Pandemia gera onda de demissões em bancos, mas mercado financeiro tem carreiras em alta. Saiba se recolocar

Apesar dos desligamentos em bancos, fintechs, corretoras, empresas de meios de pagamentos e assessorias de investimento estão contratando

Giovanna Sutto

(gorodenkoff/GettyImages)
(gorodenkoff/GettyImages)

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SÃO PAULO – A crise provocada pela pandemia transformou o mercado de trabalho, e os profissionais tiveram de lidar com novos desafios. O mais dramático foram as demissões.

Dados da Pnad, a pesquisa de emprego do IBGE, mostram que cerca de 14,1 milhões de pessoas estavam desempregadas no terceiro trimestre, isso sem contar outros cerca de 5 milhões que não estão trabalhando, mas acabam não entrando nas estatísticas porque, tecnicamente, desistiram de procurar emprego ou não compõem a força de trabalho por outros motivos.

Praticamente todos os setores da economia foram afetados, mas de formas diferentes. No mercado financeiro, por exemplo, os efeitos foram mistos. De um lado, houve o fechamento de milhares de agências bancárias em meio ao isolamento social. Só em 2020, cerca de mil agências do Itaú, Bradesco e Santander fecharam as portas, resultando na demissão de 11 mil funcionários – acima dos 7 mil cortes do ano passado.

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Por outro lado, os recrutadores afirmam que esses cortes são pontuais e concentrados em algumas áreas e que o setor, de maneira geral, está aquecido. Mas, para os que estão entre os demitidos, como se recolocar no mercado financeiro em um ano tão atípico como esse? O InfoMoney conversou com especialistas que compartilharam dicas e disseram quais áreas estão mais aquecidas.

Onde estão as oportunidades

O consenso entre os especialistas consultados é que o saldo para o mercado financeiro é positivo neste ano, mas é preciso procurar as oportunidades nas áreas certas, tanto para uma recolocação após uma demissão, quanto para uma transição de carreira no setor.

Alexandre Zuvela, diretor da Korn Ferry, consultoria global de carreira, explica que o mercado para o profissional de finanças é amplo e inclui desde posições em tesourarias de grandes empresas e bancos, até vagas em fintechs ou em mesas de operações de corretoras. Por isso, em meio à pandemia algumas áreas demandaram mais profissionais, outras menos.

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“Há oportunidades para profissionais que souberem direcionar as tentativas. As agências bancárias encolheram porque novos hábitos de consumo, impulsionados pela pandemia, fizeram com que o serviço presencial deixasse de ser importante. Com a digitalização, vimos também demissões em vagas de atendimento, já que hoje tudo está mais está automatizado. Na maioria dos call-centers houve a implementação de robôs que fazem o primeiro atendimento”, explica.

Ao mesmo tempo, porém, houve aumento na busca por profissionais que atuam em estruturas digitais, que ganharam força neste ano, segundo Zuvela. “Alguns exemplos são as plataformas de investimentos digitais, corretoras, assets, startups e fintechs que, ou conseguiram se adaptar muito rapidamente à distância causada pela pandemia, ou já nasceram digitais”, diz.

Ana Guimarães, gerente da Robert Half, empresa global de consultoria de recursos humanos e recrutamento, afirma que empresas de diversos ramos do setor financeiro estão contratando, mas o ritmo depende do momento de cada negócio. “Fato é que há espaço para se recolocar. O mercado está super aquecido e existem oportunidades nos segmentos que estão em alta”, diz. Mas quais são exatamente essas áreas em alta?

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Os setores que contratam

Com advento de novas estruturas como o Pix e o open banking, o setor financeiro está prezando cada vez mais por agilidade, conforme destaca Zuvela. “Por isso, bancos, corretoras, fintechs, assets, estão colocando em pauta a velocidade de processos e serviços. E mais velocidade também traz mais riscos e questões de compliance porque algumas partes da operação vão se automatizando. Assim, essas áreas estão contratando”, explica.

O recrutador da Korn Ferry explica que algumas mudanças provocadas pela pandemia impulsionaram as contratações na área de investimentos, que inclui as corretoras, as gestoras de recursos (assets) e as gestoras de patrimônio.

“Muita gente foi demitida, mas quem não perdeu emprego ou parte da renda aumentou o nível de poupança porque estava em casa, guardou dinheiro e passou a investir. Isso, somado à queda dos juros, que levou as pessoas físicas a buscar mais retornos na Bolsa, resultou em um impulso na área. E o que vimos foram muitos gerentes de banco virando assessores de investimentos”, explica.

