Fed deve adotar o ‘padrão BCE’ em sua decisão sobre juros e na comunicação, dizem analistas

Projeção majoritária é o Fed manter ritmo de alta de 0,25%, com foco em inflação e atenção aos bancos, mas uma pausa não é descartada

Roberto de Lira

Ilustração sobre juros (Shutterstock)
Ilustração sobre juros (Shutterstock)

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Uma decisão e uma comunicação similares às adotadas pelo Banco Central Europeu (BCE) na semana passada é o que a maior parte dos analistas esperam para a reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) nestas 3ª e 4ª feira nos Estados Unidos.

A posição majoritária dos especialistas é que o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) opte por manter o ritmo de alta dos juros da última reunião, com uma dose de 25 pontos-base. Além disso, espera-se que a comunicação fortaleça a dependência dos dados na tomada de decisão e cite a economia ainda aquecida como fator de risco para a inflação

A recente crise de liquidez nos bancos locais será comentada, mas o Fed deve garantir que possui outros instrumentos para impedir que os problemas se tornem sistêmicos, na opinião dos analistas.

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O desafio da comunicação pelos Bancos Centrais sempre é citado como crucial para o gerenciamento das expectativas do mercado, mas esse fator deve receber ainda mais atenção quando o Fed anunciar sua decisão amanhã.

Os agentes do mercado haviam entendido que o presidente do Fed, Jerome Powell, estava preparando o terreno para uma atuação mais dura (“hawkish”) após seus depoimentos na Câmara e Senado no início do mês. “Os dados econômicos mais recentes chegaram mais fortes do que o esperado, o que sugere que o nível final dos juros deve ser mais alto do que o previsto anteriormente”, disse Powell aos senadores no dia 7 de março.

Até aquele momento, o discurso parecia um ponto de virada. Quando o Fed optou por reduzir o ritmo de alta do atual ciclo para 25 pontos-base em 1° de janeiro, a expressão escolhida por Powell para definir o momento era “desinflação”. A inflação mensal do consumidor (CPI, a sigla em inglês) havia perdido velocidade, com variações mensais de 0,2% em novembro e de 0,1% em dezembro.

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Mas o quadro não se manteve. O CPI de janeiro acelerou para 0,5% e os preços de consumo (PCE), outro indicador muito observado pelo Fed, veio com salgados 0,6% no primeiro mês de 2023, o triplo da taxa dos dois meses anteriores.

Os indicadores de preços, somados a informações de um mercado de trabalhado persistentemente aquecido, levaram boa parte do mercado a trocar sua projeção de alta dos juros de 25 para 50 pontos-base em março.

No entanto, o quadro mudou novamente nas semanas seguintes, com a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank, pegos num agudo descasamento entre ativos e passivos. Na Europa, foi o Credit Suisse que sofreu uma forte crise de liquidez, terminado com sua aquisição pelo concorrente UBS. Os casos envolveram má gestão financeira, mas tinham as altas taxas de juros como inegável pano de fundo.

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Sem “modo pânico”

Em meio a todo esse estresse no setor bancário, a pergunta que surgiu foi: como o Fed poderia relevar a instabilidade, voltando a atenção apenas ao seu mandato de combate à inflação?

Não pode, segundo Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset. “Não tem como desconsiderar completamente os riscos financeiros que estão acontecendo no cenário. Os próprios dados de liquidez divulgados na quinta-feira mostram uma demanda por liquidez gigantesca, com antecipação de balanço de US$ 300 bilhões e uma expansão de reserva bancária de US$ 440 bilhões”, lembrou Cardoso.

O economista da Daycoval acredita que Fed vai usar como “plano A” na reunião desta semana a estratégia do BC europeu, que na semana passada manteve a alta de 50 pontos-base e citou a possibilidade de uso de outros instrumentos de liquidez para os bancos com problemas.

