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Colocar um avião no céu não é uma tarefa fácil para as companhias aéreas, e o histórico do setor no Brasil confirma isso. Atualmente, três grandes empresas dominam a aviação comercial no país, mas esse número já foi bem maior, quando VASP, Varig, Transbrasil, Avianca e Itapemirim ainda tinham operações por aqui. Todas essas empresas entraram em falência por motivos diversos.
O custo de operar uma malha aérea da extensão do Brasil explica parte dos projetos que ficaram para trás. Mas, a princípio, essa justificativa esbarra na Europa, onde as chamadas “low cost” -companhias que oferecem trechos a partir de R$ 55 (ou 10 euros)- estão em atividade há décadas, como é o caso das mais famosas Ryanair e EasyJet.
Acontece que, mesmo nesses mercados menores, as empresas aéreas tradicionais têm passado por dificuldades. Em ocasião da pandemia, a TAP Air Portugal precisou receber um socorro quase bilionário do governo, em uma espécie de reestatização. Agora, o plano é que ela passe por uma nova rodada de venda ao mercado, o que não está certo como e nem quando vai acontecer.
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Especialistas no mercado de aviação ouvidos pelo InfoMoney destacam que um dos principais problemas do setor é em relação aos custos do combustível. No Brasil, especificamente, o querosene de aeronave é responsável por até 30% do custo de um trecho aéreo. Como este custo está atrelado ao dólar, a conta flutua conforme o câmbio.
“Quando falamos em petróleo e dólar, estamos falando de itens muito voláteis e com difícil precificação”, destaca Enrico Cozzolino, sócio e head de análise da Levante Investimentos. “Mesmo pequena, qualquer variação nesses itens que compõem o valuation de uma companhia aérea traz mais incerteza e volatilidade”.
Para diminuir essa distensão nos preços, alguns estados optaram por reduzir ou acabar com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no combustível de aviação -em alguns locais, a taxa chegava a ser 18%. A medida, que vinha sendo adotada pelos governadores já antes da PEC dos combustíveis, tem o objetivo de captar a atenção das companhias aéreas para seus respectivos estados e, consequentemente, ampliar a malha aérea e fomentar o turismo nesses locais.
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Mesmo assim, conforme destaca o advogado especialista em direito aeronáutico João Roberto Leitão de Albuquerque, é preciso que se discuta mais medidas para frear o gasto com o combustível. Um exemplo disso veio a partir da liberação de um grupo de combustível mais barato, conhecido como querosene JET-A.
No ano passado, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) publicou uma resolução que estabelece regras para a produção de combustíveis alternativos no país. Com isso, as refinarias nacionais passaram a poder fabricar e vender produtos que antes as companhias tinham que importar, o que encarecia mais as atividades e, por consequência, as passagens aéreas.
“Esse é um combustível usado em todo o mundo, em larga escala, e que ainda não estava disponível no Brasil. As companhias tinham que usar um combustível mais caro, que tem uma exigência de congelamento maior. Com a autorização deste novo produto, as organizações já tiveram um ganho porque puderam reduzir de forma imediata o custo da operação”, explica João, sócio e fundador da Albuquerque Melo Advogados.
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Desenvolvimento da aviação regional
Justamente pela dimensão continental, nem todas as cidades do Brasil são abastecidas por uma malha aeroviária adequada. Em alguns casos, para viajar dentro da mesma região do país, um passageiro precisa se deslocar até São Paulo -onde se concentra o maior número de voos- para voltar ao destino que às vezes estava ao lado da origem.
Diante disso, os especialistas garantem que o transporte aéreo precisa deixar o status exclusivo de turismo e se transformar em um tipo de política pública. Para isso, é necessária atenção do poder público para que se crie rotas regionais, que sejam operadas por empresas locais, em uma espécie de interligação das grandes companhias com as menores. Isso fomentaria o tráfego aéreo não só no âmbito local como no nacional
“O estado da Bahia, por exemplo, é muito maior que muitos países, e nós não temos uma empresa regional que abastece todas as cidades baianas. É preciso ter marcas regionais que possam pousar em aeroportos de pequeno e médio porte, interligando essas cidades menores às grandes capitais”, destaca Albuquerque, que também é membro da comissão de direito aeronáutico da OAB-RJ.
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Já existem algumas iniciativas deste modelo no país, como é o caso da VoePass, que voa para origens e destinos dentro de estados que não sejam tão populosos. A empresa também mantém parcerias de negócio com a Gol e Latam e, em conjunto, conectam rotas interioranas com os principais destinos nacionais e internacionais, mas em uma realidade ainda pequena para o universo brasileiro que tem potencial de alcançar milhões de passageiros por ano.
Segundo dados da VoePass, em 2022, foram transportados mais de 700 mil passageiros em seus voos regionais. Atualmente, a empresa opera 44 rotas diferentes e o ticket médio gira em torno de R$ 570. A empresa afirma que a demanda pelos serviços é sazonal, com alguns trechos sendo mais procurados em determinados períodos do ano.
Segmento de cargas tem ajudado as companhias aéreas
O mercado de cargas é, segundo especialistas, uma saída para as companhias aéreas verem seus faturamentos aumentarem. Diferente do que acontecia alguns anos atrás, em que os ramos rodoviário e marinho eram os principais, o ramal aéreo se tornou estratégico para muitas empresas, especialmente as plataformas de e-commerce, concordam especialistas ouvidos pela redação.
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Se de um lado as aéreas querem deixar seus voos o mais cheio possível, do outro, as varejistas precisam entregar seus produtos aos consumidores cada vez mais rápido. Por isso, o segmento de cargas ganhou relevância nos últimos anos, em uma performance que se intensificou durante a pandemia, quando os assentos ficaram vazios, mas os bagageiros lotaram.
Segundo dados da ANAC (Agencia Nacional de Aviação Civil), foram transportadas 429, 6 mil toneladas de cargas em 2022, um índice bem próximo ao anterior à pandemia. Já o número de passageiros, ainda se mantém bem abaixo dos que viajaram em 2019, na base de 10%.
Por isso, só a Latam, uma das maiores marcas do país, mantém uma frota de 16 aeronaves cargueiras e espera alcançar 20 unidades até o fim do ano que vem. Além deste serviço exclusivo de transporte, as companhias conseguem explorar os porões das aeronaves de passageiros para entregar produtos nos destinos nacionais e internacionais.
A concorrente Gol (GOLL4) também é forte atuante neste segmento, mantendo uma unidade específica para logística, responsável por transportar desde pequenos objetos a restos mortais para diversos locais do país. A atuação, inclusive, não termina nos aeroportos, pois há o serviço de coleta e entrega na porta de casa para algumas localidades
“Comparando com o segmento de passageiros, vemos um crescimento maior no de cargas. Mesmo que haja um declínio de viajantes em 2023, temos uma perspectiva de crescimento para o de cargas”, destaca Enrico, da Levante. “É possível projetar um crescimento também para 2024, maior que em outros segmentos”, analisa.
Neste mercado, as companhias aéreas brasileiras têm que lidar com uma concorrência maior -com empresas como FedEx e DHL, além dos Correios e das startups de logística-, mas elas têm conseguido se descolar dos demais. A Azul (AZUL4), por exemplo, tem um contrato com o Mercado Livre em que opera aviões da plataforma digital e diminuiu o prazo de entrega para diversas regiões do país.
“Houve uma mudança no perfil do consumidor, que cada vez mais está optando pelas compras online. E o e-commerce precisa do modal aéreo para entregar os produtos no dia seguinte, então esse é um mercado promissor e que está aquecido”, finaliza o advogado Albuquerque.