‘Suitability’: evolução que favorece o investidor

O investidor mudou e, por consequência, o processo de recomendação de produtos de investimento acompanhou essa evolução. Se antes o mundo dos investimentos era visto como acessível apenas para pessoas com maior poder aquisitivo, o avanço das plataformas digitais, a alteração nas condições macroeconômicas e a democratização do conhecimento sobre finanças contribuíram para que mais […]

Zeca Doherty

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(Getty Images)
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O investidor mudou e, por consequência, o processo de recomendação de produtos de investimento acompanhou essa evolução. Se antes o mundo dos investimentos era visto como acessível apenas para pessoas com maior poder aquisitivo, o avanço das plataformas digitais, a alteração nas condições macroeconômicas e a democratização do conhecimento sobre finanças contribuíram para que mais brasileiros começassem a investir. Essas mudanças impulsionaram a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) a modernizar o processo de suitability – a avaliação de perfil dos investidores que as instituições financeiras fazem para oferecer opções adequadas às necessidades deles.

A novidade está em linha com uma premissa da autorregulação: direcionar o mercado no caminho das melhores práticas, mantendo-se atento às mudanças no setor para que as regras estejam sempre um passo à frente da regulação, refletindo evoluções em curso.

As mudanças no processo de suitability padronizam o processo de classificação dos produtos e dos perfis dos investidores, evitando possíveis conflitos comerciais na recomendação. Ao estabelecer a pontuação mínima obrigatória, que leva em conta o risco de cada investimento, e definir a gama de produtos adequados para cada perfil, as regras colocam o investidor no centro da discussão, já que ele receberá as recomendações que mais se encaixam às suas necessidades. As novas normas entram em vigor no próximo dia 5 de setembro.

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E por que isso é importante?

Há alguns anos, cada instituição tinha seu cardápio exclusivo de investimentos. Com o tempo, esse modelo mudou, e elas passaram a praticar o que ficou conhecido como “prateleira aberta”, distribuindo produtos próprios, além dos de outros bancos e gestoras.

Isso é ótimo para os investidores, que têm acesso facilitado a mais possibilidades de aplicações. Por outro lado, há o desafio de selecionar e definir qual a melhor opção para o seu perfil, aumentando a importância de uma boa recomendação feita por um profissional qualificado.

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As instituições financeiras, por sua vez, têm o desafio de se diferenciar e encontrar novas formas de chamar atenção dos investidores. Isso quer dizer que vão ganhar o jogo aquelas que oferecerem o melhor serviço de assessoria, conhecerem melhor e entenderem as necessidades e o momento de vida deles. O beneficiado, mais uma vez, é o cliente, que terá um suporte cada vez mais personalizado.

As atualizações das regras da Anbima fazem parte de um movimento muito maior, puxado por mudanças significativas que vêm ocorrendo nos últimos anos no mercado financeiro. Do lado da oferta, a quantidade, a variedade e a complexidade dos produtos cresceram enormemente. Ao mesmo tempo, a chegada das plataformas digitais e a proliferação dos influenciadores da área de finanças — os chamados finfluencers — ajudaram a facilitar o acesso e a democratizar a informação. Esses processos, aliados às oscilações do cenário econômico brasileiro, contribuíram para o aumento de investidores nos últimos anos.

Os números falam por si. No final de 2018, os investidores brasileiros pessoa física, tanto no varejo quanto no private, tinham R$ 2,8 trilhões em aplicações. Esse montante aumentou 86% em cinco anos, alcançando R$ 5,2 trilhões em maio. A 6ª edição do Raio-X do Investidor, pesquisa feita pela Anbima em parceria com o Datafolha, mostra que o número de brasileiros com alguma aplicação financeira subiu de 31% em 2021 para 36% no ano passado.

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O cenário não é diferente quando fazemos um recorte apenas nos fundos de investimento. O patrimônio líquido dessa indústria, que, em dezembro de 2018 somava R$ 4,6 trilhões, fechou o primeiro semestre de 2023 em R$ 7,7 trilhões. Para dar uma dimensão do que isso significa, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2022 foi de R$ 9,9 trilhões.

Diante de tantas mudanças, as normas que regem o mercado não poderiam ficar alheias, sob o risco de deixarem de refletirem a realidade e aumentarem a insegurança jurídica. Como decidir o que pode e o que não pode e quem está certo ou errado se possíveis eventos não estiverem previstos na regulação? Regras desatualizadas são sempre uma trava para o crescimento econômico e geram ineficiências, com os prejuízos que sempre as acompanham.

Felizmente, o cenário no Brasil é bem diferente. Por aqui, a parceria forte entre reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e autorreguladores, como a Anbima, além do diálogo aberto com as instituições financeiras, têm garantido que as regras de distribuição avancem de mãos dadas com a transformação do mercado. As novas normas vêm alinhadas ao que existe de mais moderno nos países com mercados maduros.

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A cooperação entre mercado e CVM na revisão das regras tem resultado em mudanças significativas em algumas das principais regulações publicadas recentemente. É o caso das Resoluções 178 e 179, divulgadas no começo deste ano, que tratam, respectivamente, da atividade dos assessores de investimento e da transparência da remuneração do intermediário na cadeia de distribuição. Entre os principais pontos, está a determinação de que os investidores sejam informados com clareza sobre as características essenciais da atividade e as remunerações de todos os agentes envolvidos, incluindo das instituições, com a exigência da divulgação, em sites ou páginas na internet, dessas comissões e dos potenciais conflitos de interesse existentes.

A transparência é sempre positiva para o investidor, que saberá exatamente onde está colocando o seu dinheiro e quanto cada agente da cadeia ganha com a aplicação dele.

O investidor de hoje não é o mesmo que o de uma década atrás. Estamos falando de pessoas com mais conhecimento e acesso a informações e que, por consequência, exigem explicações detalhadas antes de dar cada passo. A oferta evoluiu, e a demanda não ficou para trás. Por isso, estamos cumprindo sempre o nosso papel de garantir que a autorregulação e a regulação acompanhem esse processo e atendam às necessidades dos novos tempos.

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Zeca Doherty

Diretor-executivo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) desde 2012.