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Pressionados por uma dívida líquida que supera R$ 8 bilhões, os donos da cimenteira InterCement Participações (ICP) ainda não têm um proposta firme para venda da empresa, processo conduzido há vários meses. Há, por ora, várias intenções, tanto de grupos locais quanto de estrangeiros, conforme pessoas próximas da companhia e de seus assessores.
A ICP é controlada pela holding Mover Participações, antiga Camargo Corrêa, que foi um dos ícones da construção pesada no país até o negócio ser atingido pela Operação Lava-Jato, em 2015. Ao longo de décadas, o grupo fundado por Sebastião Camargo se tornou um conglomerado com negócios diversificados: de obras pesadas, cimento, saneamento até aço e calçados. Foi dono da Alpargatas.
A companhia tem produção de cimento e concreto no Brasil e Argentina, onde a demanda pelo insumo da construção civil e obras de infraestrutura enfrenta dias difíceis devido ao baixo crescimento, e até retração, da economia dos dois países. Neste ano, a ICP já se desfez dos ativos no Egito, África do Sul e Moçambique. Ainda aguarda as aprovações finais de praxe para transferência ao comprador chinês Huaxin Cement das operações sul-africana e moçambicana.
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O valor líquido da venda dos ativos africanos, cerca de US$ 300 milhões, é pouco para o que se tem de passivo a vencer até a metade do próximo ano. No meio do caminho de 2024, em maio, há o vencimento de um bond (senior note) de US$ 549 milhões. Se não for quitado, toda a dívida com debêntures de 2025 a 2027, que soma US$ 584 milhões, pode ser antecipada pelos debenturistas – Banco do Brasil, Itaú e Bradesco -, totalizando US$ 895 milhões.
A empresa já vem postergando com os três credores os pagamentos de debêntures desde junho. Na semana passada, pela terceira vez no ano, ganhou mais um fôlego ao assinar acordo que rolou para 8 de maio o pagamento de valores vencidos em 2023. Somente de principal é mais de R$ 620 milhões.
O novo adiamento se deve ao fato de a empresa ter um plano de venda de ativos, seja total ou parcial. No Brasil, mercado em que é o terceiro maior produtor, são 15 fábricas. Na Argentina, detém 51% do capital da Loma Negra (listada em Nova York e Buenos Aires). É uma marca centenária do país, que opera nove unidades fabris e uma ferrovia e que tem a liderança de mercado com cerca de 48% das vendas.
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O nó da ICP é que os acionistas demoraram a compreender que havia um descasamento entre a dívida e a geração de resultados de um negócio que enfrentou uma crise sem precedentes no Brasil, de 2015 a 2018, além do peso dos juros locais sobre a dívida. O custo das debêntures é de CDI + 3,5% ao ano. Na Argentina, dentre os problemas da crise local, a ICP enfrenta a variação cambial e restrições para retirada de dividendos. Para piorar, o governo reduziu os investimentos em obras de construção e infraestrutura, dois grandes consumidores de cimento e concreto.
Os acionistas da ICP, que contrataram em maio assessores jurídico e financeiro (E. Munhoz Advogados e Houlihan Lokey) para ajudar a reestruturar a dívida, avaliam que a ICP tem um valor superior ao de seus passivos. Uma comparação: a Lafarge Holcim, menor que a InterCement Brasil, foi vendida no ano passado para o grupo CSN, de Benjamin Steinbruch, por US$ 1 bilhão. Valor de US$ 100 por tonelada de capacidade em produção.
A ICB tem em torno de 11 milhões de toneladas de capacidade em produção (de um total de 17 milhões de toneladas), devendo realizar próximo de 9 milhões neste ano. Já a Loma Negra, em 2018, quando abriu o capital, teve 49% das ações vendidas por US$ 1,1 bilhão. Hoje, seu valor total de mercado é de US$ 780 milhões, com o ADR negociado em Nova York na faixa de US$ 6,50. O desconto Argentina dado pelos investidores é muito elevado.
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A CSN, atual vice-líder do mercado, atrás de Votorantim, é uma das candidatas declaradas de compra da ICP – Steinbruch, a princípio, quer também os 51% da Loma Negra. A mudança de governo na Argentina, todavia, e os planos para o país do novo presidente, Javier Milei, geram uma certa apreensão no empresário antes de colocar na mesa do BTG uma proposta firme.
Quem também esteve olhando os ativos da ICP nos dois países é a chinesa Huaxin Cement, a mesma companhia que comprou os ativos africanos. Representantes da empresa ficaram por aqui e na Argentina por cerca de três semanas, inclusive o CEO da Huaxin durante oito dias. Mas os chineses têm o seu lento tempo de decisão e a ICP tem apenas cinco meses à frente. Por isso, avalia-se, no mercado, que uma proposta firme da cimenteira chinesa seja difícil de acontecer.
