Personagens do Mercado: Nouriel Roubini, o Dr. Doom, e suas previsões catastróficas

Em 2006, o "permabear" mais famoso dos EUA foi o 1º a falar em crise quando ninguém imaginava estouro do subprime

Anderson Figo

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SÃO PAULO – No dia 6 de setembro de 2006, os mercados norte-americanos amargavam nova baixa, dando sequência ao clima negativo visto na sessão anterior, quando os índices já haviam fechado no vermelho após um relatório mostrar crescimento acima do esperado nos custos de mão-de-obra no segundo trimestre daquele ano e, deste modo, renovando as preocupações de pressões inflacionárias nos Estados Unidos.

Naquele dia, prevaleceu a cautela também após a então presidente do Federal Reserve de São Franscisco, Janet Yellen, ter sugerido que o Fed poderia precisar de uma nova elevação na taxa básica de juro dos EUA para combater a inflação. A autoridade mal sabia que em breve o governo norte-americano teria muito mais problemas para se preocupar.

Ao mesmo tempo em que o mercado digeria este cenário adverso em Wall Street, do outro lado do país, na capital norte-americana Washington, Nouriel Roubini, um professor da Universidade de Nova York, anunciou que uma grande crise estava por vir, em discurso na sede do FMI (Fundo Monetário Internacional) para uma plateia repleta de economistas e representantes do governo.

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Apesar do clima desfavorável naquele momento, a afirmação do docente enfrentou descrédito pelo mercado, que acabara de ver dias antes o tradicional Relatório de Emprego dos EUA mostrar uma taxa de desemprego no país de 4,7% em agosto de 2006, resultado em linha com o esperado e levemente abaixo da taxa revisada do mês anterior, que fora de 4,8%. “Eu acho que talvez nós precisaremos de uma bebida forte depois disso”, disse em tom bem-humorado o moderador do evento, após a fala de Roubini. Mas, o tempo provaria que o professor não estava errado.

Personagens do Mercado desta vez vai contar a história de Nouriel Roubini, o Dr. Doom, economista e professor universitário famoso por suas projeções pessimistas e considerado o primeiro a falar em crise antes do colapso do subprime em 2008, que levou a maior economia do planeta a mergulhar em uma profunda recessão, trazendo em efeito cascata os impactos negativos para todas as outras grandes economias do globo.

De Istambul a Nova York
Nascido em Istambul, na Turquia, em 29 de março de 1959, e filho de pais iranianos membros de uma tradicional família judaica, Roubini mudou com sua família para Teerã, no Irã, quando tinha apenas dois anos de idade. Ainda na adolescência, quando mudaram novamente, desta vez para Israel, Roubini já demonstrava seu interesse pelas questões econômicas dos países nos quais passara. Assim, quando ficou mais velho, seguiu para a Itália, onde fez faculdade de economia na Universidade Bocconi, de Milão.

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Roubini morou em solos italianos até 1983, mas mudou-se para os Estados Unidos em seguida, onde conquistou seu título de Doutor em economia internacional pela Universidade de Harvard. Na maior parte da década de 1990, Roubini dedicou seu tempo a fazer pesquisas acadêmicas na área de economia e começou a dar aulas sobre o assunto na Universidade de Yale.

Conhecido por ser um perpétuo “permabear”, como os norte-americanos chamam aqueles que sempre possuem um viés pessimista para o mercado, Roubini logo chamou atenção de outras instituições de ensino superior, como a Universidade de Nova York, onde ele passou a dar aulas depois de se mudar para a cidade. Mas foi fora do meio acadêmico que o professor fez a fama de seu nome. Enquanto conciliava as aulas em NY, Roubini também colaborou com suas análises econômicas em diversas entidades, como o Federal Reserve, o Banco Mundial, o Bank of Israel e o FMI.

O nômade global e o nascimento da RGE
Nas entrevistas que concedeu ao longo de sua passagem por estas instituições, Roubini sempre se definiu como um “nômade global”. Segundo ele, você pode surfar na internet e através disto conhecer outros mundos, ideias e sociedades, mas “não há nada melhor do que visitar pessoalmente um outro país, mesmo que seja por apenas três dias”. “Você não pode ser apenas um nômade global virtualmente. Você tem que estar lá. Você tem que ver, cheirar e viver aquilo. Você tem que ver as pessoas, viajar, interagir”, disse o economista à Janera Magazine, em maio de 2007.

