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Warren Buffet é de longe o mais aclamado nome do mercado financeiro mundial nas últimas décadas. Seu retorno anual supera em 2 vezes a média da bolsa americana, o que na prática significa dizer que alguém que tenha investido US$ 1000 por ano desde 1964, seria hoje dono de uma fortuna de US$ 131 milhões.
Durante a crise de 2008, sua empresa, a Berkshire Hathaway, tornou-se uma das responsáveis por “resgatar”, companhias americanas pela crise. Acordos com a General Eletric e Goldman Sachs ou Bank of America, injetaram bilhões de dólares, capazes de dar fôlego a estas empresas em um momento difícil.
O evento desta semana portanto, no qual o FED, o banco central americano, comprou títulos da Berkshire para dar “liquidez” ao mercado, ganhou um caráter histórico relevante. Não que a empresa precisasse de recursos, longe disso, a Berkshire está neste momento sentada em uma pilha de dinheiro que soma $120 bilhões. O marco portanto é muito mais relevante pelo ato de injetar grana diretamente em empresas, do que pelo valor da operação.
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O alerta que se acende na terra do Tio Sam é importante. Contribuintes americanos estão sendo chamados a ajudar grandes empresas, seja via compra de títulos pelo FED, ou subsídios diretos para a Boeing por exemplo. Trata-se de um dos maiores resgates do planeta, justamente para empresas com alta liquidez, e capazes de captar recursos no mercado (a própria Berkshire conseguiu a proeza de captar recursos a juros zero recentemente).
Aqui pelo Brasil, onde o governo acaba de divulgar que somam 1,1 milhão os desempregados em função da crise do coronavírus, os pacotes de resgate também não são nada modestos, ao menos no papel, o problema porém está no resultado.
Enquanto o mercado comemora os juros baixos com a queda na SELIC e o consequente aumento de apetite por ativos na bolsa, que leva grandes empresas a captarem bilhões, o pequeno empresário ainda sofre de desconfiança dos bancos, que exigem garantias para empréstimos, e temem um calote elevado. O risco de tudo isso? concentração de mercado.
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Na outra ponta, os números de falência se multiplicam, com estimativa de que até 35% dos bares e restaurantes tenha fechado em definitivo (estamos falando aí de um setor que emprega 6 milhões de pessoas no Brasil).
No setor de turismo, por exemplo, que movimenta cerca de 3% da economia nacional, e emprega 7 milhões de pessoas, as estimativas da FGV dão conta de perdas de até 39% na receita, uma queda de R$110 bilhões em valores nominais. Valores que deixarão de circular por cidades turísticas, movimentando menos hotéis, pousadas e o comércio.
O problema, como você já deve estar cansado de saber, é que pequenas e médias empresas são as grandes responsáveis pela maioria dos empregos na economia. Nada menos do que 52% dos empregos com carteira assinada vem deste grupo.
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O número preocupante da vez, além da questão de saúde pública, diz respeito a essas empresas, que garantem o sustento de 16,1 milhões de famílias. Juntas elas ainda respondem por 27% da economia nacional.
Passados 3 meses desde os primeiros registros e fechamentos de cidades, das 6,7 milhões de pequenas empresas que buscaram crédito para se manter, apenas 1 milhão, ou 16% do total, conseguiram.
Trata-se de uma luta desigual por parte do pequeno mercadinho e da farmácia da esquina contra os grandes grupos que avançam com o cenário positivo para os grandes grupos.
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Veja bem, não estamos falando aqui de má gestão, ou de empresas que não conseguem competir. O caso é de um sistema financeiro complexo, em um país repleto de informalidade e amarras burocráticas que limitam o acesso a um mecanismo básico na economia, o crédito.
Em uma visão macro, o governo parece ter agido. A estimativa é de que até 6% do PIB, ou R$ 470 bilhões sejam aportados na economia para amenizar os problemas. A burocracia porém, segue um problema.
Estamos neste momento discutindo sobre prorrogar ou não o auxílio emergencial e até preocupados com uma segunda onda da epidemia, sem considerar que mal resolvemos os problemas atuais e a primeira onda.
