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*Por Christian Gazzetta
Na última semana, o token (LUNA) perdeu mais de 99% do seu valor de mercado. O ativo vinha de uma valorização impressionante, tendo atingido capitalização de US$ 40 bilhões em abril, e contava com o reconhecimento de importantes figuras do mundo cripto.
O colapso abalou a confiança em projetos semelhantes e deixou pouca esperança de recuperação para a TerraUSD (UST), a stablecoin associada ao LUNA.
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Neste artigo, buscamos explicar o que são stablecoins, qual a sua importância para o mercado cripto e quais são os principais ativos dessa categoria, explorando os diferentes sistemas e os riscos de cada um.
Por que as stablecoins existem e qual a sua importância
Mesmo os investidores mais arrojados mantêm alguma parte da sua carteira protegida da volatilidade do mercado. É comum manter um caixa em reais, dólares ou outro ativo líquido para usar nos momentos mais oportunos de compra, por exemplo, ou para rebalancear o risco do portfólio.
Em cripto, essa demanda é especialmente importante: com toda a volatilidade do mercado, é preciso ter uma forma rápida e barata de realizar os ganhos depois dos ciclos de alta e de se proteger das eventuais baixas.
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Mas a troca de criptoativos por moeda fiduciária envolve fricções. Além das taxas de saque cobradas por algumas corretoras, o usuário tem de arcar com as obrigações tributárias e regulatórias do seu país, o que envolve custos.
É por isso que as stablecoins são tão importantes: seu principal uso é oferecer a estabilidade de uma moeda fiduciária, em geral o dólar, mas “dentro dos muros” da economia cripto. Para isso, buscam manter sua cotação sempre próxima a US$ 1, o que pode ser feito de diferentes formas.
Como as stablecoins funcionam
Como a função de uma stablecoin depende, necessariamente, da estabilidade de preço, a prioridade dos seus desenvolvedores é criar um sistema que equilibre a oferta e a demanda pelo ativo.
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Stablecoins baseadas em reservas fiduciárias
A solução mais simples, com diversas aplicações similares no mercado tradicional, é manter reservas na moeda de referência. O USDT e o USDC são dois exemplos de destaque: seus emissores mantêm uma conta com dólares e outros ativos líquidos, como títulos de dívida, que deve ser sempre equivalente à quantidade emitida da stablecoin.
Para injetar dólares na economia cripto, os usuários compram unidades recém-criadas do criptodólar de sua escolha; para reinserir esses recursos na economia tradicional, os criptodólares são destruídos e o usuário é pago em moeda fiduciária.
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Além de simples, este sistema conta com um longo histórico de aplicações e com uma vasta base de conhecimento acumulado no setor financeiro. Havendo confiança nos emissores, o que pode ser facilitado com auditorias e boas práticas de governança, a solução costuma entregar bons resultados.
Mas é totalmente dependente da tal confiança que se tem no emissor: se os detentores da stablecoin desconfiarem que as reservas não são suficientes para servir de lastro à quantidade emitida, é provável que se desencadeie uma “corrida” para liquidar o ativo, podendo desvalorizá-lo com relação ao dólar.
Moedas baseadas em reservas cripto
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Uma forma de contornar o problema da confiança é substituir os gestores do lastro por contratos inteligentes, ou seja, por procedimentos que equilibrem automaticamente o valor das reservas com a quantidade emitida da stablecoin.
Mas não é trivial permitir que um contrato inteligente faça a gestão de reservas em moeda fiduciária, como o dólar. Por isso, as stablecoins descentralizadas costumam ter reservas em cripto, com o desafio adicional de proteger o colateral da volatilidade.
