Binance vai acabar? O que esperar da gigante das criptomoedas após processo nos EUA

“Não sou anarquista”, disse Changpeng Zhao, CEO da Binance, certa vez. “Não acredito que a civilização humana seja avançada o suficiente para viver em um mundo sem regras.”

Mas agora que a Commodity and Futures Trade Commission (CFTC), agência reguladora que supervisiona o mercado de derivativos nos Estados Unidos, processou Zhao e sua exchange de criptomoedas por supostas violações das regulações do setor de derivativos, o mundo está descobrindo como a pessoa mais poderosa do segmento cripto responde quando ele próprio é acusado de quebrar as regras.

O resultado pode ajudar a moldar o futuro da indústria cripto, à medida que seus principais players lidam com o dilema do dia: resistir aos esforços cada vez mais agressivos do governo dos EUA para fazer com que o setor cumpra as leis financeiras ou cooperar na tentativa de salvar suas operações na maior economia do mundo.

Um porta-voz da Binance chamou as ações da CFTC de “inesperadas e decepcionantes”, dizendo que a empresa “fez investimentos significativos nos últimos dois anos para garantir que não tenhamos usuários dos EUA ativos em nossa plataforma”, incluindo mais dinheiro gasto em ferramentas de compliance e aumento de pessoal no país. A empresa pretende “continuar a colaborar com os reguladores nos EUA e em todo o mundo. “O melhor caminho a seguir é proteger nossos usuários e colaborar com os reguladores para desenvolver um regime regulatório claro e ponderado”, disse o porta-voz.

Quanto ao próprio CZ, sua primeira resposta pública foi tuitar o número “4”, uma aparente referência a um post anterior feito por ele, que falava sobre “O que fazer e o que não fazer em 2023“. Na posição 4 da lista, a dica era “Ignore o FUD (sigla em inglês que significa medo, incerteza e dúvida), notícias falsas, ataques etc.”

Superar um processo da CFTC, no entanto, será mais difícil do que ignorar o “FUD”, algo frequentemente apontado no mundo cripto. Depois, CZ aprofundou a resposta em um comunicado mais longo, no qual reforçou a nota inicial da Binance sobre os esforços de compliance e cooperação com os reguladores, mas acrescentando que a ação da agência norte-americana “parece conter uma recitação incompleta dos fatos”. “Não concordo com a caracterização de muitos dos problemas alegados na denúncia”, disse.

Acusações fortes

No cerne do processo estão as alegações de que a Binance não se registrou como uma bolsa de derivativos nos EUA e estruturou intencionalmente seus negócios e transações para evitar a obrigação de se registrar. A agência alegou que CZ e outros executivos da empresa tomaram medidas para violar as leis dos EUA, incluindo instruir clientes a usar VPNs (sigla para redes privadas virtuais) para ocultar sua localização e direcionar “clientes VIP” a abrir contas da Binance com empresas de fachada.

A CFTC também disse que os próprios documentos da Binance para o mês de agosto de 2020 mostraram que a plataforma ganhou US$ 63 milhões em taxas de transações com derivativos e que cerca de 16% de suas contas foram identificadas como pertencentes a clientes dos EUA.

Entre outras coisas, a denúncia busca uma liminar permanente para impedir que a Binance continue a cometer violações e proibir os réus e partes relacionadas de negociar ativos digitais e outras commodities. Além disso, também procura recuperar lucros comerciais, receitas, salários e dinheiro obtido pela Binance como resultado das violações.

“É um conjunto de alegações muito fortes”, disse Tim Massad, ex-presidente da CFTC que agora é diretor do Projeto de Política de Ativos Digitais da Harvard Kennedy School, em entrevista. “Eles estão buscando uma liminar permanente contra os réus, de modo que impediria CZ pessoalmente, bem como a Binance, de fazer negócios essencialmente nos EUA, basicamente de se registrar nos EUA ou se envolver em transações de commodities nos EUA.”

Em sua resposta, CZ disse que a Binance “não negocia com fins lucrativos ou ‘manipula’ o mercado sob nenhuma circunstância”. Ele falou que a empresa tem afiliadas que fornecem liquidez para pares de negociação menos líquidos que são “monitorados especificamente para não terem grandes lucros”. Ele também disse que observa estritamente as políticas de negociação da Binance. Para encerrar, afirmou que “não esperamos que tudo seja fácil”, mas que “não nos esquivamos dos desafios”.

O texto sugere que a Binance está pronta para entrar em uma batalha judicial. Enquanto isso, continua a cultivar suas operações globais em mercados mais amigáveis às criptomoedas.

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Recalculando rota

Zhao, que tem um patrimônio líquido estimado em quase US$ 28 bilhões, comprou uma casa em Dubai em 2021, no que ele disse ser uma demonstração de apoio a uma cidade que ele descreve como “muito pró-cripto”.

Os fundadores da Three Arrows Capital (3AC) se mudaram para Dubai depois que o hedge fund de cripto entrou em colapso em junho. Enquanto isso, o ex-maior rival de CZ, Sam Bankman-Fried, da FTX, está em prisão domiciliar enquanto aguarda julgamento por acusações de fraude que podem colocá-lo na prisão, em teoria, por mais de um século.

