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Google, Facebook e Amazon e os novos desafios do mercado de anúncios digitais

O aumento da pressão popular por maior proteção à privacidade digital vai transformar o setor
Por  Maria Antonia Viuge, Roberto Vinhaes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O segmento de anúncios digitais passa por transformações profundas. Com um crescimento de 35% nas receitas em 2021, esse mercado cresce de forma exponencial desde os anos 2000.

Uma das bases de sustentação desse crescimento foi a capacidade de coletar dados sobre usuários, a partir de diversas fontes e, assim, conseguir entregar propagandas personalizadas com alto poder de conversão.

Esse acesso se consolidou como o normal da indústria e gerou altíssimos lucros para seus maiores players, assim como maior retorno sobre investimento de empresas compradoras de anúncios.

Por outro lado, resultou num amplo debate acerca da privacidade online e os limites do alcance das gigantes do advertising. Por essa razão, esse modelo vem sendo contestado por autoridades europeias e norte-americanas, que buscam medidas regulatórias para proteger os usuários. O impacto sobre as empresas do setor promete ser bastante significativo.

Hoje, o grau de granularidade dos dados dos usuários acessados pelos anunciantes é definido pelos canais por meio dos quais sites e aplicativos são acessados. Cabe a essas plataformas – browsers e sistemas operacionais (OS) de celulares – impor limites à coleta de informações.

Com o aumento da pressão popular por maior proteção à privacidade digital e a escalada da regulação no setor, grandes mudanças foram implementadas: na open-web (partes públicas da web), third-party cookies (explicaremos abaixo) vêm sendo eliminados, e nos celulares, os identificadores de dispositivos vem sendo obliterados, como o Apple IDFA (Identifier for Advertisers).

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Isso permite que um anunciante seja notificado quando o usuário de um telefone realizar uma ação como clicar em seu anúncio em um navegador e, em seguida, instalar, usar ou interagir com anúncios em seu aplicativo.

A indústria deve migrar de um modelo user-centric – em que dados são colhidos e analisados em um nível individual – para outro em que usuários são agregados em grupos semelhantes de comportamento e o caráter pessoal de um dado – que o faz sensível – é eliminado.

Haverá uma perda de eficiência na conversão de campanhas publicitárias, com repercussões negativas sobre os preços de anúncios. O impacto disso deve se manifestar de forma heterogênea sobre os players do setor.

A eliminação dos third party cookies – essencialmente linhas de textos com palavras-chave que podem ser inseridas nos hard drives dos usuários e permitem que as empresas anunciantes tenham acesso ao histórico e comportamento dos consumidores – vai transformar o setor.

Os navegadores Safari, da Apple, Firefox, e Chrome, do Google, já confirmaram que a versão de fábrica de suas plataformas desabilitará de forma automática os third party cookies.

Com mais de 60% de market-share, o Chrome é o navegador dominante do mercado, e sua decisão terá impacto profundo sobre a indústria de anúncios digitais.

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Bloquear cookies sem outra maneira de coletar dados relevantes sobre os usuários reduz significativamente a capacidade de os anunciantes desenvolverem ads personalizados – em torno de 52% segundo estudo do Google – diminuindo seus ganhos e inviabilizando o modelo de free services sobre o qual a internet foi constituída.

Diante disso – e do interesse de preservar o seu poder –, o Google, por meio do chamado Privacy Sandbox, anunciou alternativas aos third-party cookies a serem implementadas até o final de 2023, quando esse recurso será extinto.

Isso não significa que o Google deixará de coletar nossos dados e usá-los em anúncios personalizados, mas agora ele não mais o fará através da coleta de dados individuais dos usuários (estes, a empresa ainda terá à sua disposição através do enorme volume de first-party data coletado pelos próprios canais).

Caso a personalização de anúncios em nível granular se mostre inviável com a obliteração do IDFA e a extinção dos cookies, os anunciantes serão incapazes de calcular o ROI e alocar suas campanhas publicitárias com precisão. O resultado disso é que, em uma base relativa, um anunciante estaria exposto a usuários economicamente menos valiosos.

