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Quanto nos custam os paraísos fiscais Embora os economistas façam uma distinção conceitual entre capital, trabalho, terra, recursos naturais, meios ou fatores de produção, capital humano, capital intelectual, capital financeiro e muitas outras variáveis sociológicas ou econômicas, para os efeitos práticos da abordagem simplificada que pretendo esboçar neste tópico, vou adotar definições mais resumidas e mais genéricas para todas elas.
Com esse propósito, podemos aceitar o entendimento de que todos os fatores econômicos (terra, força humana, máquinas, etc.) são meios potenciais de produção que se convertem automaticamente em meios efetivos de produção quando postos a funcionar com o propósito específico de gerar bens e serviços com valor financeiro próprio para troca ou aquisição e, ainda, para a simples geração de renda.Mas, nem todos os bens ou serviços produzidos segundo esse processo simplificado costumam ser consumidos ou usufruídos de imediato. Pela tendência natural de poupança ou acumulação da sociedade e dos proprietários, parte dessa produção é reservada para aumentar a capacidade futura, transformando-se em novas máquinas, instalações, terras ou terrenos mais desenvolvidos, em capital financeiro ou em outros estoques de riqueza. Com o girar dessa roda as necessidades humanas vão sendo atendidas com maior ou menor eficiência e rapidez, conforme o dinamismo de cada economia e sua capacidade de mobilizar os fatores de produção de acordo com a estratégia desejável em cada estágio.
Entre as necessidades básicas das sociedades está a de custeio e manutenção do próprio aparato dos respectivos Estados, de forma a garantir, entre outras coisas, a segurança (interna e externa), a representação internacional, a administração da justiça, as ações de saúde pública e de incentivo à educação, etc. O custeio desse aparato é feito pela tributação das pessoas produtivas, dos proprietários, dos usufrutuários dos mecanismos de aposentadoria e pensão, e dos capitais financeiros. Em outros termos, o custeio do aparato de Estado estará sempre sendo feito pela apropriação de parte do trabalho realizado pelos cidadãos, proprietários ou não, no presente (salários, rendas, benefícios, etc.) ou no passado (capital acumulado, propriedades, bens de produção, etc.), para não mencionar as formas mais diretas de arrecadação coercitiva (força de trabalho convocada para as forças armadas, durante guerras ou outros episódios desse tipo, ou até mesmo pelo trabalho obrigatório e não remunerado em mesas eleitorais, nos tribunais de juri ou em tarefas semelhantes).
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Mencionei esse quadro para focar, com mais objetividade, os efeitos nocivos da transferência de capitais financeiros para os assim chamados “paraísos fiscais”. A Receita Federal brasileira relacionou, oficialmente, um conjunto de quase 50 países ou regiões autônomas (distribuídos pelo Caribe, Europa, Ásia e África) enquadrados nessa denominação geral, seja por não exigirem identificação dos acionistas de empresas “offshore”, seja por taxarem os respectivos capitais financeiros com níveis muito baixos de tributação. Esses paraísos são utilizados por criminosos e quadrilhas que buscam lavar dinheiro obtido em atividades ilícitas ou, como é mais freqüente, por espertalhões que visam esconder da tributação parte dos seus capitais ou riquezas acumuladas. Quero focar, exatamente, essa última modalidade.
A necessidade de custeio do Estado, em determinada época ou circunstância, é a mesma, qualquer que seja o número de trabalhadores ou o montante do capital acumulado existente na nação. No entanto, se tributados apenas os valores visíveis (força de trabalho e riqueza acumulada), as taxas de contribuição destes será forçosamente maior do que a que poderia resultar de uma cobrança equânime (incluindo os capitais furtivos que se escondem nos paraísos fiscais). Ou seja, no quadro real, uma parcela maior do trabalho dos contribuintes, esforço atual (salários, rendas e benefícios) ou esforço passado (riqueza acumulada), estará sendo exigida apenas para compensar a malandragem dos capitais fugidios. A injustiça não acaba aí. Com a taxação diferenciada, os capitais do bem (regularmente demonstrados e contabilizados segundo as regras nacionais) competirão em desvantagem com os capitais do mal (aqueles escondidos pelos espertalhões nos paraísos fiscais e internalizados aqui nas oportunidades de investimento que se oferecem).
Esse é um assunto que tem escapado às análises econômicas mais corriqueiras e, até mesmo, das fontes bibliográficas internacionais de referência. Ausência especialmente notada na obra recente do francês Thomas Piketty: “O Capital no Século XXI”. A crise em que estamos mergulhados me parece a oportunidade exata para que se impeça a ação franca e desimpedida dos capitais do mal, que acaba prejudicando o ambiente de negócios do País e a necessária contribuição dos capitais financeiros regulares para a retomada do crescimento econômico.