Compra antecipada de ingressos para shows garante direitos extras ao consumidor?

Advogados ensinam o que consumidor precisa fazer diante de problemas relacionados a shows e festivais, cujos ingressos foram vendidos com antecedência

Giovanna Sutto

Taylor Swift (Getty Images)
Taylor Swift (Getty Images)

Publicidade

Coldplay, Taylor Swift, Rebelde, Numanice, Lollapalooza, The Town, Privamera Sound, e outras várias atrações e festivais estão movimentando o setor de shows neste ano no Brasil. Em comum, a venda antecipada de ingressos fez com que os fãs garantissem presença nesses shows muitos meses antes de os eventos acontecerem.

Apesar da empolgação em ver o ídolo depois da pandemia, há também certo receio ao garantir a ida nesse tipo de evento com muita antecedência: afinal, se algo acontecer e o show não se concretizar?

Exemplos recentes fazem parte da memória de muitos fãs: Justin Bieber, Coldplay e Imagine Dragons foram alguns dos artistas e bandas que tiveram que adiar ou cancelar suas turnês diante de problemas de saúde de integrantes dos grupo ou do próprio cantor. Só na última edição do Lollapalloza foram ao menos cinco artistas anunciados que não se apresentaram. Entre os nomes estavam as principais atrações do evento, como o rapper Drake e a banda Blink-182.

Continua depois da publicidade

Luísa Barwinski, consultora de estratégia de marketing digital, afirma que a venda antecipada, que vem se consolidando como uma tendência, não deixa de ser uma estratégia dos organizadores dos eventos, já que o setor enfrentou um período difícil na pandemia.

“É uma forma de levantar caixa para a produção do evento, além de começar a engajar os fãs antes e promover marcas durante todo o período entre a data de anúncio e o acontecimento do show”, explica a especialista.

O InfoMoney entrou em contato com advogados para saber quais os direitos que o consumidor tem nos casos de problemas em shows e festivais, cujos ingressos foram vendidos de forma muito antecipada. Confira:

Continua depois da publicidade

1. Para o consumidor, faz diferença a data da compra do ingresso?

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não faz distinção entre o prazo na compra do ingresso. “Seja para o ingresso comprado com um ano de antecedência ou comprado nas vésperas, o consumidor terá o mesmo direito”, explica Raphaell Marden, advogado especializado em direito do consumidor do Goulart Penteado.

Daniel Blanck, advogado do direito do consumidor, acrescenta não há diferenças desde que a publicidade associada à venda não tenha levado o consumidor a acreditar que os valores aumentariam no período entre a compra e o show, o incentivando a comprar antecipadamente.

“Se a publicidade for enganosa e levar o consumidor a acreditar que está fazendo um bom negócio comprando os ingressos antecipadamente, quando na verdade o preço não aumentaria, o consumidor poderá buscar um reembolso da quantia adicional que pagou devido a essa publicidade incorreta. O consumidor não pode ser prejudicado por informações enganosas ou práticas comerciais injustas”, afirma Blanck.

Continua depois da publicidade

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que o cliente deve receber aquilo que foi contratado de forma correta, ou seja, ter acesso ao espetáculo para o qual comprou o ingresso na data e local informados, complementa Stefano Ferri, especialista em direito do consumidor e assessor do Tribunal de Ética da OAB/SP.

2. E se o show for adiado?

Se o show for adiado, o consumidor tem direito a escolher entre:

“Se, por algum motivo, o consumidor não puder comparecer à nova data, ele tem o direito de receber o valor pago de volta, como estabelecido no CDC [Código de Defesa do Consumidor]”, explica Blanck.

Continua depois da publicidade

Marden detalha que a regra de reembolso prevê a devolução através de compensação na fatura do cartão do consumidor, caso tenha sido o meio de pagamento utilizado no ato da compra. “Com o expresso consentimento do consumidor, a empresa pode oferecer o reembolso do ingresso através de créditos em sua plataforma”, diz o advogado do GPA.

3. E se o show for cancelado?

No caso de cancelamento de um show, o consumidor tem o direito de optar entre receber o valor integral de volta, incluindo taxas e outros encargos, ou aceitar um crédito ou troca por outro evento, conforme previsto no CDC.

A regra de reembolso se mantém. “Como regra, a organizadora do show deverá proceder com a imediata devolução do valor pago no ingresso, através de depósito em conta ou compensação na fatura do cartão do consumidor, caso tenha sido o meio de pagamento utilizado”, afirma Marden. “No entanto, desde que com expresso consentimento do consumidor, o reembolso também poderá ocorrer através de créditos na plataforma da organizadora”, avalia o advogado do GPA.

Continua depois da publicidade

Segundo Stefano Ferri, a empresa responsável pela venda dos ingressos deve fornecer orientações claras sobre o processo de reembolso.

4. Se comprar de cambista ou terceiro, há algum direito?

Comprar de cambistas pode privar o consumidor das garantias de cancelamento, remarcação e reembolso integral previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), segundo Ferri.

Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC), por outro lado, já entende que é possível sim o cliente ser respaldado pela lei,

“As plataformas de vendas de ingressos sempre anunciam que não se responsabilizam por vendas de terceiros, mas, se o ingresso for original e comprado na plataforma oficial e a empresa recebeu por isso, independentemente de quem comprou, esse cliente que sofreu o dano poderia ter o direito garantido podendo entrar na Justiça para tentar reaver o dinheiro perdido seja por cancelamento ou adiamento”, avalia a especialista.

Apesar disso, a prática do cambismo ainda não é considerada crime para o consumidor, porém ela incentiva uma conduta abusiva que contorna as condições e garantias estabelecidas por lei para a venda de ingressos, avalia Ferri.

“Evitar adquirir ingressos na mão de cambistas, especialmente nas imediações do local do evento, é uma decisão sensata e juridicamente respaldada, uma vez que essa prática não é amparada pelo CDC. Com frequência, os cambistas exploram a tecnologia e as redes sociais para tirar vantagem do desejo e da vulnerabilidade dos consumidores”, orienta Ferri.

Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC), ressalta que o Projeto de Lei nº 3120/23, que está em tramitação, visa punir o cambismo e imputar uma pena de um a quatro anos e multa correspondente a 100 vezes o valor dos ingressos anunciados pelo cambista ou apreendidos em seu poder.

5. Lei de remarcação de serviços e eventos ainda vale?

A Lei 14.390/22 dispõe sobre a possibibilidade de remarcação de serviços e eventos culturais e de turismos adiados ou cancelados em virtude da pandemia foi prorrogada até o final de 2023, portanto, ainda segue válida, conforme explicou Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC).

Segundo a lei, o consumidor que optar pelo crédito de serviço ou evento adiado ou cancelado até 31 de dezembro de 2022 poderá usá-lo até 31 de dezembro de 2023. Se optar pela remarcação da data, o prazo limite será o mesmo.

“A empresa deve reembolsar os valores pagos pelos consumidores se não conseguir assegurar a remarcação dos serviços, eventos ou reservas adiados ou cancelados, ou ainda conceder crédito para uso na compra de outros serviços da empresa”, finaliza Stefano Ferri.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.