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Em 2018, aos 29 anos, a jornalista paulistana Iana Chan pediu demissão para empreender em um negócio ainda incerto.
Apesar das dificuldades, incluindo o preconceito pelo estereótipo de mulher asiática, ela resolveu encarar um setor majoritariamente masculino: tecnologia e programação. E fundou a PrograMaria.
A empresa, que surgiu como clube de programação com dez mulheres, se transformou em um negócio que inclui cursos, eventos e projetos, com mais de 21 mil mulheres conectadas. A PrograMaria atua também em empresas como Intel, Globo e Grupo Boticário.
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A autointulada “nerd” foi a vencedora do prêmio Mulheres que Transformam, criado pela XP e apoiado pelo InfoMoney, na categoria profissional tech do ano.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista feita com ela após a premiação:
Como surgiu a PrograMaria?
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Sou jornalista, me formei na Universidade de São Paulo e sempre fui apaixonada por tecnologia. Ainda na adolescência, tinha um blog e adorava mexer nos códigos para deixar tudo do meu jeito.
Só que na hora de decidir o curso, optei pelo jornalismo. Não considerei engenharia ou computação. E, durante a minha carreira de jornalista, sempre caía para mim conversar com o pessoal de TI. Foi assim que acabei virando gerente de projeto na Editora Abril.
Sentia que era muito produtiva, mas também comecei a sentir na pele os obstáculos de um ambiente majoritariamente masculino. Lembro da primeira reunião, só com homens, e a única mulher além de mim era do marketing.
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Fiquei desconfortável e senti que não tinha credibilidade. Contei para uma amiga designer e assim surgiu a ideia da PrograMaria, em 2015.
Durante um ano, a PrograMaria foi meu trabalho paralelo. Trabalhei na Liga Ventures, uma aceleradora de startups e aprendi muito. Três anos depois, em 2018, decidi investir e empreender, oficialmente.
Como funciona a empresa hoje?
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É um negócio de impacto social de formação e engajamento de mulheres na tecnologia. Promovemos oportunidades e ferramentas para que elas deem os primeiros passos na aprendizagem da programação.
Além disso, as empresas nos contratam para oferecermos cursos na área. Assim, criamos uma oportunidade de relacionamento entre as empresas e as mulheres.
Temos duas linhas de trabalho: projetos customizados pelas empresas e cursos online, pagos e também com sistema de bolsas. Algumas empresas e empreendedoras ajudam outras mulheres com pagamentos parciais ou integrais. São diferentes valores de matrículas.
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E quais têm sido os resultados práticos?
Mais de 11 mil mulheres foram impactadas diretamente pelas nossas iniciativas em 2020. Quase quatro mil passaram pelo curso online Eu ProgrAmo.
Cerca de 80% das mulheres conseguiram emprego na área em até um ano após o curso, fico muito feliz. Outro resultado é a rede entre as alunas, uma conexão que fica, mesmo depois da conclusão do curso. Elas trocam experiências e dão apoio umas às outras.
Quem tem amigo tem tudo. PrograMaria é tudo sobre rede para que as mulheres se conectem. Tem uma relação de confiança.
Trabalhamos sempre três pilares: inspirar, debater e aprender. Inspirar é trazer representatividade. Existem inúmeras mulheres com contribuições relevantes para a tecnologia – no passado e no presente.
Debater é qualificar a discussão sobre a falta de mulheres na área e mostrar não só as barreiras, mas também os desafios de quem estuda ou trabalha nesse setor.
Em relação a aprender, oferecemos cursos e oficinas para apoiar não só mulheres que desejam ingressar no universo da programação, mas também para ajudar mulheres que já estão no mercado e desejam assumir posições de liderança.
Temos também uma frente de eventos, como o PrograMaria Summit. Em 2019, reunimos mais de 300 mulheres e dez empresas contratantes em um dia inteiro, com debates, mentorias, networking etc.
Com a pandemia, a PrograMaria passou por mudanças?
Tivemos que passar por uma aceleração da digitalização, usando a tecnologia a nosso favor. Aumentamos o alcance geográfico e o volume de mulheres impactadas.
Fazíamos turmas de 25 alunas presenciais. Nessa primeira turma online de 2021, estamos com 1.040 matriculadas. Tivemos um crescimento de 260% no faturamento de 2020, em relação a 2019 [Yana não revela os valores].
O que levou você a acreditar e começar a investir?
Educação e tecnologia são ferramentas de transformação. Acredito que as mulheres podem produzir e não só consumir na área tecnológica.
Nas faculdades, nós ainda representamos cerca de 15% dos alunos nos cursos relacionados à computação. Isso significa 20% apenas do mercado brasileiro de TI.
De acordo com o Fórum Econômico Mundial, para cada vaga gerada, as mulheres perdem cinco posições, por não terem capacitação para atuar nas novas vagas criadas.
O déficit no Brasil é enorme – a previsão da Brasscom é de que, até 2024, a demanda será de 420 mil profissionais, enquanto as universidades formarão apenas 270 mil. As mulheres ainda não acreditam nessa função. Sempre dizem: acho que isso não é para mim.
Somos ensinadas desde pequenas a sermos cuidadoras e a servir. Ganhamos bonecas para brincar, enquanto, aos homens, são reservadas outras expectativas.
Durante muito tempo, o computador e o videogame foram objetos direcionados para os meninos. Na minha casa, sou a única menina, com dois irmãos. Só jogava vídeo game nas horas extras.
Tudo isso cria uma narrativa cultural de que mulher e tecnologia não combinam. Não dá para simplificar e dizer que se trata apenas de “falta de interesse”. É importante entender como esses estímulos contribuem para a desigualdade na área”.
Outra força veio do meu pai, que sempre foi empreendedor. Ele chegou ao Brasil na adolescência sem saber falar português, se formou na faculdade e teve diferentes negócios durante sua vida com o apoio da minha mãe.
Entender que eu podia tomar a frente de um negócio foi um processo de autoconhecimento.
Como foi no início?
Ser mulher e empreender no universo da inovação e tecnologia é bem desafiador. Eu não tinha recursos para investir, então tive que me organizar financeiramente para conseguir fazer essa mudança.
Aos poucos, consegui atrair parcerias e empresas interessadas em participar. Isso me possibilitou entender o mercado, as necessidades, e criar soluções pensando tanto nas mulheres, quanto nas empresas.
A minha mãe, no início, achou que eu estava doida. Depois, quando viu que era algo que eu queria muito, me deu total apoio.
Qual é seu maior objetivo?
Meu objetivo é diminuir o gap de gênero na tecnologia, transformando o mercado em uma área mais diversa e inclusiva.
Algumas empresas já entenderam que diversidade é uma vantagem competitiva. Uma pesquisa do Boston Consulting Group, por exemplo, mostrou que as startups criadas por mulheres geram mais receitas, porém recebem menos investimentos do que as startups criadas por homens.
Quero viver em um mundo em que as pessoas possam simplesmente ser o que são. Queremos chegar a um ponto em que uma empresa como a nossa não precise existir. Quando o nível de igualdade for óbvio e todos tiverem as mesmas condições.
Quebrar esses estereótipos nos dá força para continuar o trabalho com a PrograMaria.
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