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O texto-base da reforma tributária, aprovado na Câmara e que está em análise pelo Senado, prevê mudanças na cobrança de impostos sobre o consumo, com possíveis efeitos nos combustíveis.
O que se sabe até agora é que uma lei complementar terá de ser esboçada para nortear o peso tributário que vai incidir sobre os combustíveis que alimentam carros, ônibus e outros meios de transporte que circulam no país.
O texto-base, por enquanto, definiu um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) no formato dual, que será criado para o sistema tributário brasileiro. Ele é composto por dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
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O primeiro substituiria três tributos federais: PIS, Cofins e o IPI. E o segundo o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). No novo sistema, o IVA dual contará com uma alíquota-padrão, outra diferenciada (com redução de 60% em relação à primeira) e uma terceira zerada.
Embora essas alíquotas impactem diretamente todos os itens da reforma, ainda não foram definidas ‒ o que deve acontecer só quando projeto de lei complementar sobre o assunto entrar em discussão.
Situação dos combustíveis
O setor de combustíveis passou por uma mudança recente e que deve ser mantida (ou de forma bem similar) com a reforma. Antes, os combustíveis sofriam incidência de impostos, especialmente ICMS, diversas vezes em sua cadeia produtiva pelo valor efetivo de venda até chegar ao consumidor.
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Refinarias, distribuidores, revendedores (postos de combustíveis) arcavam com o pagamento dos tributos, mas com a possibilidade de compensar o imposto pago.
E o formato de tributação era diferente: cada estado tinha autonomia para definir a alíquota de ICMS cobrada em seu território, o que fazia com que os preços de combustíveis variassem ao redor do país. Então, por exemplo, no Rio de Janeiro a alíquota era de 32%, enquanto no Mato Grosso era de 23%.
Depois, em julho de 2022, foi sancionada a Lei Complementar (LC) nº194/2022, que determinou que os combustíveis fossem qualificados como bens e serviços essenciais, vedando a fixação das alíquotas em patamar superior ao médio praticado nacionalmente.
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“Após a qualificação como produto essencial, as alíquotas foram reduzidas e todos os estados cobravam uma faixa entre 17% e 18% de ICMS”, explica João Carlos Molisani, advogado tributário do Goulart Penteado.
Mais tarde, em agosto de 2022, uma nova LC (192/22) foi sancionada, dessa vez, alterando o formato da tributação das alíquotas dos combustíveis (gasolina, etanol e diesel). Os preços dos combustíveis ainda estavam muito altos e a alíquota fixa por litro foi uma solução apresentada para ajudar a diminuir a oscilação.
Até então as alíquotas eram calculadas em um percentual sobre uma base de cálculo, determinada pela venda do produto, no caso os combustíveis. Com a LC nº 192/2022, duas mudanças foram implementadas:
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- a alíquota passou a ser calculada em quantidade, ou seja, em um valor de real por litro de combustível, acabando com o formato em porcentagem sobre o valor do produto;
- a cobrança passou a ser monofásica, ou seja, a incidência do imposto acontece uma única vez, no início da cadeia de produção, acabando com aquela cobrança múltipla (plurifásica) na cadeia, formato em vigor até então.
Diante disso, as alíquotas foram fixadas por volume comercializado: o ICMS ficou em R$ 1,22 por litro em todo o território nacional e entrou em vigor em junho deste ano; e a do diesel ficou em R$ 0,94 por litro passando a valer em maio deste ano.
E o que a reforma propõe?
O texto-base estabelece um regime de tratamento diferenciado para combustíveis. A ideia é ter um IVA dual, em regime monofásico com alíquota única em todo o território nacional e variando conforme o tipo de produto. Nesse regime, o imposto é cobrado apenas uma vez na cadeia produtiva, em uma das etapas, no refino ou na importação — nos moldes da LC 192.
Valéria Lima, diretora de downstream (refino até distribuição de combustíveis) do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), explica que a carga tributária atual da gasolina é de cerca de 35% do total do seu preço, e a do diesel de cerca de 19%.
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“Mesmo com a substituição dos tributos [pelo CBS e IBS] é difícil imaginar algo superior a 35% de imposto com a reforma, por exemplo. Isso porque toda simplificação prevista na reforma leva a uma redução de custo tributário na economia”, explica a executiva do IBP.
Para Molisani, “uma alíquota única e fixa simplifica a cobrança e arrecadação de tributos, tanto no pagamento, quanto na apresentação de obrigações acessórias [documentos que mostram que a empresa segue as regras fiscais].”
A expectativa é de que o formato de tributação por volume, ou seja, de real por litro se mantenha, mas ele pode sofrer alterações, por meio de lei complementar posterior. “Ainda não está detalhado como será esse formato com a reforma, pode voltar a ser uma porcentagem sobre o valor do produto. Teremos que esperar mais definições”, diz Molisani.
O preço pode subir?
Ainda não é possível cravar o movimento — sobretudo porque ainda não se conhece as alíquotas de CBS e IBS, que formam o IVA dual.
Diante das incertezas, Mauro Conte Filho, advogado tributário do Goulart Penteado, diz que a fixação de alíquota não implicaria, necessariamente, no aumento dos preços.
“A carga tributária compõe o preço final, que varia diariamente, de acordo com diversos fatores macro e microeconômicos, como a variação cambial e o preço de custo, porém, o esperado é que a fração do preço final relativa à carga tributária se mantenha inalterada”, avalia Conte.
Por outro lado, ele admite que a redução de alíquota também não é, necessariamente, “uma garantia de que o consumidor terá um abono nos preços dos combustíveis, considerando que as reduções na carga tributária podem não ser repassadas ao consumidor”.
Já Luis Castelo, advogado tributário sócio do Lopes&Castelo Sociedade Advogados, acredita que o consumidor sentirá um aumento de preço no bolso, se esse formato for aprovado.
“Embora o modelo monofásico de alíquota única simplifique a tributação e corte alguns custos tributários de cada etapa, essas reduções não devem refletir algo significativo no bolso do consumidor. Deve acontecer uma majoração da carga. Para não subir o preço ao consumidor, a alíquota do IVA dual precisaria estar abaixo dos 20%”, avalia. Segundo os cálculos da Fazenda, essa alíquota deve ficar entre 25,45% e 27%.
Ele alerta ainda que uma alta na tributação dos combustíveis pode ter efeitos em vários segmentos.
“A maior parte do transporte do país é feita pela malha rodoviária e o diesel é o combustível-padrão. Se o preço do combustível sobe, o custo de produção sobe porque o frete também aumenta. Então, o custo para ir buscar uma alface fica mais alto e será repassado ao consumidor. Se não for impactado no posto para abastecer o carro, o consumidor poderá sentir na alimentação o efeito da medida”, avalia Castelo.
Apesar das análises, o consumidor não deve sofrer os efeitos de forma imediata, reforçam os especialistas consultados.
O texto-base da Reforma Tributária está no Senado, que avalia mudanças a partir dos apontamentos feitos pela Câmara, com a unificação dos impostos prevista para 2026.