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*Por Christian Gazzetta
No dia 13 de junho, o valor do mercado de criptomoedas furou o limiar de US$ 1 trilhão pela primeira vez desde fevereiro de 2021. O market cap global do setor agora oscila próximo de US$ 930 bilhões, uma queda de mais de US$ 2 trilhões desde a sua máxima histórica registrada em novembro de 2021, quando o valor total do mercado ultrapassou a marca de US$ 3 trilhões.
Ao explicar essa derrocada que eliminou mais que dois terços do valor conjunto de todas as criptomoedas, analistas apontam como o principal culpado o ambiente macroeconômico desfavorável – marcado pelo o início de um ciclo de alta de juros nas principais economias do mundo e a reversão das iniciativas que garantiram a liquidez da economia global durante a pandemia.
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A cruzada do Fed contra a crescente taxa de inflação nos EUA é, de fato, o principal driver dessa queda, mas quem acompanha o mercado de cripto com maior atenção tem observado uma dinâmica interna preocupante, sem relação direta ao ambiente macroeconômico ou aos mercados tradicionais.
O fim do vento de popa da recuperação global que veio na esteira da pandemia de 2020 expôs a fragilidade e falta de transparência do setor financeiro do mercado de cripto, que agora compromete o valor dos demais tokens.
Para melhor entender esse ponto de pressão, é necessário voltar para o 3º trimestre de 2020. O verão do hemisfério norte desse ano entrou para a história como o DeFi Summer (portugês: verão das finanças descentralizadas), um período em que a tecnologia blockchain concretizou uma alternativa promissora ao setor financeiro tradicional, o DeFi. O setor é puxado principalmente, por protocolos de empréstimos que funcionam de forma autônoma e de acordo com as regras programáticas do seu blockchain.
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A criação desses protocolos abertos, descentralizados e sem intermediários antecede o 3º tri de 2020, mas foi durante esse período que o valor investido nos pools de liquidez, montante usado para conceder empréstimos e pagar juros, desse setor cresceu por um fator superior a 50x.
Junto aos protocolos de DeFi, surgiram as empresas financeiras do mundo de cripto, geralmente chamadas de CeFi (portugês: finanças centralizadas) que, assim como os bancos nos mercados tradicionais, pagam juros a poupadores e oferecem empréstimos para mutuários, mas usando criptomoedas no lugar de moedas fiduciárias.
Hoje, as duas modalidades (CeFi e DeFi) atuam em paralelo no universo de cripto, com empresas de CeFi configurando como uma das principais fontes de investimento para os projetos de DeFi.
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As stablecoins (português: moedas estáveis), criptos com valor atrelado a um moeda fiduciária, atuam como um pilar central para esse universo financeiro alternativo, possibilitando investimentos e empréstimos que não estão sujeitos à volatilidade das criptomoedas tradicionais.
À medida que o mercado de cripto cresceu, complicou-se o embaraçoso relacionamento entre empresas de CeFi e protocolos de DeFi. Em paralelo, cresceu a complexidade dos instrumentos financeiros utilizados pelos mesmos, contemplando tanto as moedas estáveis quanto as criptos tradicionais.
Empresas de CeFi passaram a oferecer juros altos a depositários em busca de mais capital, assumindo elevados níveis de risco para garantir esse retorno. Como o mercado de cripto ainda está sujeito a pouquíssimas regulamentações, tudo isso ocorreu sem as garantias e a vigilância de autoridades do Estado que atuam no setor financeiro tradicional. Olhando pelo retrovisor, torna-se óbvio que eventualmente viria um acerto de contas.
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O primeiro dominó a cair foi a plataforma do TerraLabs, que fomentou a adoção da sua moeda estável algorítmica, TerraUSD (UST), através do Anchor Protocol, uma plataforma de DeFi que recebia depósitos de UST.
Quando os juros oferecidos pelo Anchor, que atingiram ≈ 20% no seu ápice em abril, começaram a cair devido à disparidade entre poupadores e mutuários na plataforma, um fluxo enorme de saques (US$ 2,3 bilhões em cerca de 3 dias) expôs a fragilidade do algoritmo que garantia a paridade do UST com o dólar. O TerraLabs usava uma criptomoeda tradicional , o Luna, em um sistema de arbitragem, oferecendo o equivalente a US$ 1 em tokens do Luna por cada UST e vice-versa.
