Publicidade
Na madrugada de 19 de fevereiro, um temporal histórico causou vários desmoronamentos de terra no litoral Norte de São Paulo, deixando 65 pessoas mortas e milhares desabrigadas em cinco municípios da região — São Sebastião foi o mais afetado.
A tragédia gerou perdas humanitárias que não cabem nesses números. Mas também criou um rastro de danos materiais que – esses sim – podem ser medidos e compensados pelos seguros.
Em situações trágicas como esta, as apólices minimizam transtornos de toda ordem, como os danos causados contra os veículos dos segurados. Levantamento da FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais) estima que as companhias resgataram cerca de 6,5 mil carros da área atingida.
Continua depois da publicidade
O mais novo episódio do videocast “Tá Seguro”, já disponível no YouTube e nas principais plataformas de podcast (clique aqui para ouvir no Spotify), conta o depoimento de duas pessoas que viram de perto a água invadir e destruir tudo o que estava em sua volta nos dias que seriam de muita festa, já que era Carnaval.
Ilhada em sobrado
A arquiteta Priscila Michels Munhoz, 30, estava na praia de Cambury com amigos. Ela diz que ficou cerca de 24 horas ilhada no andar superior de um sobrado e teve seu carro coberto por água e lama. Segundo Munhoz tudo aconteceu muito rápido. A chuva, afirma ela, estava fraca e não deu indícios de que causaria tantos transtornos.
Só ao acordar, a arquiteta e os amigos dela perceberam o tamanho do caos. Cambury foi sendo tomada por helicópteros com equipes de resgate, e as ruas já não eram mais vistas — tudo ali parecia um grande “rio de lama”.
Continua depois da publicidade
“Quando começamos a ter acesso às notícias, soubemos do que aconteceu nas montanhas, e que Cambury estava isolada, porque não tinha mais acesso dos carros pelas rodovias, estava tudo interditado. Nos desesperamos porque começamos a entender o tamanho da situação, que estávamos no meio de um desastre natural. O carro foi uma grande perda, porque trabalhei muito tempo para conseguir comprá-lo, mas fiquei bastante preocupada com o que estava acontecendo ali. Ficamos com medo de saquearem as casas, acabar a comida. Não tínhamos tanto estoque de água. Bateu um desespero pela sobrevivência”, relatou a arquiteta.
De acordo com ela, foram muitos os relatos de pessoas que saíram andando pelas estradas que estavam com algum acesso para tentar encontrar familiares, amigos e conhecidos, preocupados por não terem contato devido à falta de internet e sinal de celular, além da energia, impossibilitando a recarga dos celulares. Priscila também viu muitos carros boiando por conta da quantidade de água que atingiu as ruas, e até mesmo pessoas se locomovendo com stand-up paddle, pois era um dos únicos meios para se deslocar.
Só guincho passa
Quem também esteve na região de São Sebastião foi Alberto de Sá Cruz, motorista de caminhão-guincho, que ajudou no resgate das vítimas que tiveram seus veículos atingidos pelo temporal e pela lama, auxiliando ainda a retirar os automóveis que impediam a limpeza e a reabertura dos acessos às rodovias. Alberto contou que foi convocado a ir ao litoral logo após a tragédia ser noticiada, para ajudar “quem estivesse precisando”, tendo ou não seguro, junto com outros 9 colegas de guincho.
Ele diz que uma das primeiras imagens de toda a destruição que viu foi na rodovia bem perto da praia de Toque-Toque. Ali havia uma cachoeira que, após ser atingida por uma tromba d’água, “arrancou tudo: terra, rocha e árvore, fazendo um buraco no chão, arrastando carros para dentro do rio”.
Continua depois da publicidade
A orientação recebida foi a de levar todos os carros avistados no caminho, sendo ou não segurados, para dois pátios destinados aos atendimentos. Esse trabalho começou na terça-feira logo após a tragédia, e, apenas na quinta-feira, o motorista de guincho começou a atender exclusivamente os pedidos feitos por segurados. “Praticamente todos os veículos que removi no litoral foram perda total, porque todos foram encobertos [pela água]”, relata Alberto.
