Publicidade
Em 2016, durante a maior recessão da história do país, nem os analistas mais otimistas poderiam prever que menos de um ano e meio depois os índices macroeconômicos sofreriam tamanha mudança. A inflação, que era de 8,9% ao ano e se dirigia perigosamente para os dois dígitos, fechou 2017 em 2,95%, abaixo da meta fixada, que era de 4,5%. A Selic que estava em 14,25% ao ano, baixou para 6,5% ao ano em março, menor patamar já atingido pela taxa básica de juros do Brasil. Ainda que a mudança de rota se deva a toda a equipe econômica, a começar pelo ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, teve o mérito de resgatar a credibilidade da política monetária e a confiança dos investidores, severamente minadas por 11 trimestres de recessão.
“A dificuldade começa agora: preservar o que nós conseguimos”, afirma Goldfajn. Para ele, manter a inflação e os juros baixos depende das contas públicas estarem em ordem no longo prazo. “Nós temos de criar as condições, não só o Banco Central. A sociedade como um todo, o governo, o Congresso. O ganho vai ser considerável. Temos todas as condições de conseguir perpetuar o que foi conseguido nos últimos anos. Não adianta [a inflação] ter baixado e depois subir de volta.” Apesar de se mostrar feliz com os resultados, Goldfajn diz que pensa apenas nas dificuldades seguintes e nas reformas que são necessárias. A desvalorização cambial, que levou o dólar a disparar R$ 3,50 em maio, é uma dessas dificuldades, mas o presidente do BC não se mostra preocupado. “O sistema está funcionando, a taxa de câmbio é flutuante. Obviamente o BC sempre monitora de perto, olha como está o mercado. Nós temos suficientes reservas e reduções de swaps para agir se acharmos que é o momento necessário para evitar qualquer dinâmica ruim, para suavizar os movimentos, colocar mais liquidez. Estamos sempre alertas”, afirma.
A Selic caiu de forma expressiva, mas os juros para os consumidores não diminuíram na mesma proporção. “Estão indo na direção correta. Os juros baixaram como em outros momentos. Muitos dos custos são estruturais. As mudanças não dependem só da Selic, mas de alterar as garantias, reduzir os compulsórios, os impostos. Tudo isso faz parte do spread bancário e vai ter sua velocidade ao longo do tempo. Nosso papel é tentar acelerar, ver se conseguimos aumentar esse ritmo.”
Continua depois da publicidade
Entre as ações que o Banco Central adotou recentemente nessa direção estão mudanças nas regras para o cheque especial e o cartão de crédito. Outra forma de atuação do BC para diminuir os juros é o estímulo às fintechs, as startups financeiras. “A proporção delas pode ser pequena hoje, mas é possível crescer no futuro. E mesmo [essa proporção] sendo pequena, elas são inovadoras, transformam o mercado. E isso gera competição, concorrência e outras formas de fazer negócio”, diz. O Conselho Monetário Nacional anunciou em abril a regulação dessas empresas que trabalham concedendo crédito com recursos próprios e nas operações de créditos entre pares, o chamado peer-to-peer (P2P). As duas modalidades de fintechs podem prestar serviços associados, como análise de crédito, cobrança e representação de seguros. “No momento, a gente está regulando as fintechs de crédito. Acho que é um avanço importante”, afirma Goldfajn.
Outra medida importante para a diminuição do spread, na opinião de Goldfajn, é a aprovação do projeto de cadastro positivo, que está em tramitação no Congresso. “Hoje em dia todo mundo tem informação sobre os maus pagadores, que são negativados. Você é negativado. É preciso que a gente seja positivado, que as pessoas saibam quem são os bons pagadores para poder diminuir a taxa de juros que eles pagam. Temos de permitir que a sociedade brasileira tenha essa informação disponível para quem dá crédito.”
Apesar de favorável à inovação, o presidente do Banco Central é crítico das criptomoedas, que têm despertado o interesse de muitos investidores, e fala que para avaliar uma eventual regulação é preciso observá-las ao longo do tempo. “Os bitcoins não são uma moeda. Na verdade são ativos arriscados, e quem investe deveria estar preparado para uma volatilidade grande, para perdas. Não é para todo mundo. Não é estável, não tem nenhum Banco Central por trás. Você não tem nenhuma garantia de que pode comprar outras coisas com ele. Quem está investindo deve saber isso.”
Continua depois da publicidade
Antiga reivindicação de vários especialistas, o projeto de autonomia do Banco Central também mobiliza Goldfajn. Já há uma proposta nesse sentido no Congresso, mas o governo prepara um projeto de lei que prevê mandato de quatro anos para o presidente do BC e estabelece como objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços. “Acho que o projeto de autonomia já vem tarde. O Brasil precisa ter na lei uma autonomia que já existe na prática. A gente deve fazer isso para reduzir o custo Brasil, avançar. Esse projeto que está indo para o Congresso é bom e preenche uma lacuna”, afirma.
Segundo Armínio Fraga, “é inegável que o Banco Central está avançando”
Em março, Goldfajn recebeu o prêmio Central Banker of the Year 2018, concedido pela revista britânica The Banker, especializada em finanças e pertencente ao jornal Financial Times. É um reconhecimento para os dirigentes de bancos centrais que se destacaram na estabilização de suas economias, assim como na promoção do crescimento. Em 2016, já tinha recebido o prêmio de melhor presidente de Banco Central na América Latina, concedido pela revista Global Markets, e a nota A, conferida pela revista Global Finance, que avalia o desempenho de 83 presidentes de Bancos Centrais no mundo.
“Apesar da discussão que existe hoje sobre o spread bancário e outros temas, é inegável que o Banco Central está avançando”, diz Armínio Fraga, sócio da Gávea Investimentos. Para ele, Goldfajn conseguiu ancorar as expectativas em um momento de inflação alta e tem atuado de forma importante para ampliar a inovação e a concorrência. “Existe uma extensa agenda de desenvolvimento bancário. É uma área que vem sendo trabalhada há muito tempo e que está longe de ser resolvida. O custo do capital é alto aqui, é preciso insistir nessa agenda, e Goldfajn inaugurou esse projeto”, afirma.
Continua depois da publicidade
Quando presidiu o Banco Central entre 1999 e 2003, Fraga convidou Goldfajn para a diretoria de Política Econômica da Instituição. Chegou lá depois de passagens pelo Fundo Monetário Internacional e de lecionar na Brandeis University. Nascido em Israel, Goldfajn veio para o Rio de Janeiro na infância e formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e doutorado no Massachussetts Institute of Technology (MIT). Depois de deixar o BC, junto com Fraga, foi sócio com ele da Gávea Investimentos e geriu o Ciano Investimentos, chegando à posição de economista-chefe do Itaú Unibanco, de onde saiu para assumir o atual posto, em junho de 2016.
Goldfajn não distingue a dificuldade da gestão pública da iniciativa privada (“cada uma tem seu desafio”) e nem se mostra preocupado com a possibilidade de mudança na política monetária após as eleições. “O Brasil precisa manter a direção para ter a inflação baixa, os juros baixos e a recuperação do crescimento. Nós precisamos perseverar.” Mesmo que ainda exista tanta indefinição em relação às eleições? “Como esse caminho me parece o melhor, tenho a confiança de que vamos seguir nessa direção.”