XRP pode ser a ponte entre real digital e outras CBDCs, diz CEO da Ripple

Brad Garlinghouse falou ainda sobre o processo da SEC contra a empresa e elogiou a postura dos reguladores brasileiros

Rodrigo Tolotti

Brad Garlinghouse, CEO da Ripple (divulgação)
Brad Garlinghouse, CEO da Ripple (divulgação)

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Criada em 2011, a Ripple é uma empresa blockchain que cria certa controvérsia dentro do mercado de criptomoedas, já que seu token XRP, focado em realizar pagamentos seguros e rápidos, é muito utilizado por grandes empresas e bancos, o que, para os mais puristas, a afasta dos ideais cripto.

Por outro lado, o XRP figura há anos no top 10 de maiores moedas digitais do mundo em valor de mercado e tem ganhado cada vez mais força dentro do segmento que atua. Apesar de impactada pela crise do setor de criptomoedas no segundo trimestre, com uma queda de 22% no volume de negócios comparado ao início do ano, alguns de seus produtos tiveram forte crescimento.

Recém-lançado no Brasil em parceria com a Travelex, o serviço de liquidez sob demanda (ODL, na sigla em inglês) resultou em um aumento de 40% nas vendas de XRP associadas à plataforma, para US$ 409 milhões. Além disso, o volume de negócios em ODL saltou 9 vezes na comparação anual, puxado pelas novas parcerias que a companhia tem feito.

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“A Ripple passou por pelo menos três ciclos negativos e cada vez sai mais forte. Eu concordo que o 2º trimestre foi um trimestre difícil, mas nós tivemos um trimestre recorde”, afirmou Brad Garlinghouse, CEO da Ripple, ao InfoMoney.

Na conversa, que também contou com a presença de Silvio Pegado, diretor-gerente em América Latina da empresa, ele falou sobre os investimentos da empresa no Brasil e elogiou a postura dos órgãos nacionais, como CVM e Banco Central.

Ele ainda reforçou que não teme o surgimento das moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) como o real digital, e que a criação desses ativos é positiva para a Ripple, já que ajuda a facilitar o serviço já feito pela companhia.

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Garlinghouse também comentou que está otimista sobre o resultado do processo envolvendo a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), que acusa a Ripple de arrecadar fundos de maneira ilícita para financiar o desenvolvimento de sua moeda. Por considerar o XRP um valor mobiliário, o regulador acredita que a companhia não poderia ter feito ofertas usando o token.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista com os dois executivos da Ripple:

InfoMoney – Temos muitas empresas cripto vindo para o Brasil e usando o país como uma porta de entrada para negócios na América Latina. Você acha que o Brasil é ou pode se tornar um hub cripto na região?

Brad Garlinghouse – Uma coisa que eu tenho que dizer é que a população aqui é muito favorável a cripto e tem interesse por cripto, isso é positivo. Se você tem uma comunidade que é interessada e amigável às criptos, elas são mais interessadas em criar negócios e pensar em como se aproveitar dessas tecnologias para resolver problemas. E eu acho que, até comparado com alguns países, os reguladores brasileiros têm tido cabeça aberta, Recentemente o Banco Central fez comentários positivos sobre balancear a inovação com proteção e isso faz do Brasil um lugar apropriado para fazer algumas dessas apostas [em cripto].

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Eu acho que empreendedores e investidores vão para países como o Brasil, que tem esse mix: uma população interessada em cripto e um governo pró-inovação.

Globalmente estamos fazendo muitos bilhões de dólares, e cerca de 20% do volume global está aqui na América Latina, mais de 90% do nosso volume total está fora dos EUA. Apesar de estarmos sediados nos EUA, a maior parte da nossa atividade de clientes está fora dos EUA. Sobre o Brasil, nosso escritório aqui cresceu bastante, contratamos algumas pessoas nas últimas semanas.

Silvio Pegado – Nossa ideia é continuar crescendo, conforme nosso negócio avançar, vamos aumentar os escritórios também. Temos diferentes verticais no país, como equipe comercial, um forte time de engenheiros para suportar tudo, como a Travelex, Rendimento, Remessa Online, temos um bom time para dar suporte local para América Latina.

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Qual a relação de vocês com o Banco Central do Brasil? Vocês costumam ficar próximos dos reguladores?

BG – Desde os primeiros dias da Ripple nós fomos controversos na comunidade cripto porque muitas pessoas desse meio são contra governos. A Ripple sempre teve a intenção de trabalhar com os governos, trabalhar junto com reguladores e temos sido bem proativos, compartilhando e evangelizando sobre como essas tecnologias podem ser usadas para beneficiar a população, beneficiar bancos, etc.

