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Uma das constatações da experiência corporativa é a de que a vantagem de não ser pioneiro torna os investimentos mais baratos, além de haver menos risco de falhas de implantação. Naturalmente, a desvantagem é estar sempre atrasado em relação a quem entendeu e aceitou o risco do pioneirismo.
Num mundo cada vez mais propenso a aceitar esses riscos, é preciso separar o joio do trigo na hora de colocar esforços em soluções inovadoras. Muitas vezes, elas não estão no momento certo para surgir. Ou também não há mercado para grandes revoluções, que muitas vezes surgem ao acaso.
Mas em tantas outras situações, é um trabalho de construção, especialmente quando se tem o controle e a capacidade de manejar os instrumentos.
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Se, numa indústria aberta à competição e com poucas barreiras de entrada, a realidade é de selva, onde você pode ser abatido por outro competidor a qualquer momento, em setores fechados a condição é menos agressiva. É o caso do futebol.
Na semana que passou, tivemos alguns casos interessantes e que mostram como a realidade do futebol brasileiro ainda está distante da capacidade de pensar o negócio de forma organizada, preferindo soluções “pioneiras”, mas desconexas da realidade.
O primeiro caso envolve a Inter de Milão e o Botafogo. Não, o clube carioca não será comprado pela atual campeã italiana. Mas a conversa seguirá justamente pela linha do controle acionário.
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Desde o início do ano, o grupo chinês Suning, acionista majoritário da Inter de Milão, foi ao mercado atrás de um sócio minoritário. Alguém que aportasse recursos no clube para estabilizar a situação econômico-financeira, fragilizada por conta dos efeitos da pandemia.
Receitas em queda e custos que cresceram na montagem de um elenco forte e que conquistou a Serie A depois de 11 anos: esta combinação tornou a gestão complicada, com postergações de pagamento de salários e negociações para eventuais reduções permanentes.
Ajuda no processo o fato de o grupo Suning estar passando por dificuldades na China em função da queda de demanda no setor de varejo, onde ele atua.
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Tanto que o conglomerado decidiu encerrar negócios não relacionados a atividade central, como o futebol local – o clube Jiangsu FC – e a operação de streaming esportivo PPLLive Sports, que cancelou seu contrato com a Premier League por falta de recursos, pois a operação ainda estava em crescimento e demandava muito dinheiro.
Pois bem, o Suning recebeu várias propostas para a venda da Inter, de participações minoritárias à venda integral, que não foram adiante porque os chineses valorizavam a equipe italiana acima de € 1 bilhão e os investidores fizeram propostas ao redor de € 800 milhões.
Até mesmo a conquista da Serie A não resolveu os problemas, de forma que a solução encontrada foi tomar um empréstimo junto ao fundo Oaktree Capital (Brookfield) de € 275 milhões para ser pago em três anos, dando como garantia 55% das ações do clube nerazzurro.
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Esse é o tempo necessário para que haja uma negociação de venda mais vantajosa para o Suning, que espera melhorar resultados com a retomada de atividades na próxima temporada, quando inclusive o clube joga a Champions League com expectativas mais animadoras.
Caso, ao final do terceiro ano o clube não consiga pagar a dívida, o Oaktree Capital pode executar a garantia e se tornar dono do clube. Essa seria uma operação bastante vantajosa, considerando que nessa condição, o clube seria “comprado” por € 500 milhões e não pelo € 1 bilhão inicialmente pedido por Steven Zhang, presidente do clube.
A necessidade move montanhas. E a negociação coloca pressão para uma solução estruturada. Quando você não tem todas as cartas na mão, não adianta bater o pé nas suas condições. A ideia era vender por um valor maior, mas não havia comprador. A solução foi tomar um empréstimo para buscar o ganho futuro, mesmo correndo um risco de “perder” o controle por um valor menor. Os chineses optaram por ganhar prazo, mas operando nas condições do mercado.
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E essa é uma coisa que não acontece no Botafogo.
O clube há anos vive de um passado distante (mas bem distante mesmo), com enormes problemas de endividamento, baixas receitas, atrasos de vários tipos. Então, surgiu a ideia de que haveria uma transformação da associação em empresa, numa S/A. E essa seria a solução de todos os problemas.
Maravilha.
Tivemos business plan, projeto, evoluções de captação, mas no final não deu certo. Depois, iniciaram outro projeto que, conforme o jornalista Rodrigo Capelo apresentou recentemente em seu blog e no programa Redação SporTV, contém uma série de condições mínimas de desempenho do clube quando ele passar às mãos de um novo dono, algo que torna a operação praticamente inviável.