Correndo por fora, há alguns grupos que atuam no Brasil, mas dentro de um modelo de aquisição fatiada de ativos ou clusters de fábricas. Não têm interesse, por razões de concentração econômica, da ICB por inteiro. Quem ambiciona as fábricas da controlada brasileira são Votorantim, Mizu (grupo Polimix), Buzzi/Brenannd, a grega Titan, que é dona de 50% da Apodi, e a Ciplan, controlada pela francesa Vicat. Mas esse é considerado um cenário mais complexo, pois requer um processo de cisão de ativos e junto de seus contenciosos fiscais e tributários.
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A ICP corre contra o tempo. Pessoas próximas da companhia avaliam, no entanto, que ele será suficiente para ter ao menos uma oferta firme, de melhor qualidade, para começar a trabalhar uma negociação exclusiva, num prazo normal nesses casos, de 60 a 90 dias. Nesse período costuma ser feita a due diligence (auditoria) financeira e operacional. Isso traria um certo conforto na relação com os credores em potenciais novas negociações de rolagem da dívida.
De acordo com informações, há ainda interesses de um outro grupo chinês para uma fusão de ativos; de uma cimenteira da Europa envolvendo compra com pagamento em ações (não resolve o problema da ICP) e de dois grupos locais argentinos apenas pela Loma Negra. O problema, conforme avaliação de uma fonte, é o valor da oferta pela cimenteira argentina: parte do valor da ação na bolsa de Nova York, bastante depreciada. Nesse caminho, duas de quatro propostas não firmes já foram descartadas.
Diante desse cenário, com diferentes potenciais compradores e diferentes intenções, aponta-se como uma alternativa plausível a venda somente das operações no Brasil. A ICP poderia obter, no mínimo, R$ 6 bilhões pela cimenteira local, que carrega a maior parte das debêntures emitidas. Um alongamento dos vencimentos desses títulos poderia ser costurado no processo de negociação com o comprador junto a Itaú, Bradesco e BB.
A terceira geração da família dona da Mover, que assumiu o comando em 2017, representando as três filhas de Sebastião Camargo – Regina, Rosana e Renata -, decidiu não colocar mais dinheiro na cimenteira e se desfazer dela de vez. Para especialistas ouvidos pelo IM Business a decisão é um pouco tardia. Poderia ter ocorrido há pelo menos um ano.
Desde 2018, a ICP fez vários movimentos para debelar a pesada dívida. Exemplos: a listagem da Loma Negra (US$ 1,1 bilhão), venda de ativos em Portugal e Cabo Verde e no Paraguai (US$ 905 milhões) e a emissão de ações preferenciais de hidrelétricas no Brasil (R$ 800 milhões).
Essas medidas ajudaram na recuperação do perfil da dívida, caindo de 6 vezes para 3 vezes na relação dívida líquida sobre Ebitda. Porém não conseguiram resolver o problema. Nos últimos anos, a alta de juros no país só fez ampliar a dívida. Em 2021, tentou-se fazer uma oferta pública inicial de ações (IPO, em inglês) na B3 para levantar R$ 3 bilhões, sem sucesso. A alavancagem, ao final do terceiro trimestre de 2023, fechou em 3,8 vezes, com endividamento bruto de US$ 1,8 bilhão. A empresa tinha US$ 180 milhões em caixa, conforme o último balanço.
Em nove meses, a ICP vendeu 13,2 milhões de toneladas de cimento, com receita líquida de US$ 1,31 bilhão (menos 5%), e obteve lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) ajustado de US$ 291 milhões (queda de 17%). A última linha do balanço mostrou prejuízo de US$132 milhões (uma melhora de 38%) nas comparações anuais.
O mercado de cimento no Brasil continua em baixa. As vendas, até novembro, caíram quase 2% ao se comparar com mesmo período de 2022, conforme dados do SNIC, entidade do setor. Na Argentina, a queda foi de 7% no terceiro trimestre e a previsão é de decréscimo de 8% a 10% em 2024 com as medidas econômicas do novo governo.
Com a situação se agravando, e buscando acelerar a reestruturação financeira e a estrutura de capital, em abril a ICP nomeou Paulo Diniz para o lugar Flávio Aidar, que deixou a empresa após quatro anos como CEO. No início de maio, foi indicado novo presidente do conselho de administração, Ronnie Vaz Moreira, para a vaga de Wilson Brumer, que decidiu deixar o comando da Mover após três anos no cargo.
Procurada, a InterCement informou que não se manifestaria sobre o assunto.
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