14 anos e R$ 7,4 bilhões depois, EBC segue sem previsão de ser privatizada

Foram meros três meses de governo para que a promessa de extinguir a Empresa Brasileira de Comunicação deixasse de existir. Na atual administração, o custo com a estatal já passa de R$ 1 bilhão, sem previsão de acabar

Felippe Hermes

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Foi em 4 de setembro de 2020 que o Presidente da República se deslocou, junto ao Ministro da Justiça, para o Vale do Ribeira, em São Paulo.

A agenda oficial previa uma visita ao Sesi, que iria inaugurar uma nova obra para atender os 800 alunos da unidade.

A visita, entretanto, acabou sendo desmarcada por problemas logísticos. Na oportunidade, o presidente aproveitou para acenar aos motoristas de caminhão que passavam pela rodovia, ao lado de um posto da PRF.

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Das cerca de 1 hora e 10 minutos que Bolsonaro permaneceu acenando, a TV Brasil, emissora estatal, passou 10 minutos transmitindo.

Como apurou o UOL, eventos do tipo, como a participação do presidente em cinco formaturas militares e duas visitas a escolas cívico-militares, custaram ao menos R$ 162 mil aos cofres públicos entre julho e novembro do último ano apenas com a transmissão pela TV Brasil.

Com um canal de televisão, sete rádios e uma agência de notícias, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) se confunde, desde sua criação, com uma agência de governo, sua função prática, ante uma agência de comunicação do Estado, sua função na teoria.

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Na prancheta, em 2007, quando da sua criação, no governo Lula, a EBC seria uma espécie de “BBC”, a renomada rede de comunicação britânica, cuja existência se deve aos pagadores de impostos britânicos, mas cujo conteúdo apresenta relativa independência e crítica aos governos de ocasião.

No período da sua criação, a ideia de que os pagadores de impostos viessem a contribuir foi consolidada por meio da CFRP, a Contribuição de Fomento da Radiodifusão Pública, que por sua vez receberia 5% dos recursos do Fistel, um fundo de fiscalização de Telecomunicações que arrecadou R$ 2,6 bilhões em 2019, pago pelas operadoras de telefonia (ou basicamente, da sua conta de telefone).

No caso da EBC, porém, a medida permaneceu “travada” em disputas judiciais com as operadoras, tornando a estatal dependente de recursos do Tesouro.

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De 2007 pra cá, a empresa consumiu R$ 7,4 bilhões dos cofres públicos, segundo dados do Portal da Transparência, com despesas de cerca de R$ 500 milhões em 2019 para o Tesouro.

Seu orçamento total (que inclui rádio, TV e agência de notícias) equivale, por exemplo, a 50% mais do que a TV Band, ou o dobro da Rede TV e da FSB, maior agência de comunicação do país.

No caso da estatal, cerca de R$ 326 milhões foram destinados para o pagamento de despesas com pessoal, uma média de R$ 181 mil por funcionário/ano, entre salários e custos trabalhistas.

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Em 2017, época do governo Michel Temer, uma reportagem do Estadão apurou que eram ao menos 83 funcionários recebendo acima de R$ 20 mil líquidos (sem incluir os custos trabalhistas), com salários até seis vezes maiores do que a média do setor privado em determinadas áreas.

Na época, os gastos com pessoal respondiam por cerca de 56% das despesas da estatal.

Por se tratar de uma empresa dependente do Tesouro, orçamento e faturamento devem ser olhados com cuidado.

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No caso da EBC, o faturamento próprio advindo de atividades comerciais equivale a R$ 34 milhões, segundo o balanço de 2019 (o último ano completo publicado). O restante, em sua maioria, advém de aportes do Tesouro (além de receitas financeiras).

Segundo uma nota da própria empresa, a TV Brasil consome cerca de R$ 150 milhões do valor do seu orçamento, o que, a julgar pela sua audiência média de 0,31 pontos no Ibope, significa um orçamento destinado a produzir uma programação assistida por 23,4 mil espectadores.

Cabe ressaltar, porém, que os dados sobre faturamento, repasses, receita líquida e outros gastos costumam divergir bastante conforme a fonte.

Em falas públicas, o Ministro das Comunicações já declarou se tratar de um rombo de “R$ 550 milhões”, algo que o balanço e as notas publicadas na imprensa divergem.

