“Cenário é ainda pior que o esperado, mas estamos bem confortáveis”, diz CEO da Locamerica

Apesar do desempenho recente aquém do esperado na Bovespa, presidente da Locamerica defende que a casa foi arrumada e que os investidores já podem se preparar para colher os frutos dos esforços

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Imagine comandar uma small cap em plena crise econômica, quando até o último otimista vira as costas e o apetite por riscos perde espaço para o mais covarde conservadorismo. Baixos índices de confiança, projeções negativas para o PIB (Produto Interno Bruto), inflação e juros elevados: no momento em que a economia não vai bem das pernas, são as menores companhias as mais prejudicadas. Mais frágeis que os transatlânticos da Bovespa, elas normalmente não encontram grandes alternativas para mitigar os efeitos de tsunamis capazes de fazer ações desabarem e levar de volta ao mercado internacional boa parte dos recursos antes investidos por aqui.

Essa trágica descrição poderia valer para diversas empresas listadas no mercado de renda variável nacional, mas não para a Locamerica (LCAM3), companhia especializada em terceirização de frota e venda de veículos seminovos – pelo menos na avaliação de seu CEO (Chief Executive Officer), Luis Fernando Porto. A leitura se justificaria pela condição contracíclica do segmento em que ela está inserida e as oportunidades de consolidação no Brasil, onde o cenário de dura concorrência tende a evoluir para um quadro de maior market share para alguns players em posição mais favorável.

Em contrapartida à aparente segurança que um papel menos atrelado às adversidades macroeconômicas poderia garantir ao investidor, uma realidade até certo ponto perversa castiga seus rendimentos com ele na Bolsa. No acumulado de um ano corrido, as ações LCAM3 registram perdas superiores a quase 10%, considerando-se o desempenho desta segunda-feira (15). No recorte de 2015, o pessimismo é ainda mais visível: contra um momento de recuperação do Ibovespa, que acumula ganhos de 7,74%, os ativos da Locamerica já sofreram desvalorização de mais de 14%.

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O retrospecto recente desfavorável das ações na bolsa, todavia, não frustra esperança e confiança por parte dos executivos da Locamerica. Muito pelo contrário: na avaliação deles, uma maré favorável para a companhia se aproxima. Segundo os diretores, a casa já foi arrumada e agora a empresa está pronta para colher os frutos de todos os esforços, ainda que em uma conjuntura desafiadora.

Para entender um pouco melhor esse novo discurso de reviravolta da empresa, o InfoMoney conversou com o CEO Luis Fernando Porto. Confira os destaques:

InfoMoney – Muitos bancos manifestaram certa surpresa com o resultado da empresa neste primeiro trimestre. Qual é a avaliação dos senhores sobre esse balanço?
Luis Fernando Porto – É muito satisfatório coroar o trabalho duro que está sendo feito com opiniões importantes do mercado e dos analistas. Mas, para nós, está tudo dentro do esperado ou até um pouco melhor do que nós já vínhamos projetando para o primeiro trimestre. Apesar de o cenário macroeconômico estar passando por um momento complicado e já anunciado há algum tempo, nós entendemos que a Locamerica acertou a estratégia e se preparou, além de estar posicionada em um setor que historicamente sofre menos com um crescimento baixo do PIB (Produto Interno Bruto).

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Hoje, temos toda a nossa dívida hedgeada, o que minimiza um pouco os impactos dos aumentos de juros no nosso negócio. Desde 2013, estamos com um projeto de melhoria e reestruturação dos pilares operacionais e administrativos. Estamos colhendo frutos já há dois ou três trimestres com reduções consistentes nos custos administrativos operacionais e com melhorias nas taxas de ocupação e no giro do nosso ativo como um todo. No pilar de capital, a Locamerica tem, em caixa, todos os recursos para fazer os investimentos necessários para 2015 (que são grandes), sem necessidade de novas captações.

Portanto, tanto no administrativo e operacional como no financeiro ou estrutura de capital, estamos nos preparando para esse momento há muito tempo. Claro, só estamos no começo e ainda há muita coisa para fazer. O cenário que se apresenta é até pior do que todo mundo estava esperando, mas estamos especialmente alertas para o futuro, bastante motivados em transpor esse desafio, com rentabilidade, melhoria nas margens e tendo lucro.

IM – Uma das questões que vocês destacaram no balanço da empresa foi a decisão de depender menos da venda de carros populares. Como o cenário econômico está afetando nos negócios da Locamerica e quais são as estratégias adotadas?
LFP – Procuramos ter, em nossa frota, veículos que estejam alinhados, no final do ciclo de locação, com o mercado de seminovos do país. O que a gente percebe é que houve uma euforia muito grande, em 2008 e 2009, pela ascensão da classe média brasileira à renda, o que gerou uma explosão de venda de carros populares. Porém, esse público que comprou carro há cinco ou seis anos hoje quer um veículo mais completo, mais caro.