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Há apenas uma semana por exemplo, a Câmara aprovou a MP 944, que libera R$ 40 bilhões (sendo 85% destes valores vindos do governo), em empréstimos para empresas que não demitam. O programa, que começou em abril, liberou até o momento cerca de R$3 bilhões em crédito, suficiente para manter até 1,8 milhão de empregos, mas bastante abaixo do potencial.
Como o Banco Central admite, a maior parte do crédito liberado até o momento foi para grandes empresas. O caso levou o BC a criar uma série de mecanismos que punem os bancos que não emprestarem recursos para pequenas e médias empresas.
Falamos de um esforço para fazer chegar o dinheiro, que existe, aos pequenos e médios. Nada disso, porém, chega a ser novidade. Durante anos o BNDES, banco focado em “desenvolvimento social”, como revela o nome, viu boa parte dos recursos serem destinados a grandes empresas.
O crédito no país viu sua última grande reforma ocorrer em 2005, quando chegamos ao patamar de 16% de recuperação em casos de falência (abaixo da áfrica subsaariana e quase 4 vezes menor que na OCDE).
Assim como a população informal, que até pouco tempo estava desconectada do orçamento do governo, boa parte das empresas brasileiras seguem ignoradas pelo sistema financeiro e pelo próprio governo quando o assunto é crédito.
O momento atual, portanto, é bastante oportuno para pensarmos exatamente no tipo de país que nos propomos a construir. Se queremos deixar de ser o país onde 1 em cada 3 crianças vivem na pobreza, devemos repensar nosso aparato social e melhor utilizarmos os recursos que já existem. Se queremos ser um país onde famílias possam manter seus negócios e girar a economia de maneira saudável, há caminhos urgentes a serem tomados.
A boa notícia é que a mudança de cenário, somada ao fato de que a crise sanitária escancarou os problemas do país, permite que façamos mudanças com relativo consenso.
Sem a possibilidade de sentar e aguardar os altos juros da dívida pública fazerem sua grana render, o investidor brasileiro precisa aumentar seu apetite por riscos, o que por sua vez garante que projetos e empresas consigam captar valores que antes eram liberados apenas por programas especiais via BNDES por exemplo.
Pela primeira vez em algumas décadas, não há mais desculpa para que o governo foque suas energias em grandes projetos e obras deixando de lado o pequeno empresário.
Enfim, podemos olhar para os pequenos e médios e centrar esforços em garantir um ambiente saudável, sem as panaceias desenvolvimentistas que nos fizeram enterrar fortunas em campeões nacionais.
Com juros menores, é possível ampliar linhas de crédito habitacional e de capital de giro, mas antes de tudo, precisamos melhorar o acesso ao crédito.
Como o professor Paulo Rabello de Castro mostrou há alguns anos, cerca de 15 milhões de famílias brasileiras são donas de imóveis irregulares, e portanto não conseguem acesso a crédito utilizando seus imóveis como garantia. Um programa de regularização fundiária poderia agregar, segundo o próprio, cerca de R$ 1 trilhão em patrimônio a essas famílias.
O resultado disso seria permitir que tais famílias se integrassem ao mercado de crédito, e possam abrir pequenos negócios pagando juros civilizados por isso.
Isso é o que os economistas costumam chamar de “reformas microeconômicas”, que atuem em pequenas mudanças que geram impactos tão ou mais relevantes que as famosas reformas “macro”, como a da previdência, a tributária e assim por diante.
Quer ter uma ideia do peso que isso significa? Em 2019, segundo o mesmo CAGED, pequenas e micro empresas foram responsáveis por 731 mil empregos, contra 88 mil de vagas a menos das grandes e médias.
A mera possibilidade de que boa parte delas não consiga sobreviver neste momento de crise, significa um duro golpe em qualquer chance de retomarmos a normalidade nos próximos anos. A quantidade de capital desperdiçado por pequenos negócios que deixem de existir muito em breve, ameaça o próprio equilíbrio da economia brasileira.
Neste cenário, pode haver um quadro de uma gestão excepcional, como a Renner, ou ser um varejista inovador, como a Magazine Luiza, e ainda assim serão sentidos os impactos caso milhões de brasileiros não tenham empregos para retornarem.
Se queremos falar de retomada, seja em L, V, W ou qualquer tecnicismo de economistas, as pequenas e médias empresas são exatamente o local por onde devemos começar a olhar.
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