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Futebol e o negócio além das quatro linhas

Não dá para pensar em termos 120 projetos de clubes de Série A no Brasil. Mas dá para desenvolver muitos projetos interessantes para clubes que queiram apenas ser viáveis, entregar entretenimento e se relacionar com a paixão do seu torcedor
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Passado o feriado de Páscoa, voltamos à programação normal. Nesta semana, a coluna vai tratar do que está por trás de um investimento em clube de futebol e muita gente ainda não viu. Ou não sabe, mas fica com vergonha de dizer.

Já faz algum tempo que o futebol existe além das quatro linhas. Claro, óbvio e cristalino que tudo nasce no campo e a atividade futebol vive, depende e se alimenta de paixão. A relação primária é entre clube e torcedor. E temos que ter esta certeza antes de seguirmos com esta coluna: o que move o futebol é a paixão. Quanto mais nos distanciarmos dessa premissa, maior será a contribuição para que a profecia do fim do futebol se realize.

Dito isso, precisamos pensar no tema como um ecossistema, que simplifico abaixo:

O futebol nasce no clube e na relação com o torcedor, mas se alimenta da competição, que aporta outros clubes e torcedores na conta e isso se transforma em rivalidade, que é o combustível da paixão, e consequentemente, do futebol.

Quando os participantes desse mercado não conseguem concatenar esta lógica, pronto, temos um problema. Aliás, é o que vivemos ainda no futebol brasileiro, onde os clubes têm dificuldade em se organizarem numa liga, em aceitarem que um sistema externo de controle financeiro ajuda o desenvolvimento do negócio e que afastar o torcedor organizado e apoiar o torcedor “comum” é a forma mais eficiente de fazer o negócio prosperar. Enfim, algum dia, quem sabe, entenderemos e praticaremos essa lógica. E a falta dela também é um dos caminhos para que a profecia do fim do futebol se realize.

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Pensando num mercado ideal, num ecossistema que opere em equilíbrio, o futebol dentro de campo é a origem de tudo. Mas é possível desenvolvermos tantas atividades e negócios no seu entorno que o potencial de oportunidades é gigantesco.

Reside nesse entorno o segredo por trás da ideia de se lucrar com o esporte. Já escrevi sobre isso, falei em aulas, em entrevistas e tudo mais: não se deve entrar no futebol pensando em retirar dividendos para lucrar. A depender do modelo de negócios, é possível lucrar com boa formação e negociação de atletas. Mas, essencialmente, se ganha dinheiro na compra e venda eficiente. O que significa comprar clubes com potencial de desenvolvimento, desenvolvê-los e depois vende-los por um valor maior.

Como se faz isso? Primeiramente, claro, com uma equipe que seja capaz de promover bons espetáculos dentro de campo. Não necessariamente com atletas caros e famosos, mas com boa gestão esportiva, de formação de base e elenco, com cultura esportiva e eficiência. Jogar bem é proporcionar o que alimenta a relação com o torcedor. Vencer será sempre ótimo, mas o prazer de ver seu time praticando um bom jogo tem que estar acima disso.

E o que se faz com isso? Falar na produção de conteúdo e acessar ainda mais o bolso do torcedor já é algo conhecido. Natural que seja assim. O torcedor, como meio de relacionamento direto preso pela paixão, é quem alimenta direta e indiretamente um clube. E não falo da moda do fan token como solução para tudo, pois ele é apenas uma maneira de seguir o movimento de manada sem entender o que está acontecendo. Há outras maneiras de conseguir desenvolver um bom projeto de forma sustentável e ainda fazer dinheiro.

Dê uma olhada em duas palavras no esquema mais acima: turismo e lifestyle. O que eles têm a ver com o futebol? Tudo.

Não estou falando aqui de clubes grandes, com torcida, marca e apelo de mídia. Não estamos falando de um Chelsea, que está á venda por mais de € 3 bilhões, mesmo valendo perto de € 1,8 bilhão. Nem vou falar aqui da vaquinha que um dos interessados está fazendo junto a celebridades do esporte para angariar fundos e dividir as perdas de um negócio que jamais trará retorno financeiro pelo valor que está sendo pedido.

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Tampouco falo do Milan, clube clássico do futebol mundial e que está sendo comprado por € 1 bilhão pelo fundo Investcorp, mesmo valendo perto de € 600 milhões. Aqui ainda dá para entender a lógica: pago caro, mas nem tanto, tenho acesso a uma marca reconhecida e que pode dobrar de receitas facilmente com uma gestão mais arrojada e disposta a investir.

O tema são clubes de menor alcance e com potencial de explorar outras possibilidades. Falo de clubes como o Venezia e o Como, de cidades icônicas italianas e cujo projeto vai além do futebol, envolvendo relacionamentos diversos com as cidades e a sociedade.

Pense em projetos em cidades turísticas que recebem milhares (ou milhões) de pessoas anualmente. Pense que o futebol, num estádio confortável, pode ser um meio de divulgar ainda mais e de forma diferente cidades que são tomadas por turistas do mundo todo, como Veneza, ou de americanos alucinados pela dolce vita do lago de Como.

Projetos que nascem no futebol, mas que explodem em diversas possibilidades de receitas, com grupos, exploração de marca, construção de identidade além da bola. Ou melhor, a partir dela.

O estádio de Veneza é (ainda) arcaico, num país dominado por estádios ultrapassados. Entretanto, para chegar a ele tanto os torcedores como os adversários precisam utilizar barcos, gôndolas, marcas registradas da cidade, e isso vira vídeo, conteúdo, atração. Pacotes para ver partidas inusitadas são vendidos para turistas interessados no “vero calcio”. E os uniformes têm design pensado não apenas para o torcedor, mas para o turista que enxerga além do óbvio: uma camisa para usar sempre.

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Nesse sentido o Napoli ousou e iniciou uma parceira com a marca Armani, que desenha seus uniformes. O Milan recentemente lançou uma polêmica camisa 4 em parceria entre a Puma e a marca de streetwear Nemen.

O Como é da região do famoso lago, tomado por americanos no verão, e busca resgatar um tempo em que o futebol era parte da cidade. Agora, parte de um ecossistema em que o turista vai ao lago, visita Bellagio e ainda vê uma partida de futebol.

Quantos clubes no Brasil não podem ir além das quatro linhas e desenvolver projetos que envolvam turismo, uniformes interessantes que tenham característica de lifestyle e possam ser usados por torcedores de quaisquer clubes, possibilidades que nascem a partir da prática do futebol, mas que podem ir além da necessidade da conquista? Muitos.

Não dá para pensar em termos 120 projetos de clubes de Série A no Brasil, com todos querendo vaga na Libertadores e sonhando em disputar o Mundial de Clubes. Entretanto, dá para desenvolver muitos projetos interessantes para clubes que queiram apenas ser viáveis, entregar entretenimento e se relacionar com a paixão do seu torcedor.

O Brasil é rico em possibilidades, mas carece de quem tenha a capacidade de entender que nem todos vencerão, e que é preciso entregar o futebol para quem pode ir além da velha máxima “quarta-e-domingo”. Ela jamais deixará de existir, mas é possível pensar e ir além do óbvio.

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Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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