Divisão dos votos no Copom chama mais a atenção dos analistas do que o corte mais arrojado de juros

Para economistas, comunicado do BC tentou conter pressão do mercado por cortes mais intensos nas próximas reuniões

Roberto de Lira

Reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil. Foto: Raphael Ribeiro/BCB
Reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil. Foto: Raphael Ribeiro/BCB

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Embora a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de iniciar o ciclo de corte na taxa básica de juros de forma mais agressiva, reduzindo a Selic em 0,50 ponto percentual, para 13,25%, tenha contrariado a opinião de uma parcela relevante dos economistas, a divisão do colegiado foi considerada a maior surpresa desta quarta-feira (2). Como destacaram analistas, o placar de 5 a 4 entre os nove diretores significa que o presidente Roberto Campos Neto desempatou a decisão.

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz, afirmou que a grande surpresa no comunicado nem foi a opção pelo corte de 50 pontos-base, uma vez que essa hipótese evidentemente estava na mesa. O que surpreendeu, segundo ele foi a votação dividida nesses termos de 5 a 4.

“Normalmente, o presidente é o último a votar. Então, ele votou pelo desempate. E os diretores que ele trouxe (para o BC) não foram os votantes da maioria, e sim os novos diretores que recém ingressaram no Copom”, disse durante live do InfoMoney no Youtube

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Ele comentou ainda que é natural que um BC autônimo tenha votos dissidentes poque tem pessoas indicadas de formação e até de governos diferentes – isso é visto no México e no Chile, por exemplo. “A surpresa é o Roberto Campos Neto desempatar a votação do lado os novos diretores, não tendo sido possível costurar um consenso. É uma decisão que vai deixar bastante ruído no mercado porque vai ser possível fazer a leitura de que, no final, a pressão política”, explicou Kawall.

Catherine Cruz, head de alocação da Braúna Investimentos, outra convidada da live, também disse ter ficado surpresa com o voto do presidente do BC a favor do corte de de 0,50 p.p. “Dá para concluir que os próximo dado a gente vai olhar com lupa. No comunicado veio parcimônia e veio manter o ritmo e que consensual vai mante a mesma magnitude (de cortes). Eles vão ancorar no meio ponto, os  5 a 4 deixam mais forte isso”, comentou.

Marco Caruso, economista-chefe da PicPay faz uma leitura semelhante do anúncio da votação dividida em 5 a 4. Segundo ele, essa pode ter sido uma das formas que o BC usou para passar uma mensagem mais dura conter a pressão dos mercados por cortes mais acelerados.

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Segundo ele, a divisão em si já diz que nas próximas decisões não vão migrar rapidamente para um ajuste de 0,75 p.p., que é um dos riscos que o Copom quer evitar. A outra mensagem, segundo Caruso, foi mais explícita. “Ele opta pelo plural para falar que o cenário básico das próximas reuniões é de corte de mesma magnitude. E deixa bem claro que essa leitura é unânime”, destacou.

Outro ponto que sinaliza que o BC quer “tentar segurar a precificação na unha” foi dizer que está mirando apenas uma redução no grau de aperto nas condições monetárias, não está antevendo patamares expansionistas de Selic. “Então, também tenta segurar a precificação da Selic terminal do ciclo”, afirma, lembrando que o mercado aposta num taxa final de 9% em 2024. “O mercado está mirando muito próximo do que seria uma taxa nominal neutra e ele (o BC) indica que não vai para baixo desses patamares”, analisou.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, acredita que a presença dos dois novos diretores do Copom no colegiado – Ailton de Aquino Santos e Gabriel Galípolo – indicados pelo governo foi determinante para a queda do juros nesse patamar, mas ele reforçou que todas as condições macroeconômicas apontavam para uma queda de 0,5 ponto percentual.

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A Austin tinha a expectativa de que essa seria a decisão a ser tomada porque reduzir o juro real para mais próximo do juro neutro é um dos fatores fundamentais da decisão de política monetária. Além disso, afirmou, todos os indicadores de expectativas de inflação futura já estão dentro dos limites toleráveis do cumprimento da meta de 2023, 2024 e 2025.

Agostini disse que a expectativa a Austin é que o BC continue e cortar os juros em meio ponto no mínimo até meados do ano que vem, quando a taxa de juros real será igualada à taxa de juros neutra, aquela taxa equivalente ao crescimento econômico sem gerar inflação.

Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, observou que o comunicado do Copom veio num tom melhor que o esperado, ou seja,  bem mais leve que as últimos comunicações.

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“A redução de 50 pontos-base foi acima do que eu esperava, levando em consideração toda a política mais rígida do Banco Central em relação à demora de redução da taxa Selic”, disse.

Cohen afirmou ainda que tem uma expectativa boa para as próximas quedas de juros. “ Se os dados vierem bons, a Selic vai continuar caindo. Achei muito prudente a decisão. Foi uma votação disputada, o comitê ficou bem dividido, mas é positivo que o próprio presidente do BC votou a favor da queda de 50 p.p.”, comentou.

Marcos de Marchi, economista chefe da Oriz Partners, destacou o detalhamento da divisão dos votos. “Chama a atenção o fato de Campos Neto e o Direto Diogo Guillen terem divergido na decisão. Campos Neto, pelo corte de 50 e Diogo, que é o diretor de Política Econômica do BC, pelo corte de 25. Se imaginava que eles estariam mais alinhados”, ponderou.

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Para ele, o mercado agora precificará cortes maiores nas próximas reuniões, apesar do Copom ter indicado que cortes da mesma magnitude são prováveis. “Talvez essa indicação tenha sido uma exigência de Campos Neto para que ele defendesse um corte mais agudo dos juros agora”, cogitou. “Ao longo dos próximos meses o colegiado sofrerá novas alterações com mais diretores indicados pelo atual governo e provavelmente o mercado verá uma chance de um ciclo longo de cortes”, completou.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, observou que o Copom levou em consideração para sua decisão a desaceleração recente da inflação, que inclui as medidas de núcleo e serviços, que são mais sensíveis à política monetária, bem como a aqueda das expectativas de inflação para o longo prazo. “Por outro lado, ainda permanecem riscos de alta que requerem serenidade e moderação, entre eles uma maior persistência da inflação de serviços e o hiato do produto mais apertado”, alertou.

“A decisão veio em linha com nossa expectativa e com fundamento no cenário de queda mais acelerada da inflação do que o esperado. O mercado pode ajustar no curto prazo, como apostas estavam divididas para esse corte, mas a indicação do ritmo de 50 pbs para as próximas reuniões está em linha com a expectativa e não deve impactar de maneira significativa a curva de juros”, previu.

Para Rafaela, o tamanho do corte total que pode ser feito ainda está bastante indefinido. A projeção do Inter se mantém numa Selic de 9% para 2024, considerando o atual cenário de queda da inflação e cortes que seguirão no ritmo de 50 pbs.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, afirmou que o dissenso já era o cenário projetado para esse encontro. “Embora considerássemos que não seria despropositado que o movimento viesse com redução um pouco maior, acreditávamos que o conservadorismo seria mais condizente com a estratégia traçada pelo Comitê, bem como o discurso que a autoridade monetária vem reproduzindo nos últimos meses”, disse.

Com a decisão de hoje, a Órama alterou sua projeção de Selic para o fim do ano, de 12,25% para 11,75%, ao considerar que as próximas reuniões deverão trazer reduções de 0,50 p.p. “Para o ano que vem, acreditamos que a Selic terminal ficará em 9% a.a.”, afirmou o economista, que ponderou ainda considerar que a inflação de serviços e dos núcleos do IPCA estão rodando em níveis pouco confortáveis.

Balanço de riscos

Mudanças na análise do balanço de riscos também foram percebidas pelos especialistas. Leonardo Costa, economista da ASA Investments, destacou que, no trecho de comentários sobre a conjuntura, foi citado que o cenário externo deixou de ser adverso e se tornou incerto, com núcleo de inflação resiliente nas principais economias. “No cenário doméstico caiu o trecho que indicava resistência da atividade econômica”, citou.

“O BC está tentando manter alguma credibilidade perante a ‘ancoragem parcial’ das expectativas e torcendo pela redução mais rápida da inflação”, disse Costa.

Ele lembrou ainda que as projeções do BC agora indicam uma inflação de 4,9% em 2023, de 3,4% em 2024 e de 3,0% em 20, esta última aparecendo pela primeira vez.

Com a decisão, que frustrou a expectativa do mercado, a taxa terminal dos juros em 2023 deve ser pouco menor do que a atual projeção da ASA, de 12%.

Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos, também comentou a decisão “bastante dividida, com a maioria optando por largar mão da parcimônia e votando a favor de um ciclo gradual de 0.50 pp”.

