Os criptoativos estão mais parecidos com as ações?

Com avanços na tecnologia e no cenário regulatório, estão se disseminando modelos econômicos baseados em fluxos de caixa para o investidor

Hashdex

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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*Por Christian Gazzetta

“Cripto não tem valor intrínseco” é um argumento frequente dos críticos. Em termos simples, isso significa que ativos como o Bitcoin (BTC) não geram renda para os seus detentores, como os dividendos das ações e os aluguéis dos imóveis – mas essa afirmação está cada vez mais restrita dentro do universo de cripto.

Hoje em dia, com avanços na tecnologia e no cenário regulatório, estão se disseminando modelos econômicos baseados em fluxos de caixa para o investidor. Veremos, a seguir, as principais novidades neste sentido e os possíveis desdobramentos para o setor.

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O Merge do Ethereum

Até meados de setembro, o ether (ETH) era, assim como o bitcoin, um ativo sem mecanismos intrínsecos de geração de rendas para o seu detentor. Os mineradores eram remunerados pelos seus equipamentos, pela eletricidade utilizada e demais custos, mas não havia qualquer incentivo para que eles detivessem ETH ao longo do tempo.

A transição do Ethereum para o Proof-of-Stake mudou radicalmente este cenário. Agora, os validadores da rede precisam manter ETH travado (em stake) para atuar provendo segurança para a rede, sendo remunerados com novos tokens recém-emitidos. Ou seja: o Ether em stake passou a ser um ativo gerador de fluxos de caixa, o que lhe confere o chamado “valor intrínseco”.

O Proof-of-Stake oferece uma série de vantagens:

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● Exige muito menos recursos físicos e conhecimento técnico;
● Com menores custos para o validador, permitiu reduzir a inflação do ETH em cerca de 90% com a implementação do Merge;
● Os validadores não precisam mais despejar suas recompensas inflacionárias para honrar gastos em moeda local;
● E o Ether passou a poder ser valorado pelo método de projeção de fluxos de caixa, consagrado no mercado de ações.

Este último item é de especial importância para a redução da volatilidade do ativo no longo prazo. Com métodos estabelecidos para a valoração do ETH, as discordâncias dos investidores deverão se limitar aos fatores de crescimento e à taxa de desconto, propiciando um ambiente de menos incerteza para o investidor.

Real Yield

Ao mesmo tempo, o ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi) tem cada vez mais exemplos de ativos geradores de fluxos de caixa. A tendência é fortalecida pelos aprendizados com o último ciclo desse segmento.

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O crescimento de DeFi em 2020-21 fora impulsionado por incentivos em tokens para os usuários de aplicativos financeiros descentralizados. Mas esse sistema se provou pouco sustentável: não havendo incentivos específicos para o detentor do ativo, em geral, as recompensas eram liquidadas imediatamente para a realização de lucros.

Mais ainda: como os incentivos eram baseados em inflação, ou seja, na emissão de novos tokens, aqueles que decidissem mantê-los na carteira tinham o valor de seus ativos diluídos constantemente – a menos que fizessem staking desses tokens nos protocolos subsidiados pela inflação.

Alguns empreendedores entenderam a falha e começaram a desenvolver sistemas de real yield (‘rendas reais’), ou seja, fluxos de caixa em ativos líquidos, como ETH e USDC, gerados a partir da própria atividade do aplicativo – em geral, baseados nas taxas que os usuários pagam pelo uso da solução tecnológica em questão.

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O real yield apresenta vantagens importantes:

● É um modelo de crescimento mais sustentável do que as recompensas dependentes de inflação;
● Atrela diretamente a tração da tecnologia ao retorno financeiro do investidor; e
● Pagando em tokens de capitalização multibilionária, reduz os riscos de uma “espiral da morte” entre preço do token e adoção do aplicativo.

O “movimento real yield” tem se manifestado em novos projetos, que nascem já munidos de sistemas de distribuição de receitas, mas também na evolução de projetos já estabelecidos – como o Synthetix, um dos pioneiros no uso de incentivos inflacionários.

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Oportunidades e riscos

Os tokens com rendas reais podem aproveitar aprendizados do mercado de ações para o mundo cripto, contribuindo com um longo histórico de validações e a experiência de um grande número de especialistas.

Em comparação com o sistema tradicional, a transparência das blockchains deve desbloquear eficiência dos mercados: com visibilidade em tempo real das atividades de cada aplicativo, será possível entender mais rapidamente os fatores formadores de preço e reagir a eles.

Mas não é só às vantagens do “real yield” que devemos dar atenção.

A transparência absoluta tem o possível efeito colateral de ampliar a volatilidade do mercado, ao abrir espaço para que reações precipitadas dos investidores gerem efeitos desproporcionais de preço.

A reconhecida ganância do mercado também poderá trazer efeitos negativos:

Se os investidores focarem em “rendas reais” como métrica para escolher projetos, estes se verão obrigados a distribuir uma fatia muito grande das receitas em detrimento da formação de caixa – reduzindo a capacidade de autofinanciamento do projeto.

Conclusão

Conforme o universo de cripto evolui e estreita suas conexões com o mercado financeiro tradicional, podemos aplicar com crescente confiança os conceitos já consagrados para valorar os ativos dessa classe emergente.

Com a implementação de incentivos econômicos que, na prática, passam a fornecer fluxos de caixa para os detentores de ativos digitais, cripto tem o potencial de se tornar mais atraente para os investidores – principalmente àqueles que já estão acostumados com classes de ativos mais tradicionais, como ações.

Assim, dado o potencial de incentivo à adoção de forma muito mais sustentável no médio e longo prazos, os próximos anos dirão se o ‘real yield’ será a nova febre do mercado ou apenas mais uma inovação importante no desenvolvimento da Web3.

*Redator da Hashdex formado em Economia pela UFRJ, se dedica a aprender e ensinar sobre cripto desde 2017. Nos últimos anos, dirigiu grupos de estudo e palestrou em eventos como a Bitconf, além de organizar debates e palestras com representantes de entidades como IBM, CVM, ITS Rio, Mercado Bitcoin e Foxbit.

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Maior gestora de criptoativos da América Latina, já desenvolveu diversos produtos de investimento regulados. É pioneira no setor, tendo lançado o primeiro ETF de cripto da B3, a bolsa brasileira, e o primeiro ETF de índice de cripto do mundo, o HASH11, em parceria com a Nasdaq.