Americanas: investidor pode buscar ressarcimento por prejuízo? Minoritários se unem em processos coletivos

Há tanto iniciativas independentes quanto lideradas por associações de investidores que pretendem buscar arbitragem e ações judiciais

Katherine Rivas

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Investidores minoritários que viram o seu patrimônio derreter no caso Americanas (AMER3), por conta das inconsistências contábeis reveladas no dia 11 de janeiro, estão se mexendo para buscar indenizações ou recuperar pelo menos o valor investido antes do rombo vir à tona. As iniciativas em andamento envolvem arbitragem, processos civis e até criminais.

Alguns demandam Americanas como responsável. Outros buscam que investigações abarquem pessoas físicas, desde diretores a conselheiros da Americanas até executivos da auditoria PwC e os sócios da 3G capital –  gestora de Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, acionistas de referência com 30,13% de participação na companhia. Há quem ainda pretenda processar a auditoria na qualidade de pessoa jurídica, por ter omitido a comunicação dos problemas aos investidores.

Embora os minoritários estejam unindo forças para reaver os seus direitos, conseguir uma vitória será um processo complexo. Pode, no entanto, marcar uma mudança no mercado de capitais brasileiro. Igor Bimkowski Rossoni, sócio da área de resolução de conflitos e arbitragem do Silveiro Advogados, explica que tanto minoritários processarem Americanas quanto diretores ou acionistas controladores é algo considerado incomum diante da legislação brasileira.

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Rossoni explica que, pela Lei das Sociedades Anônimas, quem poderia ingressar com ação indenizatória seria a empresa. “É a companhia que ingressa com uma ação contra os administradores e eventual controlador, porque é considerada vítima. Se forem comprovados os fatos, a Americanas teria sido vítima de fraude contábil e prejuízo. Ela, como sociedade, buscaria responsabilizar os administradores para ser ressarcida”, explica. “Indiretamente, os investidores também seriam, porque o valor das ações voltaria ao preço justo”.

Qualquer pessoa pode entrar com uma ação, mas são necessários fundamentos e provas para atestar a legitimidade dos minoritários, lembra Rossoni. Segundo especialistas consultados pelo InfoMoney, isso ocorre porque o Brasil não conta com uma modalidade de class action, comum nos Estados Unidos. Ela permite a investidores minoritários que se sentiram prejudicados buscar com mais facilidade uma indenização de empresas de capital aberto. Lá fora, as empresas não são consideradas vítimas – e, sim, responsáveis.

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Há casos de investidores buscando arregimentar outros acionistas por conta própria. É o caso de André Krizak, de 48 anos, especialista em varejo e mestrando da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que aplicou R$ 60 mil em AMER3, o equivalente a 60% do seu patrimônio.

Krizak faz um tratamento de câncer de pele e decidiu investir as economias na Americanas, numa tentativa de fazer o dinheiro render mais. Adquiriu 5 mil ações a R$ 12 cada, às 16h do dia em que as inconsistências contábeis foram reveladas, à noite. “Se eu soubesse do rombo, não teria comprado os papéis”, afirma.

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O investidor foi atraído por Americanas por ser uma empresa listada no Novo Mercado da B3, auditada pela PwC – e principalmente pela chegada do novo CEO, Sérgio Rial. “Isso me deu segurança”, aponta.

Como minoritário, Krizak busca o ressarcimento do valor investido que tinha no fechamento do mercado do dia 11 de janeiro. Para ampliar forças e ganhar relevância, tenta reunir entre 500 e mil investidores que também tenham sido prejudicados no caso Americanas para contratar um representante jurídico. Segundo ele, já foi procurado por 200 pessoas nos últimos dias.

“Brigar” em conjunto ajuda também ajuda a diluir os custos. “Quanto mais gente tiver, mais barato fica”, diz Krizak. Ainda não está definido se o grupo – que reúne pessoas com perdas de até R$ 350 mil – seguirá o caminho da Justiça ou da arbitragem. “Dirigentes, diretores e conselheiros precisam ser responsabilizados”, afirma. “A PwC e a B3 também precisam se manifestar”.

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Outras 30 pessoas físicas, representadas pelo advogado criminalista Daniel Gerber, devem optar pela via penal. O objetivo é não depender da empresa, como pessoa jurídica, que será afetada pela recuperação judicial. “No Direito Penal, olhamos as pessoas físicas que podem ser as responsáveis pelo rombo contábil. Se constatada a fraude, elas respondem com o patrimônio pessoal”, explica.