Mesmo antes da notícia da ação ingressada pelos reguladores dos EUA, CZ parecia estar se aproximando de seus anfitriões. Na semana passada, a página inicial do site da Binance (fora dos EUA) foi dominada por uma celebração do início do Ramadã, período de jejum para os muçulmanos, com um aviso. “Volte diariamente para descobrir todos os tipos de promoções especiais, presentes e eventos”, disse a mensagem. “Há US$ 535.000 em recompensas para serem compartilhadas!”

Na quarta-feira, o primeiro dia do mês sagrado muçulmano, o site veiculou uma entrevista em vídeo com CZ em que reafirmou que está no Oriente Médio, sem citar Dubai especificamente, e elogiou o que chamou de ambiente favorável aos negócios. Ele também falou sobre alguns arrependimentos.

“Em retrospectiva, há muitas coisas que faríamos de maneira diferente”, disse ele. “Provavelmente deveríamos ter nos envolvido com os reguladores globalmente muito antes. Mais esforços educacionais anteriores. Eu provavelmente deveria ter aprendido árabe antes.”

Uma questão é se o risco de tentar defender os negócios da Binance nos EUA nos tribunais vale a pena para Zhao. Embora o domínio de sua exchange sobre o mercado cripto global e de derivativos tenha continuado a crescer desde o fracasso da FTX, respondendo por cerca de 60% do mercado em meados de fevereiro, de acordo com dados da CryptoCompare, seu braço nos EUA tem lutado para obter esse tipo de participação de mercado no país. A Binance.US foi a quarta exchange cripto mais ativa no país nas últimas 24 horas, com volume cerca de metade do obtido pela líder Coinbase.

Ambiente inóspito

A ação contra a Binance é a última virada no curso de colisão entre os principais governos e a visão dos defensores das criptomoedas de um sistema no qual o dinheiro pode ser trocado livremente em todo o mundo “sem censura”. As raízes da repressão estão no fracasso do ano passado da stablecoin TerraUSD (UST) em manter sua paridade de US$ 1 e na falência da FTX, que, combinadas, sumiram com quase US$ 2 trilhões de valor de mercado do setor cripto. No entanto, um ambiente geopolítico tenso, marcado por sanções financeiras direcionadas à Rússia e ao Irã, está adicionando combustível à crise.

“A Binance agora enfrenta investigações sobre evasão de sanções criminais, conspiração para lavagem de dinheiro, transmissão de dinheiro sem licença, questões sobre sua saúde financeira e maior escrutínio sobre sua ‘estrutura corporativa intencionalmente opaca’, escreveram os senadores americanos Elizabeth Warren, Chris Van Hollen e Roger Marshall para CZ e o chefe da Binance US no início deste mês.

O texto resume uma longa lista de artigos críticos sobre a empresa e solicitando balanços e outras informações sobre os negócios. Os colapsos dos bancos “amigos das criptomoedas” Silvergate Capital Corp e Signature Bank também estão intensificando as cobranças contra o setor.

Ao mesmo tempo que CZ tinha aspirações de abrir capital da sua exchange nos EUA após IPO bem-sucedido da Coinbase, a corretora cripto americana também foi atolada em investigações estaduais e federais, incluindo o recebimento de um alerta de que a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (a SEC) planeja adotar uma medida sancionadora.

“Em uma semana, a CFTC processou a Binance e a SEC indicou que processará a Coinbase”, disse John Coffee, professor da Columbia Law School especializado em regulamentação de valores mobiliários e direito corporativo.

“Em ambos os casos, eles poderiam forçar essas empresas a deixar os EUA e atuar apenas no exterior. No entanto, ainda não temos uma definição clara de até que ponto as criptos constituem valores mobiliários. Esses casos trarão esse problema para o centro do debate.”

CZ deixou claro seus pensamentos sobre os esforços do governo para controlar a indústria de criptomoedas. Em entrevista durante participação no Bloomberg New Economy Forum em Cingapura, em novembro de 2021, ele disse acreditar que os EUA estão tentando proteger o status do dólar, que ele disse ser “uma ferramenta forte para organizar o mundo, ainda mais forte que os militares”. No entanto, ele comparou esses esforços protecionistas à tentativa fracassada da companhia Eastman Kodak Co de defender seu negócio da fotografia digital.

“O melhor a fazer é investir pesadamente naquilo que pode atrapalhar você”, disse ele. “A tecnologia se desenvolverá em todo o mundo. Você não pode apagar um conceito da cabeça de 400 milhões de pessoas.”

Com os EUA aparentemente adotando o que CZ chama de “abordagem Kodak” para reprimir os criptoativos, é provável que o setor continue sendo afastado do setor financeiro tradicional e colocado nas sombras. O futuro do homem mais poderoso do mercado cripto pode desempenhar um grande papel em determinar como será o mercado de ativos digitais daqui para frente.

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