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A semana que passou foi repleta de temas relacionados a negociações de clubes de futebol no Brasil e no mundo. Definitivamente, incluímos o assunto nas discussões sobre o esporte. Convenhamos, com a qualidade muitas vezes questionável do produto dentro de campo, o que resta é falar do que acontece fora dele.
Tivemos duas narrativas locais questionando valores pagos por Botafogo, Cruzeiro e Vasco. E dá-lhe desinformação. Primeiro, vimos que tentaram comparar valores pagos por atletas com valores pagos pela compra de um clube. Erro básico de cotejar negócios e indústrias diferentes.
Um atleta é um ativo que gera valor imediato, mudando a qualidade da equipe, além de ter a carreira curta e um período de maturidade limitado. Não dá para ter um atleta por 50 anos, assim como o atleta jovem custa menos do que o atleta maduro e mais que um atleta em final de carreira. Isso com todos os riscos associados a ele, como contusões, problemas de adaptação e desempenho.
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O valor pago por um atleta é a multa pela rescisão contratual, baseada em elevados valores de remuneração. Atletas que custam € 100 milhões recebem € 50/60 milhões anuais.
Já um clube de futebol é uma atividade empresarial. Tem receitas, custos, dívidas, risco de perda de receitas, de aumento de custos, sofre com má gestão ou se beneficia de boas gestões. O valor desse ativo é a capacidade de crescer receitas de forma sustentável.
Na prática e na esmagadora maioria dos casos, o lucro e sua distribuição não existem, ocorrendo apenas na venda futura do próprio clube. Ou quando um atleta é negociado.
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Riscos diferentes, negócios diferentes, benefícios e ganhos diferentes. Fazer comparações como essas distorcem a realidade e trazem ao torcedor uma ideia equivocada num momento em que estamos formando conceitos de um novo negócio, a compra-e-venda de clubes de futebol.
Fora do Brasil também acontecem essas comparações, geralmente a partir de veículos de imprensa sensacionalistas. Se queremos criar um ambiente justo, é importante começarmos com premissas justas.
Outro parêntese: isso não significa que devemos compactuar com os valores estratosféricos pagos pelos atletas e como remuneração. Para um futebol mais equilibrado, é fundamental pensarmos no redimensionamento dos gastos, o que deveria refletir na redução de valores pagos pelos e para os atletas. Fecho o parêntese.
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Outro tema em discussão foi o de que os clubes que já viraram SAF foram negociados por valores baratos. Já escrevi sobre isso em outras colunas, e reitero: esses clubes custaram bem caro.
Claro que o debate começou a partir um potencial vendedor, o presidente Mario Celso Petraglia, do Athletico Paranaense. Ele está no direito – e no dever – de valorizar seu ativo. Todo vendedor faz isso.
Mas é necessário alertar que os clubes já negociados não saíram baratos.
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Como afirmar isso? Já comentei que a avaliação de clubes de futebol é complexa, uma atividade com diversas técnicas – e nenhuma delas parece a mais eficiente. Ou melhor, todas possuem aspectos positivos e negativos. Por isso, opto sempre pela ideia de aplicar um múltiplo sobre a receita. Um multiplicador que dimensione a capacidade competitiva de um clube.
Nas análises que fazemos na consultoria Convocados, está claro que “Receita” é um dos itens de diferenciação de valor de clubes, a partir da ideia já cristalizada de que ter mais receita coloca o clube em melhor condição de competitividade.
Logo, clubes de maior receita valem mais que clubes de menor receita. É simples assim. Comprar um clube com faturamento de R$ 500 milhões custa mais que um com receita de R$ 200 milhões, porque a capacidade de conquistar campeonatos está relacionada a isso. Logo, aplicam-se múltiplos maiores para as maiores receitas, pois são clubes consolidados.
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Nesse exemplo acima, um clube de R$ 500 milhões de receitas deveria ser negociado por um múltiplo de 3,5x (exemplo, apenas), enquanto um clube de R$ 200 milhões vale o equivalente a 2,0x suas receitas.
O investimento após a compra é muito maior no clube de R$ 200 milhões, ou então ele não será competitivo. Investimento em dinheiro, mas essencialmente em modernização de gestão, tecnologia, conhecimento e pessoas.
Logo, Botafogo, Cruzeiro e Vasco foram negociados em múltiplos bem acima de sua capacidade competitiva, o que tende a dificultar o retorno do investidor. Mas essa é outra história. Afinal, todo mundo deveria saber fazer conta e entender de onde pode extrair valor futuro.