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Preparamo-nos e buscamos clientes de frota que usam aqueles veículos com tíquete médio mais caro, carros mais completos, para que, daqui a dois ou três anos, tivéssemos em nossas lojas os produtos que esse grande público gostaria de comprar. Nesses três primeiros meses, o mercado de seminovos cresceu em relação ao ano passado. Com esse cenário, apesar de o cenário macro ruim, nós temos ainda essa linha de receita com o mercado fluindo do mesmo tamanho ou até um pouco maior que o ano passado.

Na linha de locação, temos um pipeline bastante robusto, igual ao do ano passado, mas está mais demorado o fechamento por parte dos nossos clientes. Muitas vezes, o que eles têm reportado é que estão vindo revisões orçamentárias, que podem gerar cortes, ou reduções em seus quadros de funcionários, o que também diminuiria a demanda. Então, está um pouco menor o nosso número de contratação, mas mais pela dúvida nas empresas do que efetivamente pelo mercado.

IM – Também há aquela questão de que, em momentos de maior incerteza e dificuldades no mercado, as empresas optam por terceirizar esse tipo de serviço, não?
LFP – Sem dúvida. Esse é nosso contraponto positivo. Hoje, nós temos 25 mil carros sendo disputados nos próximos 90 dias. Realmente é um pipeline muito forte e é igual ao melhor período do ano passado, no último semestre. Há empresas mais receosas, algumas cortando um pouco o orçamento ou pessoas, mas, em contraponto, empresas com frota própria estão acelerando os processos para que migrem para o nosso mercado.

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IM – A venda de seminovos aumentou, em contraponto à queda registrada entre os novos veículos. Aliado a isso, a estratégia dos senhores foi por veículos uma categoria acima de carros populares, acompanhando uma tendência do mercado de ter absorvido já um novo mercado consumidor. O que explica a mudança na dinâmica de novos e seminovos? É o preço, a redução de incentivos?
LFP – Nós creditamos dois principais itens. O primeiro é: o preço do carro zero aumentou muito, não só pela redução dos incentivos fiscais do governo, mas também por aumento de custos. Com isso, a diferença já grande entre novos e usados aumentou mais ainda. Desta forma, há uma migração natural de consumidores do carro zero para o usado, já que, na segunda opção, ele também vai perder menos com depreciação na hora de vender.

Além disso, os bancos estão muito mais restritivos nas aprovações de financiamentos. Às vezes, uma pessoa que ganha R$ 2 mil, nesse momento, consegue apenas uma parcela de R$ 600. Com esse montante, se não tiver uma grande parcela de dinheiro para dar entrada, ele não compra nenhum carro zero quilômetro. Caso ele queira trocar de carro ou comprar o primeiro, só haveria a opção de comprar com algum revendedor de veículos usados, que é o nosso caso. Vale muito mais a pena hoje comprar um seminovo.

IM – Os senhores falaram sobre maiores dificuldades em conseguir fazer contratos de locação por conta do atual momento das empresas e o cenário econômico adverso, qual seria a estratégia de vocês para lidar com esse novo quadro?
LFP – A gente não pretende sacrificar margem ou qualquer coisa diferente do que estamos fazendo para conseguir mercado neste momento. É um ano de cautela, de ajustes. Nós temos nossos custos bastante controlados e o que temos feito é buscar reduções de despesas, que nos façam, se preciso for, crescer menos, melhorando nossas margens. É o que estamos apresentando: uma expansão de margem muito maior do que a expansão da receita, que não deve ser o carro-chefe agora.

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IM – A questão da produtividade é hoje agenda em todo o país.
LFP – Fizemos um projeto totalmente focado nisso a partir do segundo semestre de 2013. Vimos que hoje isso está fazendo toda a diferença. Acreditamos que enxergamos mais rápido o que estaria por acontecer e agora estamos em uma posição muito confortável.

Para se ter uma ideia, estamos conseguindo, mesmo com a inflação perto de 9%, reduções nos custos administrativos na comparação ano contra ano. Isso só é possível com mais eficiência e planejamento de longo prazo, porque, quando você toma uma atitude de redução de custos, no primeiro momento, fica até mais caro do que no passado, já que há uma série de custos para você mobilizar um processo de custo administrativo.

IM – Do início de 2013 para cá, houve uma queda significativa nas ações da Locamerica, enquanto, no último mês, os papéis passaram por uma boa correção, mas ainda acumulam perdas. O que precisa ser feito para que a confiança do mercado seja retomada?
LFP – O que aconteceu em 2013 foi resultado de uma saída de investimentos – principalmente de estrangeiros – do país. Ser uma small cap com giro diário menor faz com que qualquer movimento de saída de investidor seja muito duro em nossos valores de ação.

