Entre a conquista e a venda: os modelos de negócios no futebol

O grande ponto é sempre o mesmo: aplicar boa gestão, a partir de um modelo de negócios bem estruturado, com planejamento e expectativas justas, sempre com paciência. Vale para a SAF, vale para a Associação. Vale para todos os torcedores

Cesar Grafietti

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Na sequência da coluna da semana passada, trataremos sobre modelos de negócios no futebol e como eles se encaixam à realidade do Brasil pós-SAF.

Já falei sobre isto em outras colunas, de forma mais genérica, antes de termos aprovados os incentivos à transferência do negócio futebol a entidades privadas por meio da Lei da SAF.

Apesar das possibilidades geradas pela lei, sigo vendo inúmeros problemas que precisariam ser endereçados numa revisão urgente, para não esperarmos que o Judiciário faça o papel de Legislativo.

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Dá para usar o grande benefício que a lei permite, que é ter um impacto tributário semelhante à associação, enquanto é possível ignorar as benesses da reestruturação unilateral das dívidas, usando a ideia de forma ética em renegociações justas entre associação e credores.

Inclusive porque a lei deixou brechas em relação às dívidas fiscais (Profut e transações tributárias) que, após muitas conversas com advogados e juízes, entendo serem obrigações das SAFs.

Por que trago isso novamente? Porque a saída de recursos da SAF para pagar as dívidas da associação impacta diretamente o business plan e o modelo de negócios que o novo acionista pretende implantar.

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Fazendo uma conta simples:

Receita Original: R$ 200 milhões
(-) 20% do RCE: R$ 40 milhões
= Nova Receita: R$ 160 milhões

Para chegar aos R$ 200 milhões originais, a SAF precisa aumentar as receitas em R$ 50 milhões, para R$ 250 milhões, de forma que:

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Receita da SAF: R$ 250 milhões
(-) 20% do RCE: R$ 50 milhões
= Nova Receita da SAF: R$ 200 milhões

Nem estou considerando nessas contas repasses para pagamento de Profut e afins, o que demanda aumento ainda maior das receitas da SAF. Portanto, veja que qualquer dos modelos de negócios apontados abaixo já nascem com uma demanda inicial de aumento de receitas para preservar os números pré-SAF. Nada fácil.

Dito isso, vamos tratar dos modelos de negócios. Quando analisamos pela ótica dos mercados europeus, podemos dividi-los em três modelos:

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HOBBY: é aquele modelo em que o acionista não visa lucro, mas conquistas. Nesses casos, há constantes aportes de capital para ajudar as fechar as contas, contratos de publicidade entre empresas do conglomerado e o clube, investimentos sem nenhuma ideia de retorno financeiro. Muitas vezes, podem estar associados ao conceito de sportwashing ou apenas de mecenato. Raramente haverá intenção de negociação futura.

CRESCIMENTO: neste modelo, o objetivo dos proprietários é fazer o clube crescer em termos de receitas, a partir de conquistas esportivas, gestão eficiente do marketing e apoio dos torcedores. Dessa forma, o ativo aumenta seu valor, o que permite uma venda futura com lucro. Dificilmente haverá retirada de dividendos, pois isso diminuiria a capacidade de investimentos. Este modelo demanda necessariamente um mercado ativo de compra e venda de clubes para que haja negociação futura.

FORMAÇÃO: o objetivo é formar atletas e negociar com mercados maiores. O clube pode viver sozinho, mas tem mais valor quando faz parte de um grupo ou há pelo menos um clube de direcionamento em mercados de lapidação na Europa. O clube pode até obter relativo sucesso esportivo, mas o objetivo maior é mantê-lo na principal série do campeonato nacional local, sem riscos de rebaixamento e almejando pouco em termos de conquistas. O lucro costuma ser distribuído, havendo formas para isso.

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Vamos então, a partir dos três modelos, imaginar desenvolvimentos no mercado brasileiro. Primeiro, falaremos sobre o modelo de HOBBY.

Os grandes magnatas do futebol internacional investem em clubes para obter algum tipo de benefício de imagem. O russo Roman Abramovich fez isso no Chelsea. Os investimentos de Qatar (PSG), Emirados Árabes Unidos (Manchester City) e Arábia Saudita (Newcastle) também têm o mesmo conceito. Mas não só eles. A família Agnelli, por exemplo, tem a Juventus desde sempre, aportando recursos constantemente, assim como ocorre com tantos outros acionistas históricos de clubes europeus.