Daí alguém pode perguntar: “Mas e as estruturas? E o CT moderno? E o estádio? E meus 20 milhões de torcedores?”. Pois é, está tudo nas receitas.
Seus torcedores estão representados pelo programa de sócio-torcedor, pela bilheteria, pela capacidade de fazer receitas com Marketing, pela assinatura de pay-per-view e mesmo pela audiência de TV. E se a realidade é inferior ao potencial, desculpem, mas quem tem que gerar valor e se beneficiar é o novo dono.
A estrutura geral, de CT, tecnologia, gestão e de formação deveria estar refletida na negociação de atletas e no desempenho. Conquistas refletem esse conjunto, e elas representam receitas. Está lá.
“Mas meu CT é mais moderno e meu estádio mais novo!”. Verdade. Estádio mais novo vale se for capaz de gerar receitas ou de melhorar a competitividade. Está nas receitas. O CT novo é ótimo, impactando em desempenho em campo e formação de atletas. E onde vemos o reflexo dele? Nas receitas. E o benefício disso tudo está na atratividade. É como vender um carro com banco de couro e de cor neutra, enquanto o vizinho vende o mesmo carro, mas “pelado” e de cor “exótica”. Ou com quilometragens diferentes.
Obviamente, é possível gerar diferenças de preço pago ao final do negócio a partir dessas condições. Numa negociação, o vendedor sempre vai mostrar suas qualidades e, se elas encantarem o comprador, se transformam em mais dinheiro ou, simplesmente, em mais interesse.
Esse é outro aspecto: uma coisa é o valor e a outra é o preço. O valor está dado por técnicas aceitas pelo mercado. E a aplicação de múltiplos me parece a mais justa e eficiente. A outra é o preço, que se dá na relação entre comprador e vendedor, a partir do interesse e necessidade das partes.
Veja o exemplo do Chelsea. Por conta da crise Rússia-Ucrânia, o dono Roman Abramovich criou uma série de narrativas envolvendo a venda do clube.
Primeiro, repassou a gestão para a Fundação Chelsea. Depois, afirmou que colocou o clube a venda. O preço pedido: € 3,6 bilhões, para um clube que fatura € 600 milhões num ano como 2021, quando conquistou a Champions League. As receitas usuais estão na casa dos € 520 milhões.
Em condições de mercado, trata-se de um clube que vale algo como € 1,8 bilhão (3,5x as receitas usuais). Mas o dono quer € 3 bilhão – e o Chelsea não vale isso.
Não vale porque é um clube de ponta no cenário mundial, que atua na liga mais rica e disputada do mundo, dificultando certeza de desempenho e receitas. O clube pode ser campeão ou 5º colocado, e não será surpresa. Além disso, as receitas extraordinárias de Champions League são bastante improváveis. O estádio do clube é ultrapassado e deveria ser reconstruído para gerar mais valor. Isso tem custo, vira dívida, reduz a receita momentaneamente. Se a localização é incrível e tem valor, é preciso que alguém pague por isso e que se encontre outro lugar para o estádio, nada fácil numa cidade como Londres.
Para o investidor, qual a capacidade de crescimento e remuneração do investimento? Baixa. Mesmo pagando € 1,8 bilhão, e supondo que houvesse a capacidade de aumentar as receitas em € 100 milhões e usando isso para repor o investimento, falamos em 18 anos sem considerar inflação e custo de capital.
Ou seja, mesmo pagando o quanto vale, fazer um investimento num clube de ponta só faz sentido se o objetivo for “ser dono de clube de futebol”, e não “investir num clube de futebol”.
Sem contar que o Chelsea tem uma dívida de aproximadamente € 1,7 bilhão com o próprio Abramovich. Ou seja, na prática, o clube vale a própria dívida caso ela precise ser paga. Como não acredito em narrativas, apenas em fatos, há uma dívida. Logo, o clube vale sua dívida. Alguém pode querer pagar mais por ele? Claro! Esse é o preço, e não o valor. E isso vale para clubes brasileiros, ingleses, italianos, franceses. Vale para todos.
Portanto, precisamos organizar a conversa e fugir das narrativas e das comparações fantasiosas. Quanto mais técnico o tratamento do tema, melhor será a compreensão. Ou ficaremos tentando vender aquele carro ano 1972 enferrujado e com pneus carecas pelo valor de uma Ferrari 2022.