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Gerber previa entrar nesta segunda-feira (30) com uma petição relativa a uma investigação em andamento no Ministério Público Federal (MPF), classificando os investidores como vítimas. Na petição, serão solicitadas providências, tais como o bloqueio de bens e valores das pessoas físicas potencialmente suspeitas de fraude, além do afastamento delas da Americanas.

“Estamos incluindo o trio de acionistas de referência, os conselheiros e a diretoria executiva da empresa”, diz o advogado. Gerber também pretende acionar diretores e agentes da PwC, que considera que podem ter sido coniventes. O pedido deve contemplar o intervalo de dez anos e todos que passaram por estes cargos.

O objetivo do bloqueio de bens – com valor simbólico de R$ 1 bilhão – é forçar os envolvidos a entrar em um acordo, em que será previsto o ressarcimento aos investidores, segundo o advogado. “É preciso gerar um desconforto nos responsáveis para que sentem à mesa com os investidores”, afirma.

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Segundo Gerber, caso haja acordo, cada investidor apresentará as perdas que teve com a queda de AMER3. Não há custos pela ação penal em si, mas os investidores deverão remunerar o advogado se tiverem êxito na causa, ao final do processo. Não é necessário ressarcir os denunciados em caso de perda. O processo pode demorar anos, diz o advogado.

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Para muitos investidores, os prejuízos existiram, mas o trabalho e os custos para conseguir ressarcimento podem não compensar. Matheus Venturim, morador do Espírito Santo, comprou 74 ações de Americanas no dia 11, totalizando R$ 879,12. Depois do anúncio dos problemas, vendeu os papéis por R$ 179,82. Para ele, independentemente dos valores adquiridos, todos os acionistas deveriam receber o dinheiro de volta de alguma maneira, porque os balanços não apresentavam o rombo.

Há pelo menos três entidades representativas de investidores iniciando processos coletivos e públicos que podem ser alternativas para casos assim – conheça mais sobre cada um deles abaixo:

Instituto Ibero-Americano aposta na arbitragem

O Instituto Ibero-Americano da Empresa – uma associação que reúne investidores e atua no mercado de capitais – ingressou, no dia 19 de janeiro, com um pedido para instaurar um processo de arbitragem coletiva na Câmara de Mercado da B3. A demanda é contra Americanas e 3G Capital.

Eduardo Silva, presidente do Instituto, explicou ao InfoMoney que o grupo de minoritários exige a correção do preço das ações no momento da compra segundo o verdadeiro valor do ativo. Na visão dele, a compra das ações pelos investidores foi feita com uma distorção, diante dos problemas nos balanços da empresa.

Ele argumenta que não importa a que valor o investidor comprou AMER3 – se a R$ 12, R$ 20 ou R$ 36. Se as ações despencaram até perto de R$ 1, ele deverá ser indenizado. O pedido inicial é de R$ 500 milhões, mas Silva destaca que o valor das perdas pode vir a ser reajustado em função de notícias negativas que podem aparecer e pressionar os papéis.

Segundo Silva, a escolha dos árbitros e a assinatura do termo pode levar até um ano, que é quando o processo de arbitragem iniciaria de fato. Por isso, em sua visão, iniciar a demanda já não é precipitado. “Até a designação dos árbitros, as coisas vão clarear e o pedido poderá ser ampliado”.

Silva reconhece que arbitragem coletiva não existe sob a ótica da lei, mas explica que foi uma arranjo da Câmara da B3 para atender investidores pessoa física, que ficariam descartados se tivessem que arcar sozinhos com o custo total de cerca de R$ 2 milhões do processo. “Minoritários de Petrobras, Vale e IRB já optaram por esta modalidade. Não podemos dizer que não exista arbitragem coletiva no Brasil”, defende.

Podem participar deste processo de arbitragem os investidores que tinham ações AMER3 até o dia 11 de janeiro, antes da divulgação do fato relevante da Americanas, independentemente se mantém os papéis em carteira ou se os venderam depois com prejuízo. O número de ações é indiferente, mas será necessário o investidor fazer a conta dos custos.

Detentores de ADRs (American Depositary Receipts, recibos de ações não americanas negociados nas bolsas dos Estados Unidos) e debenturistas não estão inclusos neste processo. No caso dos ADRs, os investidores têm direito a class action na justiça americana.

