Mais governo: a cobrança de Lula e a resposta de Dilma

O ex-presidente quer mais ação do governo, ou seja, mais governo. A presidente faz reuniões para deslanchar o programa de concessões de serviços públicos, em novas bases

José Marcio Mendonça

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Foi, evidentemente, uma coincidência, mas a cobrança do ex-presidente Lula (mais uma, agora vez de público, de viva voz) à presidente Dilma Rousseff, de mais ação (mais governo, leia-se melhor) foi respondida por ela quase imediatamente. Uma meia resposta ainda, pois o que a presidente discutiu com auxiliares foi “inconclusivo”.

Na sexta-feira, repetindo o que tem dito com freqüência em conversas reservadas, em reunião com petistas em São Paulo, Lula foi enfático: “Nós temos de dizer para a companheira Dilma ouvir, e para nossos deputados e militantes ouvirem, que nós precisamos começar a dizer o que faremos neste segundo mandato. Qual a política de desenvolvimento que colocaremos em prática? Qual o tipo de indústria iremos incentivar?”

Para bom entendedor, menos de meia palavra basta. Incomoda ao presidente Lula paralisia de Dilma e do governo. Incomoda menos a ele, mas ele não pode contrariar tanto o seu partido, o ajuste fiscal de Joaquim Levy. Lula defende o ajuste, porém, ele deseja de Dilma políticas complementares. Coisa que o ex-presidente também ouve de empresários em suas romarias ao Instituto Lula.

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A preparação da resposta de Dilma veio no sábado. Numa reunião marcada de última hora (não era conhecida oficialmente antes de sexta-feira) a presidente 13 ministros, de áreas ligadas à infraestrutura e ao setor econômico, mais dirigentes de bancos estatais, para debater e analisar a reabertura do programa de concessões de serviços públicos, o paralisado PIL (Programa de Investimento em Logística).

Apesar de dez horas de conversas, na qual ela teria cobrado de seus auxiliares, segundo os jornais, “projetos” e não mais apenas “planos”, o encontro terminou em nenhuma definição efetiva. Foi “inconclusivo”, segundo admitido oficialmente. Os primeiros projetos deverão ser lançados oficialmente em dez dias ou quinze disseram fontes.

De acordo com o jornal “O Globo”, deverão contemplar três aeroportos – Porto Alegre, Florianópolis e Salvador –, quatro trechos de rodovias (provavelmente Lapa (PR) a Chapecó (SC), Sinnop (MT) a Mirituba (PA), Rondonópolis (MT) a Goiânia (GO) e Jataí (GO) a Comendador Gomes (MG)), e uma de ferrovia, de Anápolis (GO)a Palmas (TO). Os portos ficam para uma segunda etapa.

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Com esses investimentos, para os quais o governo conta principalmente com o setor privado, o Dilma espera começar a alavancar o crescimento da economia nacional, para compensar o escasso investimento público previsto para os próximos meses, prejudicado pela dureza do ajuste fiscal em fase de implantação pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Porém, é principalmente, a rigidez do ajuste fiscal, que incluiu mais parcimônia da participação do Tesouro Nacional e dos bancos oficiais nas participações do setor público nessas concessões em parceria com o setor privado que pode, como se diz popularmente, jogar areia nos planos de Dilma agora.

Todas as propostas de concessões, além dos ministérios setoriais, precisarão do aval específico do ministro da Fazenda. Os bancos estatais – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica -, já avisou Levy, serão menos generosos nas participações como possíveis investidores. Eles vão preparar apenas planos de financiamentos. Não se deve contar muito também com os fundos de pensão da estatais, a maioria meio encalacrada financeiramente.

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Como compensação, o governo deverá permitir maior taxa retorno para os investidores. Nas concessões anteriores tabelava-se o lucro dos concessionários e eles eram compensados com dinheiro público barato.

É uma guinada e tanto no que defendeu durante anos a presidente Dilma Rousseff – taxa de retorno baixa para as companhias concorrentes e serviços para os usuários (como pedágio, por exemplo), também baixos, o que levou ao fracasso de alguns leilões nos últimos anos e a pouca concorrência entre outros. O hoje execrado ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Agustín, por designação de Dilma, quem conduzia essa estratégia.