Ele lembrou que, entre as reuniões de junho e agosto, houve melhora adicional da inflação corrente, queda das expectativas longas e uma atividade ainda resiliente, em particular o mercado de trabalho. “A dúvida que pairava era se a melhora da inflação e expectativas seriam suficientes ou não para mudarem o discurso de parcimônia, e o comunicado de hoje mostrou que sim, foi suficiente pra mudar a cabeça do colegiado”, comentou.

“Como nós enxergávamos uma melhora da inflação corrente maior do que o restante do mercado e seguimos projetando inflação de 4,5 a4.6% para o IPCA este ano, projeção abaixo do consenso, não acreditamos que a decisão de hoje tenha tido cunho político”, avaliou Martello.

Já Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, afirmou que, apesar de o Copom assumir a ponta “dovish” das expectativas, tentou se manter “hawkish” no texto. “A autoridade monetária reforçou que a inflação de serviços segue pressionada e que os juros precisam ficar ainda mais tempo em território contracionista para controlar a inflação”, disse.

Ele também acredita que a indecisão do BC ficou clara ao final do comunicado, com o registro dos votos. “Pela primeira vez na história do Copom tivemos um Comitê dividido, com o voto decisivo sendo feito pelo presidente da autarquia. Campos Neto acompanhou o novo diretor de política monetária do BC, indicado pelo atual governo, Gabriel Galípolo, e foi contrário ao diretor de política econômica Diogo Guillen.”

Mercadante disse que essa divisão gera algumas reflexões. “A primeira delas é sobre a dinâmica de um Copom independente com diretores indicados por presidentes diferentes. A segunda diz respeito a postura do Copom a partir de 2025, quando mudar o regime de metas e os diretores forem todos indicados pelo atual presidente: haverá mais leniência com a inflação?”, perguntou.

Adriana Dupita, economista sênior para Brasil e Argentina na Bloomberg Economics, viu ousadia na decisão do BC. “A inflação subjacente e abaixo do esperado, somada a menos incerteza política, levaram o BC a começar a relaxar sua política monetária superapertada. Como esperávamos, a decisão não foi unânime e os formuladores de políticas elaboraram uma linguagem para conter as apostas em cortes maiores em reuniões futuras”, comentou.

Com a decisão do Copom, Adriana revisou sua projeção de taxa final de 2023 para 11,75%.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, viu o comunicado como “dovish” e mais neutro. Sobre a decisão disputada, ele comentou que o mercado esperava que de fato houvesse uma dissidência em relação a decisão, na qual obviamente Galípolo e o Ailton fossem pender mais para 0,50 p.p. e os demais penderiam mais para 0,25 p.p., mas não foi isso o que aconteceu.

“A gente viu que outros membros decidiram abraçar a ideia de um corte de juros maior mesmo nesse início de ciclo, com uma inflação ainda resiliente. Mas a maior surpresa de fato ficou por conta do desempate, com o Roberto Campos Neto”, disse.

Sobre o comunicado, entre os pontos mais importantes, Jorge disse que o Copom reconheceu que há uma conjuntura deflacionária e que esse é um dos motivos pelos quais eles decidiram tomar a decisão.

O economista comentou ainda que o BC disse que seguirá com o compromisso de trazer a inflação ao redor da meta e deixou um sinal a respeito de uma política contracionista ainda por um período mais elevado. “Essa fala dá a impressão de que não há espaço nesse momento para acelerar ainda mais a queda, ou seja, muito provavelmente vai continuar nesse pace de 0.50.”

Para ele, não tem por que o BC voltar atrás nessa decisão. “Eu acho que, se volta atrás, é algo que vai gerar muito mais ruído do que solução. Já que o Banco Central decidiu começar acelerado, ele tem que continuar acelerado. S desacelera, na minha visão, passa uma mensagem de não ter certeza do que está fazendo. Então, é muito pior. Isso iria gerar ainda mais volatilidade para o mercado.”

João Savignon, head de pesquisa Macroeconômica da Kínitro Capital, observou que o Copom deve manter esse ritmo de cortes de juros nas próximas reuniões, mas não descartou que possa intensificá-lo, caso o cenário evolua favoravelmente.

“Isto é, se houver uma continuidade desse ambiente de menor risco doméstico, com o avanço das pautas econômicas na volta do recesso parlamentar, novas indicações de elevação do rating soberano, com consequente apreciação do câmbio, ou novos recuos das expectativas de inflação e das medidas de inflação mais sensíveis ao ciclo econômico.”