O martírio da malha fina do Imposto de Renda

Contribui muito para o desprestígio da Receita Federal esse duplo padrão: rápida para cobrar, porém lenta e burocrática para pagar. E também a presunção que ela toma, de que o contribuinte está de má fé e que portanto deve provar a sua inocência. Agindo assim, também entope os Centros de Atendimento com pessoas que poderiam estar trabalhando e produzindo, ao invés de estarem perdendo o seu tempo explicando banalidades.

Alexandre Pacheco

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O martírio da malha fina do Imposto de Renda

A Receita Federal liberou hoje o último lote de restituições do Imposto de Renda da Pessoa Física de 2017, também informando que há 747 mil declarações retidas na malha final – veja aqui.

Segundo dados da própria Receita Federal, essas 747 mil declarações retidas representam 2,46% do total de 30.433.157 declarações apresentadas neste ano de 2017. Dessa quantidade de declarações, 71,61% apresentam imposto a restituir, 24,49% têm imposto a pagar e 3,90% não apresentam imposto a restituir, nem a pagar – veja aqui.

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Se das 747 mil declarações retidas há 71,61% de declarações com imposto a restituir, estamos falando de aproximadamente 535 mil declarações nessa condição. Apesar do montante do imposto a restituir não ter sido divulgado relativamente a essas declarações retidas, se for mantida a mesma proporção com o lote liberado hoje, de R$ 2,8 bilhões para 1.897.961 declarações, estamos falando de R$ 800 milhões, dinheiro dos contribuintes que está nas mãos do Governo.

A Receita Federal explica como causas da retenção das declarações a omissão de rendimentos, as divergências de informações prestadas por terceiros e as deduções de despesas médicas, de pensão alimentícia e de previdência.

Só quem teve uma declaração retida na malha fina com imposto a restituir sabe o que significa sair dela com o seu rico dinheirinho, ainda mais se forem necessárias explicações ou justificativas da Receita Federal. O contribuinte pode ter que pagar mais para resolver o problema do que tem a receber a título de restituição, contratando contadores ou deslocando-se para os Centros de Atendimento – afora o custo emocional.

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Há, no entanto, retenções de declaração por divergências entre informações prestadas pelo contribuinte e informações prestadas por terceiros (empregadores, instituições financeiras, INSS) que são evidentemente incabíveis. E a Receita Federal sabe disso.

Esses casos concentram-se, provavelmente, nessa situação: “Divergências entre o IRRF informado na declaração e o informado em DIRF: 261.220 declarações com esta ocorrência”. Admitindo que todos esses casos tenham imposto a restituir, estamos falando de metade das declarações retidas nessas condições, e de algo que pode significar R$ 400 milhões de imposto. Se os casos de restituição estiverem concentrados nessa situação, esse número pode eventualmente alcançar R$ 800 milhões.

Agora, se a Receita Federal cobra os casos em que há indícios de imposto a pagar, como os de omissão de rendimentos e de dedução de previdência oficial ou privada e de despesas médicas, deveria facilitar a restituição de impostos nos casos em que há indícios de que as divergências de preenchimento das declarações são decorrentes de simples erros dos contribuintes, sem nenhum intuito de sonegação.

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Esses casos de erros de preenchimento, cujos números estamos estimando, porque não foram abertos pela Receita Federal (advinha o porquê…), deveriam no mínimo ser saneados via sistema, liberando-se os saldos das restituições ao menos considerando como verdadeiros os saldos informados pelas fontes pagadoras (empregadores e instituições financeiras, por exemplo), ou, no mínimo, considerando os menores valores informados pelos contribuintes ou pelas fontes pagadoras, para que fosse possível reduzir o contingente de sofredores com razoabilidade estatística.

Contribui muito para o desprestígio da Receita Federal esse duplo padrão: rápida para cobrar, porém lenta e burocrática para pagar. E também a presunção que ela toma, de que o contribuinte está de má fé e que portanto deve  provar a sua inocência. Agindo assim, também entope os Centros de Atendimento com pessoas que poderiam estar trabalhando e produzindo, ao invés de estarem perdendo o seu tempo e o seu dinheiro explicando banalidades.

E o pior: retém indevidamente em seu poder um dinheiro que não é seu.

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Será que vai chegar o dia em que o Estado vai entender que deve estar à serviço do cidadão, e não o contrário?

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.