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“Como BCE não acionou o modo pânico e os BCs devem se conversar, o Fed também deve seguir com alta de 25 p.b. Não vai dar 50 p.b. para não gerar ruído e vai tocando o barco. Se essa estratégia vai dar certo, a gente vai saber a posteriori. Se, lá na frente, não der certo, pode trocar o pé e cortar juros”, afirmou.

O Bank of America (BofA) acredita que o Fed enfrentará um dilema. Se mudar de mão de repente na política monetária poderá perder um ativo não financeiro importante nesse momento: a credibilidade.

“Os bancos centrais estão agora caminhando em uma corda bamba quase impossível. Eles estavam atrasados no combate à inflação e agora precisam restaurar sua credibilidade. Portanto, ‘inverter’ o ritmo dos aumentos de taxas é proibido e pausar e depois aumentar é ainda pior. O pior de tudo é flexibilizar a política para lidar com a volatilidade do mercado financeiro”, disse o banco em relatório assinado por seu economista global, Ethan S. Harris.

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Para o BofA, no mínimo, o estresse nos mercados financeiros sugere que o Fed deve proceder com cautela nesta reunião. “Suspeitamos que o debate agora seja entre uma alta de 25 p.b. em março ou nenhuma”, previu o banco, destacando a contínua instabilidade financeira, que parece agora ter sido estancada, poderia inclinar a balança na direção de uma pausa no ciclo de alta de juros.

Mesmo que não aconteça uma mudança de rumo agora, o banco acredita que o surgimento do estresse financeiro provavelmente indicará ao comitê que a política monetária está mais próxima do “suficientemente restritiva” do que alguns poderiam ter pensado anteriormente.

O BofA, no entanto, considera que o cenário está muito fluido nos mercados e na economia e que bancos centrais podem ser flexíveis ao mudar de curso à medida que as condições mudam. Isso significa que uma mudança repentina (“flip-flop”) pode ser considerada até uma virtude, uma vez que mostraria uma disposição de se reavaliar rapidamente.

O banco citou um pouco de história para localizar os dilemas do Fed. Foram lembrados dois eventos financeiros que obrigaram o BC americano a inverter a mão em sua política devido ao estresse bancário: a quebra do mercado de ações em 1987 e o colapso de 1998 no Long Term Capital Management (LTCM).

Em ambos os casos, o Fed não pôde aplicar as ferramentas específicas que desenvolveu para administrar a crise nos bancos e passou do mandato de combate à inflação para a estabilização do sistema financeiro. As taxas foram cortadas nas duas ocasiões, mas após a estabilização do mercado financeiro, a preocupações se voltou novamente para inflação e as taxas de juros subiram ainda mais forte.

Por isso, o BofA acredita que, dada a inerente não linearidade dos eventos financeiros, às vezes estabilizar os mercados significa atrasar a luta contra a inflação. “Não esperamos que isso aconteça, mas não podemos descartar totalmente.”

A Galapagos Capital também avalia que as perspectivas para a política monetária do Fed ficaram mais complicadas após os acontecimentos das últimas semanas.

“As evidências de dados concretos continuam indicando uma economia mais forte do que o esperado, uma inflação de serviços mais persistente e rígida e um mercado de trabalho apertado. A comunicação está falhando no ‘juramento de Hipócrates’ de não causar danos”, comentou a gestora.

Para a Galapagos, mesmo com a corrida bancária sofrida por alguns bancos regionais, o que forçou a intervenção das autoridades federais, o problema não é sistêmico, mesmo que o mercado interprete dessa forma.

“Acreditamos que o ritmo apropriado da política monetária é aumentar a taxa básica de juros em 25 p.b., embora acreditemos que os dados apontem para 50 p.b.”, avaliou.

Separando as coisas

O UBS também acredita na manutenção do ritmo de alta de 0,25%, para uma faixa entre 4,75% e 5%. “Apesar da recente turbulência no setor bancário, o Fed ainda tem um problema de inflação e, como disse o presidente Powell na semana passada, ainda tem trabalho a fazer”, afirmou o banco em relatório.

Para o UBS, os integrantes do Fomc provavelmente irão argumentar que o sistema bancário dos EUA permanece forte e resiliente e, portanto, pode resistir a um aumento de 25 p.b. nas taxas.