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Bianca Juliano, head da Xpeed School Pro, braço de educação do grupo XP Inc., também destaca o boom na área de assessoria de investimentos. “A XP registrou mais de 500 novos assessores em escritórios associados só em outubro. O brasileiro viu que a renda fixa não é mais suficiente com os juros baixos e está buscando alternativas para investir melhor. A cadeia de investimentos demanda profissionais qualificados para atender essas pessoas não mais no formato tradicional visto nos grandes bancos”, avalia.

Mariano Nogueira sentiu tudo isso na pele. Ele trabalha no mercado financeiro há 20 anos e estava no banco Votorantim até junho deste ano, quando decidiu sair. Ficou sem emprego e buscando uma vaga durante alguns meses. Em outubro, começou a nova fase da carreira no escritório Davos, associado à XP Investimentos, como assessor de investimentos.

“Assim que a pandemia começou, a primeira coisa que aconteceu foi um corte generalizado nos bônus do banco. Foi o sinal que eu precisava para fazer a transição para um modelo mais flexível. Depois de sair, em junho, senti o mercado muito aquecido e fui abordado por 13 escritórios. Depois de manter contato mais próximo com três, consegui a vaga na Davos, onde trabalho como assessor de investimentos”, afirma Nogueira. Ele trabalhava como gestor de carteiras no segmento private do Votorantim.

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Vanessa Alencar passou por um processo parecido ao deixar o cargo na área de investimentos do Itaú, após 12 anos de casa. “Com a pandemia, comecei a repensar minha carreira, procurei uma consultoria profissional e fui me organizando. Percebi que o mercado estava aquecido e seria possível uma recolocação, mesmo sem sair do banco. Quando encontrei a vaga na XP, me identifiquei por causa do acesso a novos desafios, mais tecnologia e dinâmica e isso me atraiu. Pedi demissão e comecei na XP em outubro”, diz Vanessa, que atualmente é gestora de projetos na corretora.

O Guia Salarial da Robert Half, levantamento anual que aponta as áreas mais aquecidas do mercado de trabalho, mostra que, no mercado financeiro, os segmentos de private equity, fusões e aquisições, fintechs e meios de pagamentos estão em alta.

Ana, gerente da recrutadora, destaca o setor de fusões e aquisições. “Muitos negócios estão passando por dificuldades, o que abre caminho para empresas mais capitalizadas apostarem em fusões ou aquisições. O profissional que trabalha nessa área precisa estar atento às movimentações do mercado para identificar e originar oportunidades”, explica. Como resultado, ela diz que as empresas também estão com uma demanda maior por times de back office para conciliar os bastidores das operações.

Para Aline Larangeira, diretora da recrutadora e gestora de talentos ZRG, dentre as áreas que estão contratando, o setor de meio de pagamentos é o grande destaque. “Vemos um misto de fintechs e varejistas desenvolvendo negócios nessa direção. É uma área que está aquecida e tem diversas posições sendo demandadas. Vale ressaltar que não são apenas vagas para profissionais de finanças especificamente, há muita oportunidade também nas áreas de tecnologia”, pontua.

Confira os destaques: 

Segmentos aquecidos   Empresas que buscam profissionais nessas áreas 
Assessoria de investimentos Corretoras
Áreas de suporte (back office) Bancos, corretoras, fintechs, gestoras de recursos
Compliance Bancos, corretoras, fintechs, gestoras de recursos
Fusões e aquisições Corretoras, fintechs
Gestão de risco Bancos, corretoras, fintechs, gestoras de recursos
Meios de pagamentos Fintechs, varejistas
Private equity Fundos de private equity, gestoras de recursos

Dicas para a recolocação

Depois de identificar os setores com mais oportunidades, o próximo passo é entender como se destacar para ser escolhido para uma delas. Os especialistas consultados pelo InfoMoney citaram cinco dicas principais.

a) Estudar

Como o mercado financeiro é muito competitivo, a capacitação técnica é requisito básico, diz Ana Guimarães, da Robert Half. “Todos os profissionais que querem se recolocar precisam estar atentos às certificações, aos cursos e programas necessários para conseguir a vaga. Em alguns casos, essa habilidade técnica é específica e exige estudo. O profissional precisa estar aberto a dar esse upgrade nas chamadas hard skills [competências técnicas] e agregar novos conhecimentos para se recolocar”, afirma.

b) Ser flexível e adaptável

A flexibilidade para se adaptar às novas situações é crucial para quem busca um novo emprego, de acordo com Zuvela, da Korn Ferry, e deve ser exercitada em vários aspectos.