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Tentando preencher em partes esse desejo por ser um nômade global, Roubini fundou em 2004 a RGE Monitor, uma consultoria de análises financeiras. “O mundo é meu lar, então, tudo sobre a sociedade e sobre cultura – não importa o quão minúsculo seja – vale a pena conhecer. Eu sou um fanático por informações e criei a RGE Monitor para colecionar informações sobre o que está acontecendo ao redor do mundo”, disse Roubini à Janera.

A crise
Mesmo depois do nascimento da RGE, Roubini continuou colaborando com suas análises econômicas para o FMI. A confiança e o arriscado feeling de economista experiente colaboraram para as previsões sobre a crise de 2008. Mas, não foi só isso. Como estudioso do campo econômico, Roubini sempre se dedicou a avaliar os colapsos enfrentados pela economia global no passado, constatando que alguns drivers dão sinais do início de uma deterioração muito antes que ela aconteça.

É claro que outros economistas norte-americanos sempre souberam que o chamado “capitalismo livre” praticado nos EUA deixava grandes brechas para possíveis colapsos econômicos. Afinal, com bancos e outras instituições financeiras trabalhando sem a mínima intervenção ou controle do Estado, a margem de risco era grande. Isso sem contar que, naquela época, em meados de 2006, o país atravessava um momento de prosperidade, com taxa de desemprego em baixa e avanço na produção da indústria, além do elevado nível de confiança do consumidor.

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Tudo isso colaborou para que o mercado norte-americano esbanjasse liquidez, alimentando um antigo costume dos nativos daquele país: fazer contas. E no mercado imobiliário não foi diferente. Como o custo dos imóveis estava em alta, os bancos, cheios de dinheiro, não pouparam esforços para conceder crédito à população. Assim, as hipotecas ganharam cada vez mais apreço dentre os consumidores norte-americanos. O problema é que isso tomou proporções insustentáveis. Pronto, estava posto na mesa os drivers que culminariam na crise anunciada por Roubini, só que, naquele momento, isso não era uma coisa que todos queriam ouvir.

A fama de “permabear” contribuiu para que ninguém desse ouvidos ao professor universitário que discursava na sede do FMI naquele 7 de setembro de 2006. Comentando a fala de Roubini na ocasião, o também economista colaborador do FMI Anirvan Banerji declarou que as previsões de Roubini não tinham base em modelos matemáticos e, portanto, não passavam de perspectivas não comprovadas.

E se tivéssemos ouvido…
No decorrer do ano seguinte, o jogo mudou de lado para Roubini, que viu suas projeções se concretizarem. As instituições que emprestavam dinheiro para o mercado de subprime começaram a anunciar a falência, os hegde funds começaram a afundar e o mercado de ações entrou em colapso. Havia declínio na geração de empregos, deterioração do dólar e sinais cada vez mais claros de que o país estava mergulhado em uma bolha do setor imobiliário prestes a estourar, enquanto que os mercados financeiros estavam em pânico por conta do risco de uma intensa crise de crédito.

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No final do verão daquele ano, o governo norte-americano se viu obrigado a ferir o orgulho do “capitalismo livre” para fazer uma intervenção na economia, cortando em 50 pontos-base a taxa de juros dos EUA e comprando US$ 10 bilhões em títulos hipotecários considerados “podres”, cujas dívidas das quais representavam já não eram mais honradas pelos detentores dos empréstimos. Essa seria a primeira das muitas intervenções que viriram pela frente.

Naquele mesmo momento, o Dr. Doom, como passou a ficar amplamente conhecido o economista Roubini por conta de suas projeções catastróficas, ganhou destaque. Quando Roubini voltou à sede do FMI para um segundo discurso, em meados de setembro de 2007, finalmente ele foi ouvido. Mas, já era tarde, e as previsões desta vez eram ainda piores do que aquelas de um ano antes. Roubini disse que uma grande crise de solvência deveria infectar cada setor do sistema financeiro norte-americano. “Ele foi um profeta quando voltou em 2007”, disse o economista do FMI Prakash Loungani, que convidou Roubini para discursar no Fundo nas duas ocasiões.

De excluído a referência
O resultado disso foi que em pouco tempo Roubini se transformou em uma referência quando o debate é sobre economia. Ele foi convidado para falar no Congresso dos EUA e até mesmo no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suiça. Hoje ele se tornou um chamado “sought-after adviser” e dá conselhos de investimento com base em projeções para a economia, dividindo seu tempo entre reuniões com bancos centrais na Europa e na Ásia e governantes nos EUA. Nas horas vagas, Roubini, que nunca foi casado, é conhecido por frequentar a rota dos principais clubes e boates de Nova York.

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