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SÃO PAULO – O InfoMoney entrevistou o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos responsáveis pela implementação do Plano Real. Atualmente, ele é responsável pela elaboração do programa de governo da campanha de João Amoêdo, pré-candidato à presidência pelo Novo. O bate-papo inaugura uma série de entrevistas com os conselheiros econômicos dos principais nomes para a disputa ao Palácio do Planalto. Participa do projeto o analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria. A íntegra do programa pode ser assistida no vídeo acima.
Abaixo, destacamos alguns dos principais pontos da conversa:
1. A vez do liberalismo
O Plano Real abriu uma janela de oportunidade para ideias liberais começarem a ganhar espaço nas discussões políticas. Mesmo assim, tal maneira de pensar continuou sendo estigmatizada por parcela expressiva do mundo político. “Depois do [Plano] Real, foram introduzidas reformas liberais em um ambiente de muita hostilidade com relação a este tipo de pauta, mesmo dentro do partido (PSDB). E mesmo naquele momento, ainda por muitos anos, o mundo partidário não tinha lugar para ideias liberais, as ideias de livre-mercado associadas a um personagem inexplicavelmente ausente da cena política brasileira, que é o empreendedor”, afirmou Franco. “É curioso que essa maioria não tenha tido voz no sistema partidário e que as ideias pró-mercado, a favor dessas pessoas, não sejam abraçadas por nenhum partido. Até agora. Por várias razões, talvez tenhamos que agradecer Dilma Rousseff, essas ideias pularam para frente. Elas eram coadjuvantes em outro partidos ou mesmo dissidentes – era um pouco assim que eu me sentia no PSDB – e agora o Novo se tornou uma plataforma que acho que vai trabalhar para este público, que está de uma representação no mundo político”, complementou. Segundo ele, “as teses do Real eram liberais demais para o PSDB”. Na avaliação do ex-presidente do Banco Central, o partido historicamente evidenciou um racha entre um grupo liberal e outro mais intervencionista na economia. Ele argumenta que, com a candidatura de José Serra à presidência em 2002, os tucanos foram se afastando de sua maior bandeira eleitoral: o próprio Plano Real e as reformas que vieram com ele. “Do ponto de vista da marca, ali o PSDB perdeu um pouco de substância, da sua alma, e ficaram sem dono esses 27 milhões de empreendedores”, explicou. 2. O oportunismo de Temer
“Não acho que o governo Temer seja um exemplo de ideias liberais. Ao contrário, acho que eles são um exemplo do oportunismo de um anseio por ideias liberais pró-mercado e de responsabilidade fiscal. Montou-se uma agenda que não tem nada a ver com a tradição do PMDB, tampouco do grupo político em torno do presidente Michel Temer, que é vice-presidente eleito com Dilma Rousseff no programa petista”, criticou Franco. “A transformação do governo do vice-presidente de Dilma em um governo que reverte as políticas de Dilma não o faz necessariamente um governo de ideias liberais. Incorporou vários pedaços da jaqueta liberal de forma oportunista, o que não tem a menor importância – a motivação é o que menos importa, desde que faça a coisa certa. Agora, fez com a pouca convicção que caracteriza o oportunista, fez de forma limitada e os efeitos são limitados também”, ponderou. Para ele, o governo colheu “resultados pífios” nas contas fiscais a despeito das intenções. O economista acredita que a atual gestão pode ter errado ao priorizar a aprovação do teto de gastos antes de avançar com uma reforma previdenciária, que acabou frustrada pela falta de votos neste ano. “Não que o teto seja inútil, de jeito nenhum, mas, sem a Previdência, não funciona tão bem. A lei das finanças públicas está no Congresso há muito tempo, poderia ter sido melhor aproveitada para fazer uma rearrumação das contas fiscais, mas não foi feito. Muitas coisas não aconteceram e poderiam ter ido muito adiante. Muitas surpreenderam, como a própria reforma trabalhista”, disse. “Também há de se considerar que é um governo de tiro curto, também não era para ser um programa tão ambicioso. Era, como eles próprios definiram, uma ponte para o futuro. Era um vislumbre, mas o mais importante é que é um exemplo da vontade que todo mundo tem hoje em dia de abraçar as ideias liberais. O PMDB o fez, agora o PSDB o fez, outros candidatos também estão fazendo, agora têm seu economista liberal de estimação. O que acho que o Novo tem de diferente é que destes talvez seja o único que, na base, procura capturar esse público de empreendedores que querem uma economia mais liberal, diferentemente de outros partidos que têm outras origens”, observou Franco. 3. Equilíbrio fiscal