Além disso, o UBS destacou que o Federal Reserve historicamente sempre soube separar suas ações de política monetária dos esforços macroprudenciais e as respectivas ferramentas para lidar com cada um.

Exemplo disso foi o final de semana que se seguiu à quebra dos dois bancos, quando o Fed, Tesouro e FDIC deram uma resposta macroprudencial, separada da política monetária e consistente com as últimas décadas da instituição. “A facilidade anunciada foi em parte uma tentativa de separar ainda mais os dois e desvincular os riscos do capital bancário do aperto da política monetária”, comentou

O banco também destacou que na divulgação do “gráfico de pontos”, com a síntese das projeções econômicas dos diretores devem trazer alguma revisão para cima na taxa terminal do atual ciclo de juros.

Raone Costa, economista-chefe da Alphatree Capital, afirmou que nunca acreditou muito na hipótese de o Fed elevar a taxa em 50 pontos-base nessa reunião de março.

“Não está muito claro que a inflação está muito pior que se imaginava antes ou que a economia americana está muito mais resiliente do que se esperava antes. Todos os medos de recessão, ainda que não tenham se concretizado até agora, seguem existindo para o futuro. Então 25 p.b. era o cenário mais provável antes”, explicou.

Para ele, até por prudência, 25 pontos-base parece ser a melhor opção amanhã. Na comunicação, Costa espera que o Fed comente o que aconteceu com o setor bancário e diga que estará a postos para prover liquidez para o sistema caso seja necessário e até a agir entre reuniões. Para isso, deve usar como “protótipo” a comunicação do BCE.

Costa afirmou que essas as ações estarão mais voltadas aos instrumentos de liquidez, como na semana passada, quando o Fed começou a aceitar títulos americanos dos bancos a valor de face e não a valor de mercado.

O instrumento da taxa básica de juros, segundo o economista-chefe da Alphatree Capital, deve ser guiado olhando para o cenário inflacionário e para a economia americana como um todo (atividade e inflação).

Carlos Lopes, economista do Banco BV, também projeta uma alta 25 pontos agora porque avalia que a “crise” bancária ainda não se consolidou o suficiente para dar ao Fed de fazer uma pausa no ciclo de juros. “Ele deve se ater ao plano original de subir 0,25 ponto porcentual, de modo semelhante ao que que fez o BCE e reconhecer na comunicação que existe um problema”, afirmou.

Ariane Benedito, economista e RI da Esh Capital, também avaliou que os fatos ocorridos com instituições como o Credit Suisse e SVB não vão alterar o sentido de política monetária por parte do Fomc.

“A fusão dos bancos suíços, após a compra do Credit Suisse pela UBS, minimiza a possibilidade de risco sistêmico no setor bancário neste momento, o que gera um ambiente favorável para que a autarquia americana continue atuando para a convergência da inflação para a meta de 2% ao ano. Assim, nossa previsão é que o Fed decida por mais um aumento de 0,25% na quarta-feira.”

“Princípio da separação”

Lucas Zaniboni, analista sênior de pesquisa internacional da Garde, também acredita numa alta de 25 pontos-base na reunião de quarta-feira, mas prevê um call apertado.

“Uma alta na próxima reunião condiz com o panorama de inflação e mercado de trabalho que seguem pressionados: a despeito de algumas melhoras marginais, de uma reunião para outra, pode-se argumentar que os dados não mostraram melhora substantiva. Entretanto, ressaltamos que toda a questão envolvendo o setor financeiro nas últimas semanas tem peso relevante sim na decisão de quarta-feira, de partida tirando a alta de 50 p.b. da mesa e posando como um argumento por mais cautela.”

Zaniboni acredita que o Fed irá se orientar pelo “princípio da separação” e tentar atacar o problema dos bancos por outros meios que não envolvam a política monetária, como tem feito até aqui .