A chegada do Fair Play Financeiro reduziu o ímpeto de alguns, mas não acabou com eles. Seguem sendo instrumentos de exposição pessoal e de marketing. Assim como ocorre com o Red Bull e suas filiais, e deve começar a ocorrer com outros clubes.

Inclusive, faz muito sentido para empresas serem donas de clubes de futebol, expondo marca, fazendo um trabalho social de formação de base em suas cidades-sedes e macrorregiões geográficas. Há um bom espaço para este tipo de investimento.

No Brasil, não vejo empresários estrangeiros querendo colocar dinheiro a fundo perdido para serem campeões brasileiros. Faz pouco sentido em termos de exposição de nome, pois o jogo geopolítico que praticam se concentra na Europa.

Mas é possível que haja torcedores bilionários que se interessem em comprar seus clubes. Ou mesmo empresas que queiram explorar comercialmente a atividade futebol. Esse pode ser um caminho para quem quer encontrar um mecenas para chamar de seu.

Seguimos com o modelo de CRESCIMENTO. Ele pode ser uma alternativa interessante para quem acredita no mercado brasileiro e sul-americano. O modelo é baseado no aumento de receitas e, consequentemente, em melhor desempenho esportivo, à medida em que isto gera mais ganhos.

Comprar um clube na Série B e levá-lo, em três ou quatro anos, para a Série A pode ser interessante. Haverá gastos nessa construção, claro. Mas é como sair de R$ 25 milhões de receitas para R$ 100 milhões. Se isso for feito de forma organizada e consistente, numa localização que permita ganhos com torcida e competições estaduais, então é uma possibilidade. Mas calma. Tudo tem um custo. Esses processos levam tempo para maturar e demandam que haja um interessado pela compra do clube no futuro.

Ou seja: compre por R$ 25 milhões e depois venda por R$ 100 milhões para alguém que queira aportar algum dinheiro para que a receita cresça no futuro para R$ 200 milhões. Então, o clube é vendido novamente e o terceiro comprador vai se planejar para que atingir R$ 350 milhões de receitas – e assim sucessivamente.

Além de prazo e paciência, para esse modelo fazer sentido é necessário que haja um mercado de negociação de clubes. E para que exista um mercado assim, é fundamental existir um ambiente que possibilite esse crescimento de receitas.

Talvez haja com uma liga, novas negociações de TV (não parece o caso, dado esse fatiamento que transformou campeonatos nos abadás que são as camisas dos clubes atualmente, talvez fosse este o objetivo, sei lá), aumento do poder de compra do torcedor e melhores premiações em todas as competições continentais.

Mas tudo tem limite. Os investimentos, se não trouxerem resultados, podem aumentar ou diminuir. Depende muito do interesse contínuo e da paciência do proprietário.

Por fim, no modelo de FORMAÇÃO, o objetivo é claro, e o país oferece uma enorme possibilidade de atuação.

Desenvolver metodologias proprietárias e eficientes de formação, acessando e protegendo áreas de influência, oferecendo alternativas de desenvolvimento aos garotos que não atingirem índices de profissionalização – é fundamental pensar o futebol como meio e não um fim, seja para quem seguir como atleta, seja para quem puder acessar uma universidade no Brasil ou no exterior – e possibilitando o contínuo desenvolvimento do esporte.

Este é o modelo mais óbvio. Se bem desenhado, com os incentivos e estruturas corretas, tem tudo para nos ajudar a fazer o futebol local crescer. Não é uma questão de vender todos os nossos talentos, mas de melhorar a qualidade deles. Nem todos serão negociados e os que não forem podem seguir se apresentando por aqui.

Ainda assim, ele demanda investimentos na estrutura física, com campos de treinamento, alojamentos qualificados, desenvolvimento psicológico e educação formal. Também é um negócio de retorno no longo prazo.

O grande ponto é sempre o mesmo: aplicar boa gestão, a partir de um modelo de negócios bem estruturado, com planejamento e expectativas justas, sempre com paciência. Vale para a SAF, vale para a Associação. Vale para todos os torcedores.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti