Quem vai bancar o ISS sobre o streaming?

Em alguma medida, os consumidores assumirão o ônus do aumento do ISS. E mesmo que os fornecedores assumissem integralmente esse ônus, tal efeito diminuiria sua capacidade de reinvestimento e seu apetite pelo mercado, causando prejuízos ao consumidor. Por ambas as razões, há tendência de diminuição do tamanho do mercado em função do imposto criado – a questão é de saber o quanto, mas esse efeito haverá.

Alexandre Pacheco

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Está sendo noticiado na imprensa o andamento na Câmara Municipal de São Paulo do projeto de lei que instituirá ISS (Imposto sobre Serviços) sobre streaming (Netflix, Spotify, etc) – veja aqui.

A questão que destacamos é: quem assume o ônus financeiro do aumento de tributos que incidem sobre o consumo (ou sobre as vendas), a exemplo do ISS? O fornecedor que preenche a guia de recolhimento e entrega o dinheiro referente ao imposto ao Estado, ou o consumidor, que adquire o produto com o imposto embutido?

Não necessariamente quem paga o tributo assume o seu ônus financeiro. Os participantes do mercado, fornecedores e consumidores, tendem a dividir o ônus do tributo, independentemente de quem faça o recolhimento do seu montante aos cofres públicos.

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Uma variável importante que determinará quem assumirá a maior parte do ônus do tributo novo é a demanda do bem ou serviço ofertado – por exemplo, se for inelástica a demanda, a tendência é que o repasse para o consumidor do aumento dos tributos seja integral; se for elástica a demanda, com a existência de bens substitutos, a tendência é que a maior parte do ônus seja assumida pelo fornecedor.

No mercado audiovisual, há diversos serviços “substitutos”, com as operadoras de streaming concorrendo com as operadoras de TV por assinatura, assim como com plataformas de distribuição digital de vídeos, como o Youtube.

Há quem sustente que as operadoras de streaming tenham vantagens regulatórias e tributárias em relação às operadoras de TV por assinatura – veja aqui. Isso poderia, por exemplo, permitir que as operadoras de streaming repassassem integralmente do aumento do ISS para o consumidor, até que seu preço viesse a se equiparar ao das TV´s por assinatura.

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Além da competição entre as operadoras de streaming, existe, ainda, um freio importante para esse repasse integral do imposto, que é dado pela competição delas com conteúdo gratuito vinculado em plataformas da internet e até mesmo com a pirataria. O repasse de tributos reduz o tamanho do mercado, pois uma parte dos consumidores não estará disposta a pagar o novo preço do produto ou do serviço, aumentado pelo efeito do imposto criado – esses consumidores expulsos do mercado tenderão a buscar conteúdo gratuito. Esse ambiente multiplamente competitivo, portanto, tende a limitar o repasse do aumento do imposto, na estratégia dos fornecedores de evitarem a perda de sua participação no mercado.

Em alguma medida, enfim, os consumidores sofrerão as consequência do aumento do ISS – assumindo o ônus do imposto, ainda que em parte, ou sendo obrigados a mudar suas preferências. E mesmo que os fornecedores assumissem integralmente esse ônus, tal efeito diminuiria sua capacidade de reinvestimento e seu apetite pelo mercado, causando indiretamente prejuízos ao consumidor. Por ambas as razões, assim como também pela expulsão de parte dos consumidores, há tendência de diminuição do tamanho do mercado em função do imposto criado – a questão é de saber o quanto, mas esse efeito haverá.

Para quem ainda tem ilusões a respeito da utilidade do pagamento de tributos, por acreditar nas qualidades próprias do Estado na execução da tarefa de distribuir renda e de aumentar o bem-estar da Sociedade na forma de serviços públicos, o aumento do ISS pode ter um efeito bom. A maioria da população vem acreditando cada vez menos nisso, no entanto – e quanto se trata de um bem ou serviço de uso popular, a tendência é que todo mundo seja contra o aumento.

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De qualquer modo, transferir renda da sociedade para o Estado, e, portanto, diminuir a quantidade de recursos circulando na iniciativa privada por meio de trocas livres, sejam recursos de empresas ou de contribuintes, aparenta ser uma forma pouco inteligente de aumentar o bem-estar da Sociedade e a liberdade do ambiente de negócios do país.

O melhor seria que esse ISS novo não tivesse sido criado pelo Congresso Nacional. Mas já que foi ele criado, o melhor é que ele seja o mínimo possível – e melhor não somente para os fornecedores, mas também para os consumidores, que serão direta ou indiretamente atingidos.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.