelerar o crescimento da economia.

O problema, claro, é que nem todo PIB é igual.

Você pode construir um estádio para sediar uma Copa do Mundo, injetando dinheiro para fazer a indústria da construção expandir. Pode financiar imóveis mais facilmente ou reduzir o custo de automóveis levando as pessoas a consumirem mais, o que leva a um aumento da produção e um PIB maior.

Isso, porém, esconde um problema. Gastos ruins, sem retorno, implicam na chamada “mislocation“, a má alocação de capital.

Estádios possuem custos de manutenção, automóveis e imóveis idem, e uma oferta maior do que a demanda necessária simplesmente implica em retornos menores, o que, a longo prazo, significa tirar recursos de setores produtivos para financiar os improdutivos.

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Indústrias que poderiam florescer precisam entregar parte da sua riqueza para manter indústrias ineficientes.

É o que o economista francês Frédéric Bastiat definiu como “o que se vê e o que não se vê”.

Destinar bilhões em recursos públicos para financiar a indústria naval, como fizemos por aqui, gera investimentos bilionários em estaleiros de grande porte.

Por não possuir um conhecimento acumulado na indústria, nossos navios são mais caros e menos eficientes. O resultado é que a Petrobras, o maior cliente dessa indústria, pagou mais caro por navios piores.

Na teoria, o governo anuncia que gerou milhões de empregos na indústria naval. Na prática, ele está fazendo com que todo o restante da população pague mais caro na gasolina para financiar essa indústria, o que implica menos dinheiro no bolso das pessoas, que poderia financiar outros negócios mais produtivos.

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Como você já deve ter percebido, o governo não levaria o crédito pelos outros negócios que nascem de forma natural, sem uma mão do planejamento central. E não leva a culpa pela má alocação de capital e a pobreza que ela perpetua.

Ao contrário, os governantes de plantão ganham o mérito, e votos, por incentivar a indústria.

É um sistema distorcido que recompensa um mal caminho, e vivemos sob este sistema. Escapar deste sistema é um imperativo categórico na nossa situação enquanto país.

Para entender os motivos, precisamos revisitar dois números fundamentais:

A positividade brasileira está estagnada desde 1980. Para ser mais preciso, entre 1980 e 1991, os brasileiros passaram a produzir 2% menos riqueza. Já entre 1992 e 2010, produziram 2,7% mais riqueza por trabalhador e, na última década, a produtividade novamente caiu.

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Produtividade, claro, é a riqueza produzida por cada trabalhador.

Sem o aumento da produtividade, a renda média dos trabalhadores no setor privado caiu 4% no período. Significa que, em média, os trabalhadores brasileiros ganham hoje menos do que no início dos anos 1980.

Mas o PIB cresceu, e muito, no período. O motivo é o segundo indicador que precisamos conferir: demografia.

O PIB entre 1980 e 2010 cresceu, em média, 2,1%. Desse valor, 1,7% veio do aumento de população.

Mais pessoas trabalhando significa mais riqueza produzida.

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O problema é que, como você deve ter visto durante a Reforma da Previdência, nossa população está envelhecendo e menos pessoas estão entrando no mercado de trabalho.

Em 1985, os brasileiros tinham, em média, 21,4 anos. Já em 2020, a idade média da população por aqui era de 33,5 anos.

Em 2031, estima-se que a população brasileira deve parar de crescer e, em 2048, ela terá decaído ao ponto que a riqueza média do país será igual a de 2018.

Para mudar isso, é preciso focar em produtividade. E, para focar em produtividade, é preciso encarar a má alocação de capital.

Um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas aponta que, se corrigida a má alocação de capital, o Brasil poderia ser 146% mais rico. Na China, o número é de 42% e, nos EUA, de 25%, o que mostra nosso potencial.

Desde 2017, implementamos uma mudança que pode colaborar com essa questão.

Trocamos as taxas de juros subsidiadas dos bancos públicos por taxas de mercado.

O resultado é que, desde então, a participação do setor privado no financiamento de investimentos tem subido, ocupando o espaço dos bancos públicos e ido além.

A taxa de investimentos voltou ao patamar de 20% do PIB, se recuperando das mínimas em meio à grande recessão de 2015-16.

O fato de o consumo do governo estar estagnado significa que, neste momento, o resultado do PIB segue sendo puxado pelas empresas.

Com cerca de R$ 830 bilhões em investimentos contratados por meio de concessões e privatizações, é possível que este resultado siga sendo sustentável pelos próximos anos.

Esse é o melhor dado apresentado no PIB brasileiro deste ano. Mais relevante do que o próprio indicador em si.

Seguindo esse caminho, e sem esquecer da relevância de uma Reforma Tributária, é possível que o Brasil comece a trilhar um caminho no qual a produtividade volte a crescer, compensando a desaceleração na população.

Evidentemente, outros pontos, como uma melhoria na educação, também são fundamentais a longo prazo.

O problema, claro, é que, se esse caminho não for resolvido, estaremos fadados a encontrar um Brasil em 2048 com uma população mais velha, necessitando recursos em saúde e com menos pessoas para produzir riqueza. Estaremos destinados a lutar por um bolo ainda menor de recursos.

Um caminho que seria trágico e que deve ser evitado a qualquer custo. Com os números de agora é possível ao menos sonhar que essa mudança de rumo virá.

 

Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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