Investidores têm o prazo de em média um ano para se unir ao processo, até os árbitros serem designados. Silva explica que os custos serão divididos de forma proporcional ao número de ações detidas. Ele ainda destaca que existe a possibilidade de surgir um financiador, geralmente fundos de litígio, que podem assumir os encargos do processo.

A indenização de R$ 500 milhões, se a causa for ganha, também será dividida proporcionalmente.

O Instituto prepara ainda uma ação judicial contra a PwC alegando que a empresa descumpriu os deveres de auditor. Será semelhante a uma ação iniciada no caso IRB, em que foi demandada uma indenização de R$ 95 milhões para 193 investidores.

Na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Instituto solicitou investigação e bloqueio de bens para os diretores da companhia que venderam ações em 2022, com suspeitas de informação privilegiada. Silva questiona ainda os dividendos pagos aos acionistas de referência, que foram recorde para uma década. 

O Instituto já representou mais de 400 investidores em um processo de arbitragem contra o IRB, que ainda está em andamento. “Entraremos com um novo processo jurídico contra IRB nas próximas semanas, representando 200 minoritários”, comenta Silva.

A arbitragem também é uma das alternativas contempladas pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), que reúne apenas investidores institucionais e fundos entre os associados.

Fabio Coelho, presidente-executivo da Amec, afirmou ao InfoMoney que “foram feitas discussões internas entre os associados, que entenderam que o caminho da arbitragem seria o melhor, à luz de casos históricos como Petrobras e IRB, e considerando que Americanas é uma empresa do Novo Mercado que possui cláusula arbitral”. Segundo Coelho, “a Amec está fazendo diversas reuniões para entender os detalhes e definir os próximos passos”.

Ibraci inicia Ação Civil Pública

No Judiciário, o Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) entrou com uma ação civil pública que envolve investidores, credores, comerciantes que atuam no marketplace da Americanas e consumidores.

Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Ibraci, explicou ao InfoMoney que a demanda contempla investidores das ações AMER3, que sofreram prejuízos com a desvalorização dos papéis. Para cálculo da perda, foi considerado o valor que estes tinham no fechamento de 11 de janeiro e a perda no dia 12, após o tombo de 77% das ações. Esse intervalo de tempo foi o escolhido porque após o dia 12 o investidor que manteve as ações estava ciente da situação da companhia.

“A maquiagem dos balanços induziu os acionistas ao erro”, aponta.

O advogado explica que na ação civil pública quem é responsabilizado é a empresa e não as pessoas físicas. “É uma ação de reparação em face de Americanas que deverá ser responsabilizada. Se a empresa vai entrar depois com uma ação de regresso contra um diretor, conselheiro, auditor, isso não é mais objeto da petição”. O pedido do Ibraci exige reparação de danos morais e materiais.

Britto esclarece que o processo tem varias fases, e apenas na de execução será aberto um edital para que os investidores, consumidores e demais lesados apresentem o cálculo real de suas perdas. É neste momento que os investidores podem se habilitar a participar do processo, desde que tenham a representação de um advogado. Eles precisarão comprovar os danos sofridos, a perda das ações, notas de corretagem, entre outros.

Ele lembra que o edital para convocar os interessados no processo será publicado no Diário Oficial da União. Há ainda a fase probatória, em que é necessário apresentar provas que reforcem a petição.

O tempo para o edital sair varia de processo para processo. Britto exemplifica que na ação do IRB, o Ibraci entrou com o pedido em setembro de 2022, mas o edital só foi aberto agora em janeiro.

Na fase probatória, o Ibraci pode convocar CVM, B3 e PwC para serem ouvidos, segundo Britto. Ele destaca que associações ou órgãos interessados podem contribuir com provas e depoimentos como “amigos da corte”.

Embora as normas do Novo Mercado – segmento da B3 em que a Americanas é listada – determinem que os conflitos de ordem societária sejam resolvidos por meio da arbitragem, Britto destaca que há razões para ter optado pela via do Judiciário. O motivo é que esse tipo de processo demanda o consentimento expresso do investidor, que não poderia ser obrigado a seguir para a arbitragem de forma compulsória. “Quando o individuo comprou AMER3 no home broker, não sabia dessa regra, nem concordou expressamente com ela.”, explica.

Fora isso, os custos da arbitragem são elevados: a hora de trabalho do árbitro, diz Britto, custa cerca de R$ 850, e cada processo requer três árbitros.

No caso da ação civil pública, os custos são a contratação de um advogado ou a associação ao Ibraci (a mensalidade é de R$ 49), fora um percentual de 20% caso o investidor ganhe a causa e liquide o valor na Justiça.