Nós tivemos a primeira reunião com o Banco Central do Brasil antes do início da pandemia. Você consegue as aprovações e avança com as coisas, eu sei que tem a questão da legislação também, que é outro tema em cripto, mas estou menos por dentro.

SP – O processo de regulação foi aprovado pelo Senado em abril, agora tinha a expectativa de ser votado antes das eleições, mas deve acontecer apenas depois. Para nós, qualquer coisa que der clareza é excelente, porque queremos ser regulados, ter clareza, e temos boas expectativas de que isso será resolvido rapidamente. Mas no fim, nossos produtos como o ODL não sofrem nenhuma influência. Regulação é bom, e vamos seguir crescendo.

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A proposta das CBDCs é parecida com a estrutura de funcionamento da XRP, buscando fazer transferências rápidas e com custos menores. Vocês sentem que as CBDCs são uma concorrência pra vocês?

BG – CBDCs são realmente interessantes e, das moedas que eu já vi, são todas domésticas. Isso porque é do Banco Central, é como o PIX nesse sentido. Quanto mais eficiente for o real doméstico, é fantástico, nós adoramos isso, isso é bom para a Ripple porque resolve o problema final e, na verdade, habitua os clientes com seus negócios e consumidores, se eles podem vender domesticamente assim, por que não podem fazer negócios com os EUA ou Portugal?

Eu vejo o que está acontecendo com as CBDCs e o cenário doméstico, quanto mais eficiente isso for, com mais demanda para negócios entre fronteiras, melhor. Mas mesmo com o CBDC você ainda precisa liquidar em outra moeda, e de alguma forma é como funciona hoje, euro para real, você ainda vai ter um CBDC do euro e um CBDC do real, ainda precisa liquidar do modo mais eficiente possível e nós achamos que o XRP é a ponte de câmbio perfeita para prover liquidez para moedas globais. Então você não precisa pensar em quais países têm CBDCs e como liquido nisso.

O número de vezes que eu vi na minha vida governos liderando inovações tecnológicas, é raro. Eu não falo mal dos nossos governos, mas não é usual. Eu tenho noção de que existem alguns esforços regionais acontecendo, e essas são ideias que se forem eficientes, talvez possam mitigar as incertezas em alguns corredores, mas é um mundo muito grande.

Isso chegou no pico primeiro em Portugal. Tem acontecido muitos negócios entre Brasil e Espanha, Brasil e Portugal. Portugal vai fazer parte (de um esforço global)? Eu duvido. Então você acha que (a CBDC) vai ser algo global? Eu acho muito difícil de imaginar isso.

Eu acho que toda iniciativa de CBDC é positiva porque mostra que são bancos centrais interessados em inovação, interessados em ativos digitais. E nós da Ripple já assinamos com alguns bancos centrais que na verdade possuem uma CBDC que é na verdade uma versão do código da XRP.

Banco Central nada mais é que um grande banco. E nós vendemos para bancos, nós sabemos como lidar com eles, sabemos como ajudá-los. O Butão está trabalhando com a Ripple, e o Palau também, temos um time trabalhando em como expandir tudo isso.

Vocês estão sendo processados pela SEC nos EUA, com um debate sobre quais criptoativos são valores mobiliários, moedas ou commodities. Como está o processo e o que vocês esperam da resolução dele?

BG – A ironia de onde estamos nos EUA, como uma empresa americana e um cidadão americano, é que você tem um governo em conflito consigo mesmo. O Tesouro americano diz que a XRP é uma moeda, a SEC diz que é um valor mobiliário. Qual deles vale?

A SEC decidiu entrar com um processo e, na minha opinião, o que eles estão tentando fazer é regular à força, em vez de fazer o que estamos fazendo aqui no Brasil de definir novas regras para dar a clareza que ajuda todo mundo. A SEC está agindo para deixar as coisas mais confusas com essa atitude e está, na verdade, limitando a inovação em cripto e blockchain nos EUA.

Isso é vantajoso para o Brasil, Cingapura, e outros, em termos que empresas como a Ripple estão contratando (nesses países). Se você é um empreendedor e está começando uma empresa em cripto e blockchain, você quer começar nos EUA onde as regras não são claras? Não.

Eu tuitei quando a SEC processou a Ripple que isso não era um ataque à Ripple, era um ataque à toda a indústria, e acho que o que temos visto nos últimos 18 meses é exatamente isso, a SEC sendo muito mais agressiva e indo atrás de toda a indústria, e isso é ruim para os EUA, para os participantes criptos nos EUA.