O fluxo de saques causou congestionamento na blockchain Terra, levando exchanges a suspender saques e as suspensões, por sua vez, geraram pânico entre investidores. Enquanto isso, o sistema de arbitragem do Terra cunhava uma quantidade enorme de Luna, enquanto investidores buscavam uma rampa de saída para se livrar das suas posições em UST.
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Eventualmente, investidores perderam confiança na moeda estável. Como consequência, em menos de uma semana, tanto o UST quanto o Luna perderam quase todo seu valor.
Enquanto os seus tokens despencavam, o Terra vendia a sua reserva de 80.000 bitcoins em uma tentativa inexitosa de defender a paridade do UST, exercendo pressão vendedora sobre o preço da mais valiosa criptomoeda e, com isso, assustando os investidores de cripto.
Na semana passada, pouco mais de um mês após a queda catastrófica dos tokens do TerraLabs, a Celsius Network, uma das maiores plataformas de CeFi do mundo, anunciou um congelamento de saques devido a “condições extremas de mercado.”
Segundo The Block Research, a Celsius enviou pelo menos 261,000 ETH ($535 milhões em preços atuais) ao Anchor em 2022. O vínculo entre a Celsius e o Anchor alarmou investidores, causando uma queda repentina no preço do seu token nativo, o Cel, no início de maio.
O token recuperou parte das suas perdas, mas a plataforma ainda sofre com problemas de liquidez devido a posições concentradas em ativos com baixa liquidez, como stETH (Staked Ether), uma representação de tokens de Ethereum (ETH) travados até que a atualização da rede Ethereum seja implementada, um evento que já sofreu vários atrasos.
Desde então, o Three Arrows Capital (3AC), um dos maiores hedge funds focados em cripto (US$ 3 bilhões de AUM), revelou que pode se tornar insolvente. O fundo tinha uma posição de US$ 200 milhões de Luna.
Hoje (17), outras duas plataformas de CeFi, Babel Finance e Finblox, revelaram congelamentos ou limitaram saques, ambas contagiadas pela ameaça de insolvência da 3AC.
Não há como prever quantos fundos e plataformas ainda podem ser contaminados, quais conseguiram se reerguer e como esse contágio afetará o mercado de cripto como um todo.
O que é certo é que esse mercado contempla uma longa lista de entidades que agem como bancos (CeFi), sem nenhuma das salvaguardas e proteções oferecidas aos investidores que fazem depósitos em instituições financeiras tradicionais. Essa falta de regulamentação e monitoramento por órgãos reguladores pode custar caro para investidores.
Uma iniciativa regulatória compreensiva, que busca endereçar alguns desses riscos desproporcionais, foi apresentada no Senado dos EUA semana passada. O projeto aborda, por exemplo, regras para os valores que lastreiam as moedas estáveis – uma clara resposta à perda de paridade do UST.
Como o projeto ainda se encontra no início do seu trâmite, os riscos revelados pela atual crise do setor financeiro devem influenciar o seu escopo e rigidez, à medida que a legislação vai tomando forma durante a sua passagem pelo Congresso Americano. Quanto pior for a crise, mais restritivo será o arcabouço regulatório para ativos digitais na maior economia do mundo.
Trata-se de um balanço delicado que tenta proteger investidores sem sufocar a inovação. A primeira fala oficial da Secretária do Tesouro Americano, Janet Yellen, a respeito de ativos digitais, realizada no início de abril, abordou esse dilema.
“Alguns proponentes falam como se a tecnologia fosse tão radical e benéfica para a transformação que o governo deveria recuar completamente e deixar a inovação seguir seu curso. Por outro lado, os céticos vêem valor limitado nesta tecnologia e defendem que o governo adote uma abordagem muito mais restritiva”, ponderou Yellen.
As palavras de Yellen refletem o resultado incerto desse debate, mas o que já é certo é que a atual crise vivida pelos setores de DeFi e CeFi terá um papel definitivo na definição do futuro da regulamentação das criptomoedas nos EUA e no resto do mundo. No momento, só podemos torcer para que essa aprendizagem não seja fruto de ainda mais sofrimento dos investidores de cripto.
*Redator da Hashdex formado em Economia pela UFRJ, se dedica a aprender e ensinar sobre cripto desde 2017. Nos últimos anos, dirigiu grupos de estudo e palestrou em eventos como a Bitconf, além de organizar debates e palestras com representantes de entidades como IBM, CVM, ITS Rio, Mercado Bitcoin e Foxbit.