A variável de ajuste nesse caso seria o preço dos anúncios, que é definido via leilão. Com anúncios menos personalizados, as taxas de conversão de tráfego tendem a despencar: há uma chance menor de usuários clicarem em anúncios segmentados, e mesmo aqueles que o fizerem serão monetizados a uma taxa inferior. O estoque de publicidade disponível será menos disputado, isto é, anunciantes farão lances menores diante da perda de valor de suas campanhas.

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O ponto central é que alterações sutis nas taxas de conversão de campanhas precisam ser compensadas por quedas abruptas no valor do CPM (cost-per-mile impressions) de modo a tornar economicamente viável qualquer campanha, impactando diretamente as receitas do setor.

Ainda, os chamados “performances advertisers” fazem lances por interações, ou conversões, em um modelo CPA (cost-per-action). Diferente de um leilão convencional, que funciona apenas via preços, aqui outros fatores são considerados. Afinal, a plataforma de anúncios deseja dispará-los com a maior taxa esperada de conversão. É exatamente a ponderação entre o lance oferecido e a probabilidade de conversão que define o vencedor do leilão. No entanto, a falta de visibilidade decorrente da perda da capacidade de rastrear usuários cria um empecilho a esse modelo ao reduzir essa probabilidade de conversão, fazendo com que um anunciante acabe pagando por mais impressões que não serão convertidas em ações.

Obviamente, nenhum player do setor atravessará incólume essa tempestade. Os efeitos sobre eles, contudo, devem se manifestar de maneira não homogênea, a depender da abundância de first-party data coletada e do tipo de anúncio por eles distribuído.

Empresas como o Twitter, por exemplo, pouco serão afetadas, já que cerca de 85% de seus negócios estão ligados à geração de reconhecimento de marca, e não a estimular o consumidor a agir, como plataformas de direct response ads, que têm seu valor derivado da precisão no posicionamento e medição de campanhas.

A Insider Intelligence estima que 64% do orçamento de anúncios digitais dos Estados Unidos ficou dividido entre Google, Facebook e Amazon em 2021. Considerando as mudanças em curso, parece que Facebook será o mais negativamente afetado por elas e a razão é que terão o cerne de seu negócio abalado: o alto nível de detalhamento na formação de perfis de interesse de seus usuários – tão útil para criar grupos de audiência semelhantes que respondem a anúncios e conteúdos de forma semelhante – será obstruído pela ATT (App Tracking Transparency).

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Como player dominante (non-search) de direct response ads, a fundamental capacidade de medir o ROI de campanhas publicitárias será limitada quando a conversão ocorrer fora de seus domínios. É por isso que o maior impacto sobre a empresa deve se manifestar nos anúncios posicionados em propriedades de terceiros via Facebook Audience Network. Na divulgação do último resultado trimestral, o CFO projetou para 2022 um impacto provocado pela ATT da ordem de $10 bi sobre as receitas, cerca de 8,5% das receitas do ano passado.

Os players de search, tais como Google e Amazon, por sua vez, gozam de uma vantagem competitiva fundamental: eles não precisam descobrir no que um usuário está interessado porque ele já faz o favor de dizer isso à empresa ao pesquisar. As chances de ele estar querendo comprar um tênis de corrida são bastante altas se ele estiver pesquisando por “tênis de corrida”.

Como uma das grandes ganhadoras do mundo pós-ATT, a divisão de anúncios da Amazon cresceu quase 60% em 2021, atingindo uma receita anual de 31 bilhões de dólares, 3 vezes as vendas combinadas de Twitter, Pinterest e Snapchat.

Em uma situação muito diferente daquela enfrentada pelo Facebook, a empresa não enfrenta restrição alguma à coleta de dados sobre o comportamento dos usuários: toda a coleta de dados, direcionamento de anúncios e conversão acontecem em seu próprio domínio, seja no site amazon.com ou no aplicativo Amazon.

Em vantagem semelhante está o Google, apesar do impacto dessas transformações em seu negócio de posicionamento de anúncios em domínios de terceiros. A empresa não é somente a ferramenta de buscas dominante ao redor do mundo, mas conta também com uma família de apps amplamente usados que a abastecem de uma enormidade de first-party data. Mais do que nunca, ter acesso a fontes primárias de dados é uma vantagem competitiva fundamental.

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