Tem uma legislação sendo estudada tanto no Senado quanto na Câmara dos EUA. É muito cedo para dizer para onde as coisas vão, mas isso não é somente sobre a Ripple, é sobre toda a indústria e acho que os políticos estão percebendo que: “espere um pouco, nós estamos tirando a inovação dos EUA e isso não é uma boa ideia”.

Sobre o nosso caso especificamente, eu me sinto realmente bem para onde foi. Você não quer ter uma batalha legal contra o governo dos EUA. Se você me dissesse 18 meses atrás que estaríamos onde estamos, eu estou muito feliz com isso. Principalmente porque os fatos estão do nosso lado, a lei está ao nosso lado, e acho que a história estará ao nosso lado.

A SEC está atrasando as coisas, o que é muito frustrante. Normalmente você tem o “grande governo” indo atrás das empresas, é a empresa que fica tentando adiar as coisas, mas nós estamos tentando fazer as coisas irem o mais rápido possível. Mas eu acho que isso vai se resolver, eu diria nos próximos 9 meses, até menos. Estará diante do juiz no 4º trimestre, o juiz terá a matéria e a questão é quanto tempo ele levará para decidir.

A questão da regulação também tem sido apontada como fator importante para “destravar” o setor cripto. No Brasil, bancos já falaram que não vão oferecer Bitcoin ou outra moeda digital enquanto não houver uma regulação…

BG – Isso é empolgante em relação ao futuro de cripto. O mercado cripto já está crescendo apesar da falta de regulação, imagine mais países fazendo esse trabalho e definindo, talvez alguns através de um processo corporativo, frustrantemente.

Eu imagino que nos próximos dois anos, eu sinto que, a tendência global sobre a regulação será positiva. Comparado com onde estávamos 5, 6 anos atrás em termo de postura, já é muito diferente. E isso é ótimo, porque essas são tecnologias que bancos podem usar para resolver problemas reais para seus clientes e se eles quiserem ser competitivos e prover os melhores serviços possíveis, eles deveriam usar as melhores tecnologias disponíveis.

Qual sua visão para o mercado cripto atualmente? Após um primeiro semestre bastante negativo, acha que os preços poderão se recuperar ainda este ano?

BG – Nós não estamos em um “bear market” (mercado de baixa), estamos em um “build market” (mercado de construção). Eu estou na Ripple há sete anos e é a terceira vez que passamos por uma correção profunda como essa, e cada vez isso força mais a indústria a focar em resolver problemas reais para clientes reais.

O que acontece é que o ciclo de hype, o ciclo de especulação, pessoas estão muito excitadas, mas você volta ao princípio do negócio, quem é o cliente? Qual problema estamos resolvendo? Está indo melhor do que o que já existe? A Ripple está focada nisso desde o começo. Eu acho que isso (queda do mercado) é uma dinâmica saudável e temos companhias com negócios (nesses players ruins), eu nunca quero ver isso. Mas eu também acho que existem exemplos em que as pessoas se precipitam demais, temos muitos exemplos públicos disso.

Eu não acompanhei tanto a história da Luna até que ela estourou. Eu fui questionado em dezembro sobre isso e falei: “olhe, eu estou confuso. Como você consegue 20% de juros quando o mercado está pagando 3%?”. Eu não entendo. E acho que isso é confuso por um motivo, não é sustentável.

A Ripple passou por pelo menos três ciclos negativos e cada vez sai mais forte. Eu concordo que o 2º trimestre foi um trimestre difícil, mas nós tivemos um trimestre recorde. Foi um trimestre difícil no contexto de cripto, mas num contexto de vender para clientes produtos que resolvem seus problemas, foi um bom trimestre para nós.

Como você vê a questão do processo com Jed McCaleb e a venda de tokens que ele fez recentemente, como isso impacta a empresa?

BG – Eu entrei na companhia no início de 2015, e Jed já tinha saído. Eu conheci ele, mas não nesse contexto.

Eu acho que ter Jed vendendo por 10 anos 9 bilhões unidades de XRP, na verdade fala sobre a robustez do mercado da XRP, isso é muito. O ecossistema da XRP ainda está funcionando e ele está indo em frente, eu lhe desejo tudo de bom. Isso não afeta a companhia diretamente.

E sobre o mercado de XRP, você tem um vendedor constante por anos e que não está mais vendendo porque ele acabou de vender tudo. Isso não é uma coisa ruim.

O que vai acontecer eu não posso prever. Se eu pudesse prever os mercados criptos eu estaria fazendo isso.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.