Por isso, embora não haja um valor ou número de ações mínimo para participar, o investidor precisará avaliar se os custos compensam.

Abradin estuda Ação Civil Pública e processo criminal 

Na Associação Brasileira de Investidores (Abradin), a palavra de ordem é cautela e zero precipitação. Aurélio Valporto, presidente da entidade, comenta que a instituição está atuando, neste momento, em duas frentes no caso Americanas.

Primeiro, fez uma denúncia na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que sejam identificados os responsáveis pela fraude contábil. “Fizemos uma auditoria e há indícios de que, além da fraude, havia desvio de recursos do caixa sendo ocultados no desconto dado a fornecedores, quando se faziam os adiantamentos pelo crédito bancário”, destaca Valporto.

Ele aponta que a CVM tem acesso a informações a que associações e minoritários não possuem. Por exemplo, pode identificar quais foram os diretores que venderam ações, se a companhia tem capacidade real de gerar caixa ou se houve insiders, investidores que negociaram os papéis de posse de informação privilegiada.

A segunda frente, segundo Valporto, é a Abradin acionar o Ministério Público Federal (MPF) sobre o caso de Americanas, com base nos dados fornecidos pela investigação da CVM. Da investigação, poderiam derivar ações civis públicas e ações criminais na Justiça.

Nesta demanda, a auditoria PwC poderia ser alvo da ação civil pública para ressarcir os investidores, e seus diretores, de ação criminal, caso se comprove o envolvimento dos auditores com a fraude. Já os acionistas de referência e os diretores da Americanas podem ser acionados em ação criminal, assim como em ação civil para indenizar os investidores.

Valporto destaca que os acionistas de referência provavelmente sabiam o que acontecia na empresa e deveriam ter informado o mercado, mas não o fizeram. Além disso, se beneficiaram dos dividendos pagos a partir de lucros que não existiam.

Com a ação civil pública, a Abradin almeja o ressarcimento aos investidores pela perda do valor das ações – calculado por perícia na fase de liquidação. Já na ação criminal, culpados poderiam ser condenados pelos crimes contra investidores e o mercado de capitais. As penas incluem de multas a prisão.

Fora do Brasil, a Abradin está trabalhando em parceria com o escritório Almeida Law em uma class action nos Estados Unidos para os detentores de ADRs e debêntures da Americanas, segundo Valporto. Os acionistas de AMER3 não podem ser incluídos neste processo.

Experiência semelhante foi protagonizada pela entidade no caso em que o empresário Eike Batista foi acusado de manipulação do mercado com a divulgação de informações falsas sobre a capacidade de produção da OGX, sua petroleira. Na ocasião, a Abradin entrou com processos civil e criminal. “Eike foi condenado em primeira instância no criminal. Já a ação civil se arrasta há quase dez anos”, conta.

Valporto comenta que já recebeu mais de mil e-mails de investidores pelo caso Americanas. Se a Abradin entrar com a ação, os custos serão divididos entre os participantes, mas a associação à entidade é gratuita.

A Abradin já representou investidores minoritários em outros processos de companhias como Petrobras, OGX, JBS, MMX, Oi, Braskem, Embraer, entre outros. A principal vitória, até agora, foi a condenação criminal de Eike Batista e dos diretores da OGX, Paulo Mendonça e Marcelo Torres.

Já é hora de procurar a Justiça?

Rossoni, do Silveiro Advogados, acredita que ainda é cedo para os minoritários tomarem a decisão de participar de algum processo ou movimento. “Entendo que ninguém tem fatos ou elementos ainda, pois as investigações estão em andamento. Tem se especulado muito, mas nada é concreto”, aponta.

O ideal, segundo o advogado, é esperar que as investigações na CVM e no MPF apontem responsáveis, para depois iniciar (ou não) um processo, de arbitragem ou no Judiciário. Ele destaca ainda as dificuldades que podem aparecer pelo caminho, dado que é incomum minoritários acionarem empresas, seus executivos ou acionistas de referência no Brasil.

“Só lembro do caso do banco Panamericano, que deu errado”, comenta. Segundo Rossoni, uma ação movida pelo minoritário Min Namkeung exigia ressarcimento por danos materiais e morais, pelos prejuízos que teve após adquirir 69 mil ações do Panamericano – que, depois, apresentou informações falsas no balanço, além de resultados irreais e fraudulentos. O pedido, no entanto, foi julgado improcedente.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.