Neste caso, ficamos com a versão do balanço auditado da empresa disponível neste link aqui.

Em termos de audiência, a TV Brasil, que chegou a ser apelidada de “TV Lula”, figura em 7º lugar no país.

O apelido, a despeito de ser amplamente rejeitado pela direção da empresa, não deixa de ter bases empíricas.

Publicada pela revista Época em 2018, uma análise do principal programa de entrevistas da emissora, o Espaço Público, constatou que, de 103 entrevistados no programa, cerca de 71 foram feitas com políticos ou intelectuais com identificação pró-governo (entre 2014 e 2016, época do governo de Dilma Rousseff); apenas três foram feitas com pessoas de oposição, com o restante não tendo “viés declarado”.

Em outra ocasião esdrúxula, em 11 de abril de 2016, também durante o governo Dilma, a TV Brasil transmitiu durante horas um comício contrário ao “golpe”, incluindo um discurso do ex-presidente Lula.

Ainda em 2018, durante o governo Temer, membros do governo se queixavam de “indisciplina” por parte dos jornalistas, que se recusavam a cobrir matérias consideradas negativas ao ex-presidente Lula (ao mesmo tempo que os funcionários se queixavam de ter de produzir matérias elogiosas ao governo).

A independência da EBC poderia ter vindo, segundo diretores da estatal, com o concurso realizado em 2013, que previa corrigir um erro, ou mais especificamente, o fato de que 70% dos funcionários não possuírem vínculo por meio de concurso público, sendo passíveis de indicações políticas.

Na época, o quadro de pessoal da empresa saltou de 1.476 para 2.412, acomodando os concursados sem grandes alterações no quadro de comissionados.

Desde 2017, porém, a empresa vem sofrendo cortes no quadro de funcionários, além dos comissionados. Ao todo, são cerca de 1.800 funcionários hoje.

O caso dos comissionados, entretanto, continua a assombrar a EBC. Segundo relata a coluna de Lauro Jardim, o general do exército Luiz Carlos Pereira Gomes, ex-presidente da estatal, comandou a empresa com cerca de 48 comissionados em seu gabinete.

Em maio de 2020, o governo editou Medida Provisória para autorizar estudos de parcerias com a iniciativa privada, e a possível privatização da estatal.

Menos de um mês depois, porém, a estatal passou para o comando do Ministério das Comunicações, recriado pelo governo em junho.

Segundo o novo ministro, a ideia de privatizar ou encerrar a estatal está descartada. O motivo? O déficit da empresa é muito alto. O governo agora busca equacionar receitas e despesas e não mais extinguir a empresa.

O problema? A estatal possui, segundo o último balanço publicado, uma receita própria equivalente a 9,2% do total gasto com a prestação de serviços.

Um estudo do início de 2019 avalia que equipamentos da emissora estejam avaliados em R$ 70 milhões, valor insuficiente para cobrir mais do que um trimestre de déficit.

A promessa de campanha de extinguir a “TV Lula” agora esbarra nas dificuldades práticas para tal. O valor comercial da estatal é nulo, ou negativo, e seu valor como veículo de comunicação, atraente para o governo.

Enquanto promove cortes de funcionários, a estatal negocia também a compra de novelas da Record, em um sinal de aproximação com a emissora que tem defendido o governo em sua grade de programação.

O uso político da empresa também está presente nas transmissões, como o jogo entre Brasil e Peru que contou com saudações e abraços ao presidente por parte do narrador.

Há ainda a ideia de expandir um braço internacional para a EBC, que permitiria “melhorar a imagem do Brasil no exterior”. Em maio do último ano, a empresa começou a transmitir na África.

Hoje sob o comando do “Centrão”, a estatal vai vivendo momentos antagônicos. Deixa de ser um feudo para militares e passa a contratar diretores com experiência comercial, ao mesmo tempo em que segue os caprichos do governo em ter uma rede de comunicação própria.

Enquanto ainda se discute o que fazer com a empresa, a EBC deve levar este ano cerca de R$ 392 milhões do orçamento da União (segundo a LOA), totalizando R$ 1,3 bilhão nos três primeiros anos do governo, eleito com dentre outras promessas a de “extinguir” a TV em seus primeiros meses.

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Felippe Hermes

Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com