Este é o caso da MakerDAO, por exemplo, a plataforma por trás da stablecoin DAI. Seu sistema combina a emissão de DAI com um mercado de crédito:
- Para tomar um empréstimo de 100 DAI (o equivalente a US$ 100), um usuário coloca o equivalente US$ 150 em criptoativos como garantia;
- A plataforma retém a garantia, emite 100 DAI e os empresta ao usuário;
- Ao decidir finalizar o empréstimo, o tomador paga o montante devido;
- Ao final do pagamento, o colateral é liberado;
- Caso o empréstimo não seja pago ou se o valor das reservas cair a ponto de não cobrir o valor do empréstimo, a plataforma vende o colateral.
Um problema desse sistema é que, como as reservas sofrem variações de preço, o sistema demanda uma margem adicional: o usuário só consegue pegar emprestado 67% do valor que ele oferece como garantia.
Há, ainda, desafios técnicos, em especial o de liquidar rapidamente e com baixo custo as garantias para assegurar a integridade do sistema quando o preço dos ativos em reserva se deteriora rapidamente.
Mas o sistema tem acumulado um bom histórico: a DAI é uma das maiores e mais estáveis stablecoins do mercado, tendo mantido sua paridade com o dólar mesmo em momentos de extrema volatilidade do mercado, como em novembro de 2021 e em maio de 2022.
Esta terceira abordagem busca manter o criptodólar estável sem lidar com os desafios das reservas. Seu principal exemplo é o UST, uma stablecoin associada ao token LUNA que funciona na blockchain Terra.
Nesse sistema, não há um “cofre” com os ativos de reserva. A plataforma emite e destrói UST de acordo com a demanda:
- Para obter 100 UST, o usuário entrega o equivalente a US$ 100 em LUNA;
- O algoritmo imediatamente cria 100 UST, entrega para o usuário e destrói os tokens LUNA dados como pagamento.
Para resgatar LUNA, basta fazer o caminho inverso: o usuário entrega 100 UST, que serão destruídos, em troca do equivalente a US$100 em LUNA na forma de novos tokens que serão emitidos para esse fim.
A principal vantagem deste sistema é não depender de reservas líquidas, ou seja, de grandes quantias de dinheiro parado para honrar os eventuais resgates. Diferentemente do que ocorre com as reservas do USDC, USDT, DAI e de tantos outros criptodólares, os tokens LUNA lastreiam a oferta de UST sem precisarem ser entesourados.
Mas o sistema tem uma vulnerabilidade: se o preço de LUNA cair, comprometendo o nível de cobertura da garantia, ou se os usuários tiverem dúvidas sobre a sustentabilidade do projeto, podem preferir vender UST no mercado por menos de US$1; o descolamento de preço pode gerar desconfiança sobre o mecanismo de equilíbrio do sistema, o que pressiona o preço ainda mais.
Foi exatamente isso que aconteceu na última semana: quando um grande número de usuários decidiu se desfazer dos seus UST. A pressa para vender UST os fez aceitar preços cada vez menores, o que levou a cotação a menos de US$ 0,40.
Isso fez com que surgisse uma oportunidade de arbitragem: era possível comprar UST com “desconto” e convertê-lo em novos tokens LUNA, que eram vendidos no mercado. Essa venda impulsionava ainda mais a queda e contribuía para a crise de confiança, levando à mecânica conhecida como “espiral da morte”.
Conclusão
Com as stablecoins exercendo um papel cada vez mais relevante e se diversificando em termos de tecnologia e modelo econômico, o episódio protagonizado pelo UST dificilmente será a última crise de stablecoins descentralizadas. Essas tecnologias são recentes e se encontram, todas, em fase experimental, o que exige certos cuidados ao lidar com elas.
Por isso, assim como em qualquer outro investimento, é importante que o investidor faça a diligência para alocar seu capital, com a devida compreensão sobre os riscos e benefícios associados.
*Redator da Hashdex formado em Economia pela UFRJ, se dedica a aprender e ensinar sobre cripto desde 2017. Nos últimos anos, dirigiu grupos de estudo e palestrou em eventos como a Bitconf, além de organizar debates e palestras com representantes de entidades como IBM, CVM, ITS Rio, Mercado Bitcoin e Foxbit.
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