Nos últimos anos, observou o economista, a pauta do equilíbrio fiscal passou a ser equivocadamente associada ao liberalismo. “As contas públicas têm que estar equilibradas por uma questão de bom senso. Sustentabilidade fiscal não é uma questão partidária nem ideológica”, disse. “O Orçamento é talvez das instituições mais básicas da democracia, porque é onde sonhos e possibilidades têm que se encontrar e têm que estar do mesmo tamanho. Do contrário, vamos ou tributar o pobre via inflação ou tributar o ausente via endividamento. No entanto, no Brasil não existe esse diálogo”, afirmou. “Nós não conseguimos fazer uma reconstrução fiscal ampla para tornar esse assunto fiscal uma coisa fácil de entender para as pessoas, até para elas poderem decidir sobre prioridades ou instruir seus representantes no parlamento para votar nessa ou naquela prioridade com a ideia de escolha. Não dá para fazer todas as coisas, não dá para todos ficarem contentes”, complementou. Para Franco, o teto de gastos foi uma medida útil para o ajuste das contas públicas. “O teto é uma forma de introduzir a ideia de que há limites nas ambições da sociedade. Talvez não seja a melhor forma, porque é preciso olhar para o conjunto das despesas e receitas, não tem uma melhor que a outra. É a sociedade que deve decidir se deve pagar melhor os juízes ou quanto o Estado deve investir em petróleo, pontes ou fazendo obras em municípios”, explicou. Contudo, ele acredita que o instrumento fracassou na promoção de transparência para o debate orçamentário. Prova disso é a persistente força dos lobbies para evitar cortes de recursos. “A Constituição cria esses direitos que vão se transformando em gastos em uma velocidade e quantidade incompatível com a receita. De alguma maneira, o interesse maior da sociedade tem que prevalecer sobre esses direitos contra o erário e talvez isso requeira uma nova arquitetura com relação a contas públicas”. 4. A reforma das reformas
“Um conceito importante de deixar claro é o de reformar a própria ideia de reforma. Nos últimos anos, criamos essa cultura de que a reforma é uma espécie de adaptação do que temos a uma nova circunstância, mas ela é sempre marginal para manter o mesmo paradigma e seguir adiante. Talvez não seja bem isso que precisamos agora. A gente precisa de reforma como rotina. A reforma é algo que acontece na cabeça do empreendedor, do empresário que acorda todo dia de manhã perguntando como melhor fazer o que ele fez ontem, como melhor satisfazer o cliente, vender mais, ganhar mais, ser mais produtivo. Não é essa cultura que o setor público tem”, disse o economista. “Ficamos para trás por ser um país que parece que não tem o aprimoramento como uma regra básica, seja da atividade empresarial, da atividade política, das políticas públicas. Não sei se é preguiça, indolência ou simplesmente uma mistura que não está dando liga e que precisa ser modificada”, criticou. Para Franco, há uma combinação letal imposta pelas dificuldades de se alterar a Constituição e o poderoso status quo político. “Tem tanta coisa constitucionalizada. Para mudar, é uma encrenca. É sempre preciso cooptar o sistema político de uma forma tão profunda”, observou. 5. Política monetária positiva
Gustavo Franco também elogiou a atuação do Banco Central sob o comando de Ilan Goldfajn. “Os resultados são incontestavelmente positivos e favoráveis, a inflação está perfeitamente dominada. Poderíamos ter trazido a meta mais para baixo, para que isso se transformasse em um compromisso de longo prazo mais claro. Não creio que isso afetasse o jogo de expectativas senão de forma positiva. Mas não há nenhuma censura a fazer ao que o Banco Central fez”, disse. Na avaliação do economista, a questão do timing do ritmo de corte na taxa básica de juros sempre será objeto de discussão.
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