Por um lado, há condições importantes, como a exigência de aporte mínimo, de renegociação prévia das dívidas, vedação a aumento de endividamento. Condições assim são essenciais num cenário de venda, para garantir uma passagem minimamente organizada e para alguém que tenha capacidade financeira.
Mas por outro lado, há exigências de desempenho esportivos surreais, como não aceitar rebaixamento, exigir título importante em até 10 anos, ou alguns vice-campeonatos consecutivos. Quebrar essas condições significa que a associação tem o direito de recomprar o clube por R$ 1,00.
Algumas contas de padaria: o clube fatura R$ 150 milhões anuais, o que deveria lhe permitir uma folha salarial máxima de R$ 100 milhões, para que sobrem recursos para pagar as dívidas já renegociadas. Um clube que almeja a conquista dos campeonatos importantes precisa ter, pelo menos, uns R$ 200 milhões de gastos salariais.
Para atingir esse valor, estamos falando de aportes anuais na casa dos R$ 100 milhões. Isso porque as receitas não vão triplicar do dia para a noite, por mais que o business plan aponte para isso.
Lembre-se: a planilha aceita tudo! E aquelas receitas que o clube pode movimentar esforços para crescer – Marketing, Bilheteria, Sócio Torcedor – representam pouco no total. É ilusório acreditar em saltos relevantes de receita no futebol.
Além disso, para tornar a equipe competitiva ao ponto de ser esportivamente relevante, seria necessário investir uns R$ 250 milhões em elenco, sem contar a recorrência de investimentos em categorias de base da ordem de uns R$ 25 milhões, fonte de atletas para a equipe, mas também para negociações.
Ou seja, falamos aqui num investimento total nos cinco primeiros anos de algo como R$ 1,2 bilhão, considerando o aporte inicial para reduzir dívidas. Ok, vamos arredondar para R$ 1 bilhão. Ou seja, algo como seis vezes a receita inicial, para que, ao final desses cinco anos, o clube atinja uns R$ 225 milhões de receitas, ou seja, quatro vezes o valor pago.
E, ainda assim, sem a garantia de que isso seja suficiente para transformar o clube em competitivo. Seria a 8ª ou 9ª maior receita do Brasil.
Quem precisa de dinheiro e mudança real de estrutura para sobreviver não pode colocar tantas amarras e condições numa negociação. É preciso buscar alternativas reais, que não sejam baseadas em premissas e desejos que não fazem o menor sentido prático.
O Suning topa correr riscos, mas o Botafogo quer garantia de glórias.
Vamos para o segundo caso da semana, que é sobre direitos de transmissão de futebol.
Tivemos informações na imprensa de que os clubes do Rio de Janeiro não receberão premiações pelo Campeonato Carioca. Muitos deles receberão valores irrisórios ou pouco relevantes, especialmente comparados ao modelo anterior ou mesmo à proposta da Globo para 2021.
Enquanto isso, o Campeonato Paulista distribuirá, no mínimo, R$ 6 milhões para os clubes, chegando a R$ 35 milhões para o campeão. Mas, como o contrato vence neste ano e a Globo já avisou que quer reduzir os valores pagos, a Federação Paulista de Futebol já iniciou conversas para uma negociação fatiada dos direitos, mantidos ainda sob gestão centralizada dela, seja para TV aberta, TV paga e pay-per-view/streaming.
“Ah, o Campeonato Paulista chama mais atenção, tem mais valor comercial”, “ah, mas o Campeonato Carioca está testando coisas novas, passa em 100 países, é vanguarda” … isso. E clubes grandes cariocas recebem R$ 3 ou 4 milhões enquanto o São Caetano recebe R$ 6 milhões, sem a propaganda de rede social que diz que podemos assistir um jogo entre São Caetano e Novorizontino num bar em Nova York.
Enquanto em São Paulo a federação busca uma solução que abarque as melhores práticas das ligas europeias, acomodando todos os interesses, no Rio de Janeiro optaram pelo pioneirismo, aquele que funciona bem nas apresentações de PowerPoint, mas que reverte pouquíssimo no caixa dos interessados. Pior: os interessados não estão sob ataque, eles controlam o negócio.
Esses dois casos mostram como há distanciamento entre a realidade e o desejo. E que as distâncias na estrutura do futebol apenas seguem aumentando. Pioneirismo e inovação às avessas.
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