Um aceno sobre a (in)segurança jurídica dos contratos das concessões rodoviárias em São Paulo

A decisão de não reajustar, sob o pretexto de proteger usuários, acaba por prejudicar concessionárias no curto prazo e os usuários no longo prazo, além de aumentar a complexidade nas relações jurídico-contratuais

Angélica Petian

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Em 30 de junho de 2022, a Secretaria de Logísticas e Transportes (“SLT”), órgão da administração direta do Estado de São Paulo informou que não reajustará as tarifas de pedágio neste ano.

Essa determinação impeliu a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (“ARTESP”) a retirar os itens sobre reajuste tarifário da pauta da reunião de seu Conselho Diretor na mesma data.

Não é a primeira vez que o Estado interfere no reajuste das tarifas de pedágio.

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Em 2013, houve decisão de não reajuste de tarifas, o que cobriu a integralidade do ano de 2013 e se estendeu parcialmente para 2014. Em 2014, foi adotado índice de reajuste distinto daquele previsto contratualmente.

Segundo declaração do secretário estadual, a medida leva em conta o “cenário econômico ruim”. Por outro lado, o secretário também externou preocupação quanto à mensagem (negativa) que pode ser (e foi) percebida pelo mercado de forma geral, ao mencionar que o Governo “não descumpre contrato e vai dialogar com todos os setores envolvidos”.

A referida preocupação pode ser, em alguma medida, um alento para aqueles que serão impactados. No entanto, ela não mitiga a complexidade envolvida na recomposição de equilíbrio econômico-financeira (“REF”) que deverá amparar a situação, nem equaciona o impacto financeiro imediato.

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Isto porque será necessário (i) dimensionar o montante de desequilíbrio efetivo decorrente do período em que as tarifas forem praticadas sem o reajuste, sobretudo num cenário de inflação galopante; e (ii) após a definição da forma de REF, o monitoramento para garantir que este não exceda o referido desequilíbrio. Essa sistemática é praxe e possui amparo tanto na regulação federal da Agência Nacional de Transportes Terrestres como no âmbito da regulação exercida pela ARTESP.

Essa tarefa de quantificação exigirá acompanhamento minucioso do fluxo de tráfego nas praças de pedágio e gerará a necessidade de elaboração de diversos relatórios que consubstanciem tal acompanhamento pelas concessionárias. Trata-se de mais um possível custo extraordinário para concessionárias que tende a ser repassado para os usuários em algum momento (sem falar dos equipamentos para o monitoramento de tráfego para as concessionárias que não os possuem).

Conforme veiculado no Diário Oficial de 7 de julho, o Conselho Diretor da ARTESP já deliberou sobre a necessidade de REF e definiu que o meio de recomposição será via indenização, inclusive designando a rubrica orçamentária (e o remanejamento orçamentário) aplicável, e definiu que as compensações serão feitas de forma bimestral com a apuração do montante de desequilíbrio mensal (todo dia 25).

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Nesse sentido, a primeira compensação será realizada no último dia útil de agosto.

Bom sinal, considerando a insatisfação das concessionárias e a sinalização de potencial desencadeamento de batalhas judiciais.

O próximo passo deve ser tratativas com cada uma das concessionárias para a celebração de aditivos que internalizem o REF. No entanto, isso não significa necessariamente que não haverá turbulências.

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Vale lembrar que as medidas compensatórias, vislumbradas para os supracitados desequilíbrios referentes a 2013 e 2014, foram consideradas insuficientes à época. A consequência: uma barragem de ações judiciais (que perduram até hoje) pelas concessionárias de rodovias do Estado de São Paulo para cada um desses eventos de desequilíbrio.

Se a forma ou o montante de recomposição forem reputados como insuficientes, o cenário tende a se repetir. Ademais, não é segredo que rubricas orçamentárias não possuem a mesma “liquidez” que um fluxo tarifário. Em outras palavras, trata-se de meio mais inseguro vis-à-vis ao reajuste tarifário.

Porém, na prática, é o único meio hábil de REF que remanesce para o caso, já que a própria alteração tarifária não faria sentido aqui, a prorrogação de prazo tende a ser ineficaz (já que as diferenças de valor devidas hoje seriam “repostas” apenas anos à frente), a supressão de obrigações ou de volume de investimentos pode subverter os programas de concessões rodoviárias concebidos pelo Poder Público, e a diminuição dos valores de outorga pode comprometer, em alguma medida, o desempenho das atividades fiscalizatórias da ARTESP.

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De qualquer forma, em algum momento a ARTESP terá que promover o reajuste tarifário, o qual deverá refletir o reajuste represado (já que provavelmente a ideia não é que o Governo arque com indenizações pelo resto dos respectivos lapsos temporais dos contratos).

Isso pode repercutir em um verdadeiro efeito “sanfona” quando da redefinição da tarifa, a qual será maior do que aquela que seria praticada, caso não houvesse represamento do reajuste (já que terá que compensar os impactos econômicos e, principalmente, financeiros, daí derivados, enquanto não implementado – com satisfação – o meio de REF sinalizado pela ARTESP).

No final, a decisão de não reajustar, sob o pretexto de proteger usuários, acaba por prejudicar concessionárias no curto prazo e os usuários no longo prazo, além de incrementar complexidade nas relações jurídico-contratuais (isso para não mencionar o risco de barragens de ações judiciais tal como ocorreu após as decisões de 2013 e 2014).

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Angélica Petian

Pós doutora em Direito pela USP e integrante da Comissão de Infraestrutura da OAB-SP. Advogada especialista em infraestrutura e sócia do escritório Vernalha Pereira.