Seguro para carros
De acordo com Caio Souza, head de Produtos de Seguros – Pessoa Física da XP, casos como os veículos atingidos por água e lama em São Sebastião estão cobertos pelo seguro de automóvel “total”, também conhecido por “seguro compreensivo”.
“Hoje é comum ter a cobertura também para eventos da natureza que causem a indenização integral do veículo. E existem alguns mitos, como ‘se a água chegou em tal lugar é perda total’, mas não é bem assim. Vai ter uma avaliação do veículo, uma análise do que a água danificou, para se constatar a perda total ou não, e a indenização total, ou seja, a reposição de um veículo de mesmo valor de acordo com o que contratou no seguro”, esclarece.
Caio ressalta ainda que até “existe a reparação de veículos” que passam por algum alagamento ou inundação, mas é uma situação mais difícil para a seguradora garantir o reparo, por isso, acaba sendo uma opção evitada. “Quando falamos de seguros, cobertura e reparo do veículo, é obrigação dar garantia daquele reparo. A seguradora pensa no risco em devolver o veículo ao segurado que apresente algum defeito posterior, então prefere condenar aquele veículo e dar a perda total”, salienta.
Continua depois da publicidade
Quase dois meses depois da tragédia, Priscila ainda aguarda um desfecho sobre a cobertura do seguro para seu carro. Segundo ela, a companhia não classificou o sinistro (ocorrência do risco coberto durante o período de vigência do plano) como perda total, autorizando apenas a troca dos bancos do automóvel.
Caio sugeriu alguns caminhos para a resolução do caso, como ir pessoalmente a algum ponto de atendimento físico da seguradora, reforçando que muitas das empresas optam por resolver logo os casos de sinistros para “evitar desgaste” na imagem “causado por negativas e clientes insatisfeitos”. Além disso, há prazos que devem ser seguidos para avaliação dos casos e respostas das seguradoras aos clientes, estipulados na apólice (contrato de seguro) ou por boas práticas do mercado.
Neste episódio foram abordadas ainda a evolução das coberturas de seguro automóvel oferecidas pelas companhias de acordo com as demandas do consumidor e as condições de mercado, que sofreram muitas mudanças ao longo dos últimos anos.
Como exemplo dessa mudança, Caio Souza, da XP, relembrou que em meados dos anos 2000 não era prática do mercado brasileiro fazer a cobertura para danos causados por eventos da natureza, até que houve uma chuva de granizo muito forte em Belo Horizonte, atingindo muitos veículos cujos proprietários acionaram as companhias responsáveis pelos seus seguros de automóveis.
“A comoção popular e o volume de veículos envolvidos foi tão grande, que as seguradoras que antes negavam [a indenização] começaram a acatar e a alterar o clausulado [das apólices]. E hoje é uma cobertura difundida e todos [os segurados] têm a segurança que se danificar por granizo haverá cobertura”, exemplifica.
Os fatores que impactam no preço do seguro também foram debatidos. A frequência cada vez maior de eventos climáticos extremos – como as fortes chuvas que geram enchentes e episódios de queda de granizo, como o exemplo citado acima – estão entre as principais variáveis que afetam o custo das apólices para o consumidor.
A elevação do preço considerando apenas esse tipo de situação quase nunca acontece “de um dia para o outro”, contudo, haverá uma alta contextual desses sinistros (eventos que dão origem a cobertura do seguro e ao pagamento da indenização ao segurado), aumentando o custo médio da reparação do carro e, consequentemente, contribuindo para o aumento de preço do seguro ao longo do tempo. Isso porque, de acordo com o especialista da XP, soma-se ao cálculo das seguradoras os índices de roubos e furtos, que ao crescerem geram mais indenizações aos segurados.
O contexto econômico também entra na conta: vale lembrar que, nas últimas semanas, por exemplo, montadoras anunciaram pausa na produção brasileira de novos automóveis. Esse tipo de situação reflete em falta de peças que, por sua vez, afeta eventuais reparos de automóveis segurados, encarecendo as apólices com cobertura para danos ao “casco” do veículo.