“Primeiro: se o profissional buscar exatamente a mesma função, vai ter dificuldade para encontrar uma nova vaga. Se a pessoa tem um cargo em um banco pode ser que não encontre esse mesmo cargo em uma fintech, por exemplo. Segundo: a adaptação é necessária também em relação à remuneração. Muitas vezes os profissionais se deparam com salários fixos menores em corretoras, fintechs, assets, mas que oferecem algum bônus. São modelos diferentes e a pessoa pode sentir diferença, principalmente ao sair de um grande banco para ir para uma empresa mais ‘disruptiva'”, afirma.

Bianca, da Xpeed School Pro, ressalta que para desenvolver a habilidade técnica que um novo emprego no mercado financeiro pode exigir é preciso “abrir a mente”. “Se você está acostumado com uma indústria tradicional, deve olhar as oportunidades complementares e o que elas exigem de você – inclusive tecnicamente. Assessoria de investimento, por exemplo, é uma profissão que muita gente ainda não conhece. Ir atrás para entender as carreiras e novas profissões é uma boa alternativa”, diz.

Aline, da ZRG, ressalta que a adaptação do profissional a esse novo mercado também passa por observar as questões de diversidade. “Hoje, a agenda ESG [preocupação com critérios ambientais, sociais e de governança] é muito forte e pessoas que são refratárias aos conceitos terão muita dificuldade. É preciso estar aberto à diversidade de gênero, racial, de experiências, de backgrounds. A transformação do mercado exige também esse perfil de pessoa”, diz.

c) Desenvolver as soft skills

As soft skills estão em alta há algum tempo. São as habilidades interpessoais, que o profissional usa para se relacionar e gerir pessoas. “A habilidade comportamental continua sendo valorizada e no mercado financeiro não é diferente. As chances de conseguir o emprego aumentam se a pessoa tem habilidades interpessoais desenvolvidas”, diz Ana.

Bianca diz que as soft skills são cruciais para a aproximação com o cliente, um grande diferencial das empresas que vêm conquistando espaço no mercado. “A comunicação, a gestão e a transparência são cruciais. São elos importantes na construção da relação com o cliente e um dos principais objetivos das empresas hoje. Entender pessoas e seus desejos é um dos segredos dos sucessos de muitos profissionais do mercado financeiro, como os assessores de investimentos”, diz.

d) Usar o networking

Conhecer pessoas também pode levar os profissionais a degraus antes nunca alcançados, ressalta Zuvela. “Construir uma rede de relacionamentos eficiente e mantê-la, independentemente de onde estiver trabalhando, é crucial para dar mais passos na carreira. Em uma recolocação, esse networking é muito bem-vindo”, diz. Para desenvolvê-lo é preciso falar com pessoas e se conectar, mesmo à distância, segundo ele. Ouvir histórias de sucesso, de fracassos e cultivar os bons contatos.

Nogueira, assessor de investimentos da Davos, afirma que o networking foi fundamental para conseguir a nova vaga. “O networking no LinkedIn foi 100% decisivo. Foi por meio da plataforma que os escritórios e as empresas de recrutamento me acharam. Ativei o alerta de vagas [recurso disponível na plataforma] para entender como o mercado financeiro estava e recebi vários contatos pela rede social”, afirma.

O recrutador da Korn Ferry afirma que deixar o LinkedIn atualizado e usá-lo como ferramenta na busca por vagas realmente pode fazer a diferença. “Ao perder o emprego ou mesmo ao buscar uma transição, sempre atualize seu LinkedIn – o link do currículo, as experiências e comece a fazer mais posts sobre seus trabalhos recentes. Isso vai manter o networking ativo e ajudar a complementar sua rede de contatos”, diz Zuvela.

e) Desenvolver a sensibilidade digital

Como a transformação do mercado financeiro está sendo guiada, em boa parte, pelo avanço da tecnologia, a diretora da recrutadora ZRG recomenda que os profissionais adquiram o que ela chama de “sensibilidade digital”, que consiste em entender como sua área e o seu cargo podem ser impulsionados com a inovação e usá-la como aliada.

Aline acrescenta que isso é um diferencial porque significa ter uma espécie de “radar” que conecta o profissional aos avanços tecnológicos que podem ajudar a empresa a seguir em frente mais rápido e com qualidade.

f) Direcionar esforços

Por fim, Zuvela afirma que é importante que o profissional que quer se recolocar faça uma autoanálise para disparar os currículos de forma direcionada.

“Muitas vezes as pessoas investem energia em situações que têm probabilidade pequena de dar certo. Por mais que a pessoa gaste um tempo a mais na pesquisa das empresas nas quais deseja trabalhar, na atualização do currículo e mesmo no processo de networking, essas atitudes podem trazer resultados mais eficientes. Avalie se a vaga é para você, se tem alinhamento cultural e evite frustrações em se candidatar para muitas vagas e receber mais ‘nãos’ do que o necessário”, explica.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.