“Olhando a frente, porém, embora ainda não acreditemos numa crise financeira com risco sistêmico “a la” 2008. Acreditamos que os desenvolvimentos das últimas semanas sinalizam pelo menos uma desaceleração prospectiva mais profunda induzida via retração de crédito”, disse.

Para Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, o trabalho do Fed é bem complicado porque, ao mesmo tempo em que precisa segurar o aumento dos preços e do consumo, sabe que ao segurar muito cria uma falta de liquidez no mercado.

Ele disse que a grande pergunta é qual o porto ideal da política restritiva. “O que deve pesar no momento é essa falta de liquidez do mercado, que pode ser o início de um efeito dominó. Talvez a economia não estivesse preparada para isso (a velocidade da alta de juros”, ponderou.

Cohen diz que o Fed vai manter o ritmo de altas menores de juros porque os indicadores inflacionários e do mercado de trabalho ainda são desafiadores, mas ele defendeu que “até por um efeito psicológico”, o BC local não deveria subir usas taxas no curto prazo.

Elcio Cardozo, sócio da Matriz Capital, vê o Fed pressionado e um lado pela inflação nos ainda bastante alta para os padrões americanos e o temor que o aumento persistente da taxa de juros poderá acarretar problemas muito maiores que a inflação.

“Algumas autoridades americanas já se pronunciaram que a população americana terá que aprender a conviver com a inflação por um período maior, uma vez que não há mais espaço para subida de juros da forma como estava precificado”, comentou. Mas para ele, provavelmente, o FED irá subir os juros nos EUA em 0,25%.

Raphael Camargo, analista da Neo Investimentos, acredita que uma pausa no ciclo seria compreensível para que o Fed  pudesse avaliar como a situação vai evolui nas próximas semanas, mas entende que uma decisão desse tipo traia custos relevantes ao mandato de política monetária do Banco Central dos EUA.

“Existe a possibilidade de uma pausa gerar dúvida adicional sobre a situação bancária. Durante o último ano, os membros do Fomc, sobretudo Jerome Powell, buscaram garantir a credibilidade da autoridade monetária na luta contra inflação alta. Portanto, no contexto de uma inflação ainda bastante pressionada, mercado de trabalho apertado e economia aquecida, uma alta de 25bps nos parece fazer mais sentido”, afirmou.

Camargo prevê que, no comunicado, o parágrafo que faz referência ao “forward guidance” deve ter mudanças com a retirada da frase sobre novas altas serem apropriadas. “Com isso, uma postura mais ‘data-dependent’ deve ser adotada”, disse.

Visão diferente

A avaliação do Goldman Sachs, no entanto destoa desse consenso. O banco de investimentos esperamos que o Fomc faça uma pausa em sua reunião de março devido ao estresse no sistema bancário.

“Embora os formuladores de políticas tenham respondido agressivamente para fortalecer o sistema financeiro, os mercados parecem não estar totalmente convencidos de que os esforços para apoiar bancos pequenos e médios serão suficientes”, ponderou o banco de investimentos.

“Acreditamos que as autoridades do Fed compartilharão nossa visão de que o estresse no sistema bancário continua sendo a preocupação mais imediata por enquanto.”

Para o Goldman Sachs, essa “pausa” na luta contra a inflação não deve ser um problema tão grande, uma vez que trazer a inflação de volta para 2% é uma meta de médio prazo, que o Fomc espera resolver apenas gradualmente nos próximos dois anos.

“O problema da inflação na verdade parece menos urgente agora do que no verão passado porque as expectativas de inflação de curto prazo caíram acentuadamente e as expectativas de inflação de longo prazo permaneceram ancoradas”, comentou o banco no relatório.

“Além disso, a ligação entre um único aumento de taxa de 25 pontos-base e a inflação futura é muito tênue. O Fomc pode voltar aos trilhos rapidamente, se apropriado, e o estresse bancário pode ter efeitos desinflacionários.”

A previsão do banco é de manutenção dos juros em março e três aumentos adicionais de 25 pontos-base em maio, junho e julho, o que elevaria a taxa de fundos para um pico de 5,25% a 5,5%.