Mesmo assim, o governo teme o desinteresse dos investidores e pode pensar em novos incentivos, desde que não firam os planos de Levy. Dilma tem pressa em soltar as primeiras notícias sobre as novas concessões para criar um fato positivo capaz de ofuscar a má notícia que vem até meados de maio de um duro e definitivo (não mais apenas contingenciamento) corte no Orçamento. Fala-se em R$ 80 bilhões no Ministério da Fazenda e do Planejamento contra a pressão dos ministros “políticos” para que a tesoura de Levy não passe muito dos R$ 50 bilhões.

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Outros assuntos para destaque na semana

– JUROS – A reunião do Copom, do Banco Central, terça-feira e quarta-feira definirá a nova taxa básica de juros. Segundo a expectativa da maioria dos analistas, com base em declarações de dirigentes da entidade, deverá acontecer mais um aumento de 0,5 ponto percentual na Selic, que pode não ser a última do ano dada a resiliência da inflação. O aumento vem no mesmo momento em que o BC divulgou na semana passada mais um recorde nacional nas taxas de juros pagas pelo tomador de empréstimos na maior parte das linhas de crédito concedidas pelo sistema financeiro nacional.

– CONTAS PÚBLICAS – Crescem as pressões dos Estados e dos municípios para aliviarem seus problemas de caixa e aumentarem a arrecadação. A maioria, em que pese anúncios públicos, parece optar mais por aumentar as receitas que por podar despesas. Na quinta-feira o prefeito paulistano, Fernando Haddad, entrou na Justiça para conseguir o benefício imediato da redução da dívida municipal com o governo federal. Na sexta-feira, o governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori (PDT), avisou que não vai recolher no prazo a prestação deste mês de seu empréstimo com Brasília. Também o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), diz estudar algum tipo de moratória. Informa o “Valor Econômico” de hoje que os prefeitos municipais, de olhe nas eleições do ano que vem, estão em desabalada procura de receitas para alimentar seus planos de obras. E vale um pouco de tudo: parcelamento de tributos, securitização de dívidas, operações de crédito com organismos multilaterais, venda de ativos…

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– DISPUTA NO CONGRESSO/AJUSTE FISCAL – Estão em rota de colisão o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB). O pretexto, agora, é o projeto de terceirização, aprovado com o empenho de Cunha e que Renan ameaçou engavetar antes de voltar atrás. O que não quer dizer que o senador alagoano não vá segurar a proposta enquanto aguarda agrados do Palácio do Planalto. A disputa entre os dois, porém, tem razões menos nobres: é uma disputa pela liderança do Congresso, para ver que tem mais influência na pauta e nas decisões do Legislativo, e, portanto, que tem mais poder em Brasília, inclusive para confrontar o governo. As desavenças entre Renan e Cunha podem prejudicar seriamente a votação das MPs de ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy. Ainda mais que, neste caso, os outros partidos aliados, muito especialmente o PMDB, estão agastados com as posições do PT. Segundo eles, o PT faz críticas às medidas do Ministério da Fazenda para jogar para sua platéia e pretende deixar a visibilidade do desgaste de votar propostas tidas como inaceitáveis pelos sindicados nas costas dos aliados.

LEITURAS SUGERIDAS

  1. Moisés Naím – “O mundo visto pelos banqueiros” – El Pais (edição eletrônica em português)
  2. Ricardo Noblat – “Lula e seu destino” – Globo
  3. Paulo Guedes – “A trincheira anacrônica” – Globo
  4. Valdo Cruz – “Desapega” – Folha
  5. Editorial – “Que partido é esse?” – Estadão
  6. Roberto Luiz Troster – “A doença dos bancos” – Estadão
  7. Editorial – “Ajuste fiscal ainda não passou pelo crivo do Congresso” – Valor
  8. Luiz Carlos Mendonça de Barros – “O fim da hegemonia do PT e a nova agenda” – Valor

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