Reforma tributária americana – o mundo em guerra fiscal, enquanto o Brasil dorme e o abismo cresce

O Brasil deve fazer um movimento rápido de simplificação do modo de recolhimento de tributos, pois o custo envolvido nessa tarefa chega a custar entre 0,2% a 3,53% do faturamento das grandes empresas. Mas isso é não é suficiente. Não basta fazermos uma reforma tributária "neutra", sem redução da carga tributária, usando apenas a simplificação. Essa é a novidade que a reforma tributária americana trouxe. Ficou ainda muito mais necessário um corte de tributos (a começar pelos 34% de tributos sobre os lucros), e, portanto, uma redução muito mais profunda das despesas públicas (a começar pela Reforma da Previdência). Aumento de tributos seria suicídio econômico, nesse cenário.

Alexandre Pacheco

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(Crédito: Shutterstock)
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Como se não bastassem os problemas que nós brasileiros criamos para nós mesmos, ainda temos que tratar dos problemas que vêm do exterior e que afetam o nosso país.

E um problema sério dessa natureza, criado no Exterior, é a reforma tributária americana, aprovada no fim do ano passado e que entrou em vigor nos EUA agora em 2018.

O ponto que tende a afetar mais o Brasil diz respeito à redução da alíquota nominal do imposto de renda das empresas americanas, que foi de 35% para 21% sobre os lucros. No Brasil, a alíquota nominal da tributação da renda das grandes empresas é, em regra, de 34%, o que inclui o IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Ou seja, em uma conta grossa, nossa tributação sobre os lucros é hoje 13% mais cara em relação à tributação americana.

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Para piorar esse quadro novo, antes da reforma americana os tributos sobre os lucros pagos no Brasil por empresas americanas podiam ser compensados com o imposto de renda americano – ou seja, o lucro gerado no Brasil era tributado aqui a 34%, sendo que a matriz nos EUA recolhia a diferença de 1% lá quando da remessa desses lucros, para inteirar os 35%.

Agora, com a reforma americana, os lucros gerados por empresa americana no Brasil serão tributados exclusivamente aqui. Ou seja, essa empresa pagará 34% aqui e, quando da remessa desses lucros para os EUA, não pagará lá nenhum adicional, nem receberá devolução da diferença dos 13% pagos a maior aqui. Em compensação, os lucros de empresas americanas que produzem e vendem lá serão tributados em 21% nos EUA.

A situação também ficou pior para as empresas brasileiras que produzem e vendem nos EUA. Elas pagarão 21% de imposto de renda nos EUA e deverão complementar os 13% de tributos sobre os lucros no Brasil, o que reduzirá sua competitividade com produtos fabricados e vendidos nos EUA por empresas americanas.

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Para agravar ainda mais o cenário brasileiro, a reforma tributária americana ainda oferece a repatriação de lucros com uma alíquota de 15,5%. Isso é problema porque parte expressiva do investimento estrangeiro no Brasil é americana (18%). A remessa de lucros gerados no Brasil para os EUA por empresas americanas, em decorrência desse incentivo à repatriação de recursos, pode nos afetar significativamente.

É fácil notar que, para o Brasil, a reforma tributária americana é um risco sério. Para as empresas americanas, ficou comparativamente muito mais caro investir e produzir no Brasil, mesmo que seja para venda no mercado interno brasileiro. E para as empresas brasileiras com subsidiárias nos EUA, a competição ficou mais dura. Será mais difícil trazer dinheiro americano novo para o nosso país, além de haver risco de redução de capitais americanos que estão hoje por aqui.

Os políticos no mundo estão em polvorosa, porque esse movimento vai pressioná-los a cortar despesas públicas, em vista da necessidade de reduzirem impostos, para tornarem suas empresas competitivas com as americanas na exportação de produtos para os EUA, assim como para manterem os ambientes de negócios de seus países viáveis para receberem investimentos americanos.

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E o Brasil, o que está fazendo diante disso?

Absolutamente nada.

Estamos assistindo passivamente a esse movimento de redução de impostos dos EUA. Há anos estamos vendo diversas empresas buscando menores encargos tributários e trabalhistas no Paraguai, sem termos mexido uma palha para mudarmos isso. Imagina se seríamos rápidos o suficiente para reagir a um movimento do mês passado?

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Enfim, para termos uma ideia de proporções, a carga tributária total sobre os lucros comercias no Brasil é de 68,4%, no Paraguai é de 35% e nos EUA é de 43,8% (e isso antes dessa última reforma tributária americana) – veja aqui.

O Brasil deve fazer um movimento rápido de simplificação do modo de recolhimento de tributos, pois o gasto envolvido nessa tarefa chega a custar entre 0,2% a 3,53% do faturamento das grandes empresas – veja aqui.

Mas isso não é suficiente.

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Não basta fazermos uma reforma tributária “neutra”, sem redução da carga tributária, usando apenas a simplificação. Essa é a novidade que a reforma tributária americana trouxe. Ficou ainda muito mais necessário um corte de tributos (a começar pelos 34% de tributos sobre os lucros), e, portanto, uma redução muito mais profunda das despesas públicas (a começar pela Reforma da Previdência). Aumento de tributos seria suicídio econômico, nesse cenário.

Se não fizermos isso logo, a produção do mercado interno será abastecida cada vez mais por importações, além de se dar a redução ou a paralisação do ingresso de investimentos americanos novos aqui. O que significará desindustrialização, aumento do desemprego, redução da arrecadação de tributos empresariais, inflação e desvalorização da moeda brasileira, dentre outras consequências mais.

Chegamos no ponto em que a Reforma Tributária e a Reforma do Estado estão na base do “ou vai, ou vai”. Se não acordarmos para esses temas, irá aumentar ainda mais a profundidade do abismo econômico para o qual estamos indo .

Acorda Brasil!

 

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

 

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.