O que temos feito, especialmente ao longo de 2014, é melhorar nossa comunicação com o mercado, garantindo uma transparência maior em nossos números, intensificando a divulgação de como funciona nosso negócio, de como estamos lidando com esse momento, aliado a uma busca gradativa, mas recorrente, da melhoria de nossas margens.

Não temos dúvidas de que temos boas margens, mas elas precisam melhorar muito para chegar a patamares aceitáveis – tanto dos nossos acionistas quanto dos investidores, sejam eles da nossa carteira ou não.

IM – Um dos objetivos apresentados pela empresa em suas plataformas oficiais é tornar-se a companhia que mais cresce no setor até 2016. Quais seriam os principais fatores para a manutenção do crescimento dos últimos anos e o caminho em direção aos objetivos estabelecidos?
LFP – A empresa está posicionada em um mercado que cresce em um momento de crise e tem vantagem competitiva sobre as pequenas e médias, que vão sofrer mais em um cenário com bancos restritivos. Os menores players podem ter dificuldades para conseguir funding para expandir, enquanto nós já estamos com isso dentro de casa.

Estar posicionado dessa maneira em um mercado que vai crescer 5% ou 10% em um ano em que o PIB deve decrescer é uma chance única. No primeiro trimestre, estamos crescendo quase 15% em nossa receita de locação e expandimos quase 30% da receita de venda de veículos.

IM – Uma das questões apontadas pelos especialistas que acompanham o setor é que ele ainda é bastante descentralizado no Brasil e tem pouca participação no mercado. Esses são fatores de potencial crescimento do segmento. Como os senhores enxergam as oportunidades e como a competitividade, pelo fato de haver muitos players, dificulta o desempenho da Locamerica?
LFP – Realmente, é um setor extremamente fragmentado. Estamos falando de cerca de dez empresas tendo 55% ou um pouco menos do mercado e outras três mil e tantas, o restante. O campo para consolidação é muito rico e acredito que, em tempos de crise, isso pode ficar mais claro e gerar mais oportunidades, uma vez que há pequenas e médias locadoras que não estão preparadas para atravessar o momento. Acho que essa grande pulverização vai caminhar como em outros setores da economia, nos quais, em médio prazo pelo menos, houve uma concentração maior. E nós queremos ser uma empresa consolidadora nesse mercado.

Na outra ponta, é um mercado competitivo, em que, apesar de haver várias locadoras pequenas, existem grandes e médias com boas capacidades de investimento, que estão também com seus projetos de expansão. Existe uma competição forte no setor, mas o que vemos, ao longo dos últimos dois ou três anos, com a maturidade dessas empresas, é uma competição mais saudável. Não temos em nosso radar hoje nenhum concorrente fazendo competição baseada em preços baixos.

IM – Também observamos, no perfil da companhia, uma queda em seu endividamento. A estratégia vai se manter nesse sentido?
LFP – Hoje já estamos a 3,1x Ebitda (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). O que pretendemos fazer ao longo deste ano é ficar abaixo de 3x Ebitda. Fizemos um movimento que demandava muito Capex (Capital Expenditure) líquido, que foi a migração da frota de populares para de médios executivos. Mas, neste ano, acabamos esse movimento e, pela primeira vez depois do IPO (Oferta Pública Inicial), devemos ter uma geração de caixa positiva, o que nos dá um endividamento igual ou menor ao que tivemos em 2014, e uma alavancagem menor, porque esperamos uma margem Ebitda maior. Então, com esse cenário de fluxo de caixa livre, a empresa consegue crescer sem aumentar seu endividamento, e isso é muito importante para um negócio como o nosso.

IM – Como os senhores enxergam o cenário político? Que riscos ele traz sobre os negócios da companhia? Como a Locamerica atua nessa área?
LFP – Não só para o nosso negócio, mas para as empresas brasileiras, o que esperamos é que o governo fique com o que ele deve fazer e que deixe o mercado funcionar sem interferências. Quanto menos mudanças acontecerem, mais confiança existirá para que possamos fazer investimentos e ajudar na expansão de um país tão rico e grande como o nosso.

Na política, a gente acompanha as principais medidas macroeconômicas. Achamos que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem feito um excelente trabalho, e, se o governo não interferir e apoiar essas medidas, o país tem capacidade de logo sair desse momento difícil. Não acreditamos que seja de curto prazo, mas achamos que as coisas estão sendo feitas da maneira correta. Vamos torcer para que não mudem, no meio do caminho, uma diretriz e um modelo que vem resgatando um pouco de credibilidade que o Brasil ainda possa ter.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.